Recentemente, causou espécie o veto presidencial à redação final dos artigo 9º e 10 do substitutivo da Câmara dos Deputados 5, de 2017, logo, excluídos da Lei Complementar 160/2017, ainda que fossem medidas fundamentais para pôr fim à “guerra fiscal”, sob alegação de dúvidas quanto à compatibilidade com o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Os artigos 9º e 10º do Projeto de Lei Complementar eram sobremaneira relevantes por uniformizar o tratamento dos incentivos fiscais de ICMS quanto à subvenções para investimento, mormente no que concerne à confusão gerada com a aplicabilidade de tributos federais, como PIS, Cofins, IRPJ e CSLL.
O reconhecimento interpretativo de qualificação dos incentivos fiscais como subvenções para investimento, que são expressamente excluídos do lucro real, na linha da jurisprudência firmada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e em parte dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, colocaria uma definitiva solução nas longas discussões judiciais e administrativas e também seria bastante oportuna a novos investimentos tão necessários neste momento de recessão.
A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê rígidas regras para a elaboração de lei orçamentária anual e exige seja apresentada uma previsão e arrecadação dos tributos. Em que pese as normas do artigo 12 da LRF, há possibilidade de que seja feita a reestimativa da receita, nos termos do artigo 12, §1 da referida lei. Como apontou Weder de Oliveira.
Na hipótese de renúncia de receita, o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal determina que sejam apresentadas medidas de compensação. Esta obrigação está repetida no artigo 5 da referida lei:
“Art. 5º O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar:
I – conterá, em anexo, demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas constantes do documento de que trata o § 1º do art. 4º
II – será acompanhado do documento a que se refere o § 6º do art. 165 da Constituição, bem como das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado”
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) repete a obrigação do artigo 165, § 6 da CF e estabelece condições e limites à renúncia de receita. E o artigo 14 desta lei determina que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária que implique renúncia de receita dever:
(i) atender o disposto na Lei das Diretrizes Orçamentárias – LDO
(ii) estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes
(iii) estar acompanhada de demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas na LDO OU
(iv) prever medidas de compensação, para o exercício em que entrar em vigor e para os dois seguintes, por aumento de receita proveniente da elevação de alíquota, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo.
O objetivo da LRF é garantir que o planejamento dos exercícios futuros da Administração Pública. Quando a receita é estimada e quantificada previamente é possível a gestão de recursos de modo programado. Evita-se que a perda de receita seja decidida e implantada ao longo da execução do orçamento, de maneira improvisada.
Ressalte-se que os dois primeiros pressupostos são obrigatórios sempre, mas as duas últimas condições são alternativas. Ou se demonstra que não há impacto nas metas de resultados fiscais previstas na LDO, ou são exigidas medidas de compensação.
A convalidação de incentivos fiscais não equivale à instituição de novos incentivos e, por conseguinte, não se sujeita aos limites das normas do artigo 14, incisos I e II do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal que dispõe obrigações alternativas (i) a demonstração da renúncia de receita na Lei Orçamentária Anual ou (ii) medidas de compensação para a redução das receitas, verbis:
“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias
II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.”
Na criação de incentivos fiscais, ou se demonstra que não há impacto nas metas de resultados fiscais previstas na lei de diretrizes orçamentárias, ou são exigidas medidas de compensação.
Isto significa que são dispensadas medidas compensatórias se a renúncia de receita estiver prevista na estimativa da lei orçamentária e não afetará as metas de resultados fiscais da LDO. Por outro lado, se a renúncia de receita causar impacto nos resultados previstos na LDO, então é obrigatória a previsão de medidas de compensação para assegurar o equilíbrio econômico financeiro do orçamento.
As medidas compensatórias ficam afastadas quando a perda de receita é considerada na lei orçamentária e não afeta as metas de resultados fiscais previstas na LDO.
Portanto, a convalidação de incentivos fiscais já existentes não acarreta nenhuma renúncia de receitas. Esta convalidação refere-se a incentivos fiscais que estão em vigor e já surtem seus efeitos, os quais devem ser considerados na previsão da Lei Orçamentária Anual.
Como mencionamos, os artigos 9º e 10 do Projeto de Lei Complementar uniformizam o tratamento dos incentivos fiscais de ICMS, bem como estabelece situação de segurança para subvenção para investimento.
Em vista disso, o tratamento tributário das subvenções para investimento encontra-se disciplinado no artigo 443 do RIR, in verbis:
“Art. 443. Não serão computadas na determinação do lucro real as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e as doações, feitas pelo Poder Público, desde que:
I — registradas como reserva de capital que somente poderá ser utilizada para absorver prejuízos ou ser incorporada ao capital social, observado o disposto no art. 545 e seus parágrafos ou
II — feitas em cumprimento de obrigação de garantir a exatidão do balanço do contribuinte e utilizadas para absorver superveniências passivas ou insuficiências ativas.”
Para definir os efeitos em relação à incidência do imposto sobre a renda da pessoa jurídica (IRPJ), as subvenções foram classificadas em subvenções correntes ou para custeio e subvenções ou doações para investimento, como bem distinguiu Bulhões Pedreira[1]:
“As subvenções ou doações recebidas pela pessoa jurídica como auxílio para pagar custos ou despesas operacionais são transferências de renda computadas na determinação do lucro real. As subvenções ou doações para investimento são transferências de capital, creditadas a reservas de capital e não a contas de resultado do exercício. (…)”
As subvenções para custeio são instrumentos da intervenção do estado na economia, como medida de estímulo a determinadas atividades.
Citamos, como exemplo, a isenção dos tributos incidentes na exportação de mercadorias, que tem como objetivo estimular a competitividade dos produtos nacionais no exterior, bem como equilibrar a balança comercial. Outro excelente exemplo, foi a subvenção concedida para os produtores de cana-de açúcar no Nordeste, que tiveram sua produção extremamente prejudicada pelas condições climáticas de 2009 e 2010.
Ambas são subvenções para o custeio das operações, que não exigem qualquer contrapartida do subvencionado. Em contrapartida, as subvenções para investimento exigem uma conduta ativa do beneficiário, por exemplo, o investimento em determinada região, a produção de determinado produto, sendo marcante o fomento de uma região ou atividade econômica.
Assim, os incentivos fiscais que seriam convalidados na forma do Projeto de Lei Complementar já deveriam estar refletidos na Lei Orçamentária Anual dos Estados, logo não haveria necessidade de medidas compensatórias. Nestas condições, os incentivos fiscais de ICMS que são condicionados a expansão da indústria qualificam-se, com precisão, como subvenções para investimento, excluídas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
A análise dos artigos 9º e 10º do Projeto de Lei Complementar faz ver tratamento dos incentivos fiscais de ICMS que traz regime próprio para impor tratamento conforme o federalismo para a subvenção para investimento e para dar solução definitiva aos conflitos daí decorrentes.
E no caso dos Estados que lançaram cobranças de ICMS em relação à glosa de créditos no destino, de se ver, as normas da LRF não corroboram a pretensão de inibir seu cancelamento. O veto presidencial, pois, não encontra qualquer fundamento de plausibilidade efetiva, porquanto atinge medidas que se reportam ao passado, visam a resolver conflitos de qualificação e não repercutem sobre as normas da LRF.
Fonte: Conjur