Venda judicial de ativos na recuperação – 28/11/2012

A Lei nº 11.101, de 2005, que regula a recuperação extrajudicial, judicial e falência das empresas, criada com o intuito de preservar as sociedades empresárias economicamente viáveis que passam por momentânea dificuldade financeira, elenca uma série de meios pelos quais a empresa em recuperação judicial pode se valer para concretizar seu efetivo soerguimento. Isso ocorre por meio do aumento de recursos financeiros no curto prazo, concessão de prazos e condições especiais para pagamentos das obrigações vencidas ou vincendas, trespasse ou arrendamento de estabelecimento, redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, equalização dos encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, emissão de valores mobiliários, venda parcial dos bens, entre outros previstos no artigo 50, da Lei nº 11.101, de 2005.
Para conseguir recursos, a venda de ativos tem se mostrado uma excelente solução. Não tem sido fácil para empresas em recuperação judicial adquirir crédito ou financiamentos junto ao mercado financeiro. Neste cenário de crise mundial, com reflexos nas indústrias do nosso país, obter crédito nos bancos e factorings tem sido tarefa árdua até mesmo para empresas com boa saúde financeira. Para empresas em recuperação, o caminho é ainda mais penoso.
De acordo com a lei, a venda de ativos ou de uma unidade produtiva isolada (UPI) deve seguir o que foi estipulado no plano de recuperação judicial, aprovado em assembleia de credores e homologado pelo juiz. Após a distribuição do pedido de recuperação, o devedor não pode alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo, salvo com autorização judicial (art. 66), após oitiva do comitê de credores, quando demonstrada a utilidade da venda.
O que temos visto é que esta modalidade de alienação de ativos, após o plano aprovado, tem ocorrido com maior frequência do que os financiamentos. Ao se apresentar o plano de recuperação, presume-se, inicialmente, que a proposta ali formulada levará a empresa a atingir os seus objetivos de soerguimento. A experiência mostra, porém, que os cenários econômicos e políticos se alteram substancialmente no curso de um processo de recuperação judicial. No mais das vezes, um plano que parecia viável, mais adiante pode não mais ser.
Não seria mais razoável o juiz dispensar nova assembleia?
O sucesso do plano depende de uma infinidade de fatores, muitos deles baseados em acontecimentos futuros e incertos. As condições inicialmente previstas podem mudar radicalmente, quer em função de alterações no cenário político e econômico, quer por circunstâncias de fato aplicáveis especificamente ao negócio da empresa. Crises no mercado financeiro ou na economia, por exemplo, tendem a prejudicar, substancialmente, a recuperação de empresas em dificuldade. Da mesma forma, um possível parceiro comercial pode desistir de investir na empresa ou de concluir algum negócio fundamental para o desenvolvimento sustentável de suas atividades. Em tais circunstâncias, o plano aprovado pela assembleia de credores pode ficar defasado, cabendo ao empresário buscar novas alternativas para viabilizar o enfrentamento da situação de crise. O recurso à alienação judicial de parte dos ativos da empresa, mesmo não previsto no plano, com o intuito de cumprir as obrigações nele estipuladas, passa a ser uma alternativa atraente e perfeitamente compatível com o espírito da lei. A venda sendo realizada de forma transparente, mediante avaliação judicial e depósito judicial, é meio hábil de cumprimento das obrigações previstas no plano, já aprovado, evitando, assim, a bancarrota da empresa em dificuldade.
Questiona-se, a esse propósito, acerca da necessidade de se proceder à designação de nova assembleia ou até mesmo de se apresentar novo plano. Partindo-se da premissa de que se trata de alienação judicial, cujo produto da venda será integralmente depositado em juízo, nenhum óbice há para que a empresa possa efetivá-la. Satisfaz-se aos interesses do empresário (que pode cumprir com as obrigações previstas no Plano) e aos credores (que recebem na forma deliberada).
Sob esse prisma, se o produto da venda é integralmente canalizado para o juízo da recuperação judicial, com requisito de “evidente utilidade” mais que presente e favorecendo, sobremaneira, aos credores, não seria a hipótese mais razoável o juiz dispensar a designação de nova assembleia de credores?
Em recente decisão, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entendeu “que a venda de seus ativos imobiliários parece ser a única solução para a sobrevivência da empresa. Contudo, tal alienação deve ocorrer sob a supervisão de, no mínimo, três corretores da região, e todo o dinheiro auferido deve ser depositado judicialmente.”
Outro exemplo recente foi no caso da recuperação judicial da Athos Farma, quando se entendeu que a venda de um ativo da recuperanda, mesmo após o seu plano aprovado, não acarretaria qualquer perda patrimonial e nenhum prejuízo para os credores, porque se estaria transformando em dinheiro participação societária da recuperanda em outra empresa, dispensando a necessidade de nova assembleia ou de alteração do plano.
A venda de ativos da empresa em recuperação judicial, mesmo sem estar prevista no plano, revela-se importante instrumento para lidar com fatos supervenientes que afetem os negócios e encontra total respaldo na sistemática instituída pela Lei de Falências e Recuperação de Empresas.
Juliana Bumachar é sócia do Bumachar Advogados Associados e professora da pós-graduação da FGV Direito Rio
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Por Juliana Bumachar
Fonte: Valor Econômico