Fim da guerra fiscal nas mãos do STF – 19/10/2010

O quorum de votação no Confaz para aprovação de normas de concessão de incentivo fiscal é unânime
Encontra-se em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) uma das mais relevantes causas em matéria tributária dos últimos anos.
Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 198.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental debate a validade do quórum unânime de deliberação no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) imposto pela Lei Complementar 24/75.
Melhor explicando, a Constituição Federal determina que todas as deliberações dos estados que tratem de isenção, benefícios ou incentivos fiscais, em matéria de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, tributo estadual – nota do editor], devem obedecer ao rito estabelecido em lei complementar, função atualmente exercida pela Lei Complementar 24/75.
A referida norma prevê como requisito de validade das referidas deliberações estaduais que elas antes sejam aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, órgão que é formado pelos secretários de Fazenda dos estados e do Distrito Federal.
Acontece que o quórum de votação no Confaz para aprovação de normas de concessão de incentivo fiscal é unânime, ou seja, nenhuma concessão de benefício é admitida senão a unanimidade.
Ou todos os estados e o Distrito Federal concordam, ou prevalece a rejeição da norma concessiva do benefício.
Ou seja, prevalece à vontade da minoria, quiçá o veto de um único estado.
Não há democracia no Confaz, apesar de o Princípio Democrático ser consagrado na Constituição Federal e ser o informador de toda a estrutura de poder no Brasil.
Diante da imposição da unanimidade nas votações, tornou-se uma prática comum no Brasil a concessão de benefícios fiscais à margem do Confaz.
Quase todos os estados, se não todos, possuem normas de incentivo ao setor produtivo que foram implementadas sem a aprovação do Confaz e, consequentemente, ao arrepio da Constituição Federal.
A tal prática se convencionou nominar Guerra Fiscal.
O que se pede na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é que o Supremo Tribunal Federal afaste a necessidade do prévio consentimento unânime do Confaz na edição de benefícios fiscais, conforme parágrafo 2º do artigo 2º da Lei Complementar 24/75.
Julgado procedente o pedido pelo Supremo Tribunal Federal, a aprovação de benefícios no Confaz se submeterá ao quórum simples, ou seja, 50% mais um.
Com a adoção desse quórum, alterar-se-ia toda a sistemática atual para edição de benefícios no Brasil e, provavelmente, por-se-ia fim à Guerra Fiscal, pois seria possível o debate entre os estados e a aprovação de todas as normas que visem ao desenvolvimento regional.
A verdade é que a Guerra Fiscal é fruto da reação dos estados aos vetos, muitas vezes injustificados, e às normas que visam ao incremento da atividade empresarial local, principalmente nos estados mais pobres da federação que buscavam conceder incentivos fiscais ao setor produtivo para atraí-lo ao seu território.
Parece insólito dar tanta importância a uma demanda que discute a validade de uma norma vigente há mais de 30 anos, mas a realidade é que esta discussão já deveria ter sido travada há muito tempo, pois os argumentos apresentados na Arguição nos parecem irrefutáveis.
Tendo a Constituição Federal de 1988 consagrado a democracia, não podemos admitir que continue válida tão flagrante ofensa a essa determinação.
O julgamento de procedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e a consequente queda do quórum unânime de deliberações no Conselho Nacional de Política Fazendária importaria numa verdadeira reforma fiscal no Brasil, pois toda a legislação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços seria fatalmente revista mediante intenso debate entre os estados.
Essas unidades da federação, nesse caso, seriam obrigadas a analisar profundamente o sistema tributário para uma negociação ampla nas votações vindouras, e não mais simplesmente exercer o atual direito de veto.
O Brasil, por conta deste sistema arcaico e ineficaz, possui uma legislação tributária desarmônica, que impede a livre circulação dos bens de produção e assim prejudica o crescimento integrado da economia.
A título de comparação, a legislação tributária dos diversos países integrantes da União Europeia é mais harmonizada do que a legislação tributária dos estados que compõem o nosso país.
Em outras palavras, na Europa, Estados soberanos conseguiram conciliar seus interesses e editar normas tributárias que possibilitem a circulação dos bens de produção, e nós não temos isto dentro do nosso próprio país.
Ouso atribuir boa parte da culpa de tal mazela à resistência injustificada dos estados mais desenvolvidos a colaborar com o desenvolvimento econômico das regiões mais pobres do País.
Os estados mais desenvolvidos fazem essa resistência com o uso desenfreado do absurdo direito de veto nas deliberações do Conselho Nacional de Política Fazendária e gerando, por conseguinte, a edição inconstitucional de diversos regimes especiais de tributação, prática atualmente utilizada por quase todos estados da Federação.
Logo, pode se afirmar que a Guerra Fiscal é fruto da falência da democracia no Conselho Nacional de Política Fazendária.
Essa democracia, no entanto, pode ser restabelecida pela Suprema Corte no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 198, o que certamente seria salutar para o nosso país.
Jacques Veloso
Fonte: DCI – SP