Itália declara guerra à sonegação – 05/01/2012

Crise econômica leva autoridades italianas a combater a evasão de impostos de olho em perdas anuais de US$ 150 bilhões./Gabriel Bouys-AFP
Há poucos dias, Maurizio Compagnoni, funcionário da Receita Federal italiana, estava diante de uma sala de aula repleta de alunos do ensino médio em um bairro arborizado de Roma. Ele falava sobre como é bom pagar os impostos.
“Vocês devem estar se dizendo: Eu só tenho 13 anos, não deveria me importar com impostos”, afirmou com entusiasmo enquanto os estudantes observavam um pouco entediados. “Mas você pode avançar na direção correta. Pode mudar o comportamento das pessoas ao seu redor, de seus pais e amigos.”
Compagnoni é um soldado na difícil batalha para convencer os cidadãos italianos a deixarem de sonegar seus impostos. Ações desse tipo, além de uma série de anúncios públicos com o objetivo de estigmatizar a sonegação de impostos, tornaram-se ferramentas fundamentais na batalha italiana para reduzir a dívida pública de US$ 2,5 trilhões e acabar com os ataques especulativos.
As autoridades fiscais dizem que a Itália perde cerca de US$ 150 bilhões por ano em receitas não declaradas o órgão responsável pelas estatísticas afirma que cerca de 17,5% do Produto Interno Bruto (PIB) italiano não é declarado. Esse é o terceiro maior índice da Europa Ocidental, ficando atrás apenas de Malta e Grécia. Outros especialistas dizem que a porcentagem é muito maior.
Até estudantes recebem orientação./Nadia Shira Cohen-NYT
Iates – Para resolver o problema, o novo pacote de austeridade fiscal de US$ 40 bilhões do primeiro ministro Mario Ponti, aprovado pelo Senado no final de dezembro, inclui medidas mais duras que irão permitir que os fiscais da Receita vasculhem as contas bancárias dos italianos, para comparar se o valor dos depósitos _ além, é claro, do valor de iates, carros e casas _ está de acordo com a renda declarada.
As medidas também proíbem transações em dinheiro superiores a US$ 1,3 mil _ comuns na Itália, onde cartões de crédito são pouco utilizados, o que mantém o crédito pessoal baixo, mas a evasão alta. Além disso, elas diminuem o valor mínimo para que a sonegação seja considerada um crime. O governo também estabeleceu um imposto adicional de 1,5% sobre ativos que anteriormente estavam depositados em contas bancárias estrangeiras e que foram repatriados após um recente programa de anistia fiscal, elevando as taxas para aqueles que preferem se manter no anonimato.
A Itália está repleta de anomalias curiosas. Segundo funcionários da Receita Federal, quase metade dos barcos com mais de 10,7 metros estão registrados em nome de pessoas que declaram uma renda anual inferior a US$ 26 mil. Proprietários de 604 aviões particulares declaram rendas anuais entre US$ 26 mil e US$ 65 mil.
Luxo – A Radio 24 anunciou recentemente que há cerca de dois milhões e meio de carros de luxo na Itália ainda assim, funcionários da Receita afirmam que, em 2009, menos de 2% dos 41 milhões de contribuintes declararam uma renda anual superior a US$ 260 mil _ o que indica que grande parte deles declara uma renda muitíssimo inferior ao que seu estilo de vida sugere.
Para manter o controle, a Itália colocará em prática nos próximos meses uma iniciativa de consulta cruzada, chamada de “receitômetro”.
“Se você tem uma receita de US$ 26 mil dólares por ano, é impossível comprar um imóvel avaliado em um milhão e trezentos mil”, afirmou Attilio Befera, diretor da Agenzia delle Entrate, a Receita Federal italiana. Discrepâncias dessa natureza serão fiscalizadas de agora em diante, afirmou Befera.
É uma batalha tanto cultural quanto logística. Levando em conta que se trata de um país católico, Befera afirma: “Partilhamos o conceito do perdão, da penitência. Do ponto de vista fiscal, este é o preço que pagarei quando me encontrarem”. (O último governo introduziu diversos programas de anistia fiscal, o que, segundo os críticos, é sinal de que a sonegação é tolerada.)
“Nos Estados Unidos, a primeira forma de imposto ocorreu no velho oeste para a defesa da comunidade, para um tipo de xerife, e qualquer pessoa que não pagasse era expulsa da comunidade”, afirmou Befera. “Aqui, as primeiras formas de imposto foram impostas por príncipes, frequentemente estrangeiros, para financiar suas próprias batalhas. Por essa razão, nossos cidadãos faziam o possível para não pagar, já que eles não recebiam nada em troca.”
Essa herança se perpetua. Muitos italianos adoram sonegar e se sentem orgulhosos por serem mais espertos que o sistema. Eles recebem a ajuda de livros vendidos pela internet e dos mais de 113.000 contadores italianos. Muitos italianos dizem que quebrar as regras é uma questão de sobrevivência.
Restaurante – “Quando eu abri meu restaurante, meu contador se sentou comigo e explicou que se eu quisesse pagar todos os meus impostos, eu nem precisava abrir meu negócio”, afirmou Giuseppe, dono de um restaurante em Roma. Ele afirmou ser uma pessoa honesta que foi “forçada a sonegar” pelo oneroso sistema fiscal italiano.
Como muitos donos de restaurante na Itália, Giuseppe nem sempre apresenta a nota fiscal ao final da refeição. Dessa forma, a venda não é legalmente registrada e, portanto, não é taxada. “Se eu não fizesse isso, eu simplesmente não iria sobreviver”, afirmou. “Se eu respeitasse absolutamente todas as regras, o seu jantar seria muito mais caro”.
Para Giuseppe, ter uma empresa significa manter registros complexos. Suprimentos comprados sem nota fiscal devem desaparecer sem que sejam registrados ele evita os impostos salariais, que passam de 40%, pagando por fora as horas extras de seus funcionários.
Associações comerciais insistem para que o governo reduza a carga tributária paga por empresas e funcionários, aumentando os impostos sobre ativos. Em dezembro, o diretor do Banco da Itália, Ignazio Visco, afirmou que a carga tributária italiana sofreu um aumento de 45% e alertou sobre a necessidade de reformas urgentes para ajudar a diminuí-la.
“A sonegação de impostos tem um grande impacto sobre o crescimento”, afirmou Alberto Bisin, economista da Universidade de Nova York. Segundo ele, isso impede que as empresas cresçam, uma vez que devem manter uma produtividade baixa e, por consequência, mais difícil de ser rastreada. “Eu não estou dizendo que devemos permitir que as pessoas soneguem”, mas com impostos tão altos, é difícil fazer essa reforma, afirmou.
Em um país onde alguns suportam uma pesada carga tributária, enquanto outros não pagam absolutamente nada, cria-se um “sistema parcial, distorcido e horrível”, disse.
Além disso, 5 milhões de italianos são seus próprios patrões, incluindo muitos médicos, empreiteiros e pequenos empresários, um número alto em comparação com 2,7 milhões na França e 3,9 milhões na Alemanha. A sonegação entre eles é gigantesca.
Em 2009, último ano com dados disponíveis, menos de 50% dos trabalhadores declararam renda anual de menos de 20 mil euros. Apesar dos níveis de aprovação do primeiro-ministro Mario Monti, há muito ceticismo quanto a adoção das medidas antievasão.
* The New York Times
Escrito por Rachel Donadio e Elisabetta Povoledo *
Fonte: Diário do Comércio – SP