Decisões da Justiça e do Carf beneficiam atletas – 18/02/2016

O jogador Neymar poderá enfrentar uma dura disputa na esfera administrativa contra a autuação milionária aplicada pela Receita Federal. Se levar seu caso ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), reaberto após a Operação Zelotes, encontrará um campo mais favorável ao Fisco, segundo advogados. Porém, contará com precedentes importantes nas esferas administrativa e judicial – casos envolvendo atletas e artistas.

Muitos profissionais foram autuados pela Receita Federal desde 2003. De acordo com o órgão, pelo menos 405 atletas e artistas foram multados, em um valor total que supera meio bilhão de reais. Os casos incluem acusações de criação de empresas fictícias para o recebimento de serviços prestados e direitos de imagem. Entre eles, está o de Neymar, que ainda enfrenta processo criminal por sonegação fiscal e falsidade ideológica.

Por ora, o processo está suspenso, devido a uma liminar obtida pelo atleta. E só poderá voltar a tramitar se Neymar perder a disputa na esfera administrativa – que termina no Carf.

No caso de Neymar, o Ministério Público Federal (MPF) afirma que as empresas NR Sport & Marketing, N& N Consultoria Esportiva e N&N Administração de Bens – desde 2013 em um prédio de três andares na principal avenida de Santos (SP) – teriam sido criadas apenas para que o jogador fosse remunerado pelo Santos Futebol Clube e pela transferência para o para o Barcelona, pagando menos tributos. CFO da NR Sport & Marketing desde 2010, Altamiro Bezerra, diz, porém, que a empresa foi aberta para Neymar receber do Santos Futebol Clube pelo direito de imagem. O primeiro contrato do atleta com o clube exigiu a constituição de uma empresa.

O advogado Davi Tangerino, do Trench Rossi & Watanabe, que representa Neymar no processo, conseguiu a liminar favorável ao jogador com base na Súmula Vinculante nº 24, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela determina que, somente após o lançamento definitivo do tributo, pode ser tipificado crime contra a ordem tributária. Ele alega ainda que a Receita não descontou os tributos pagos pela pessoa jurídica. Só isso reduziria o valor a ser cobrado para 20%, nem R$ 50 milhões.

O Ministério Público, porém, tenta derrubar a liminar com base em outra decisão do STF, que afasta a aplicação da súmula se há outra acusação, além de crime contra a ordem tributária. No caso do jogador, falsidade ideológica.

As chamadas “empresas de fachada” ou “de papel” são um dos focos da fiscalização, segundo o chefe substituto da Divisão de Acompanhamento dos Maiores Contribuintes (Dimac) da Receita Federal em São Paulo, Fábio Paes Maccacchero. São estruturas sem atividade e, muitas vezes, nem estrutura física, abertas apenas para reduzir a carga tributária.

Enquanto a pessoa física paga 27,5% de Imposto de Renda, a pessoa jurídica paga a metade. “São criadas, muitas vezes, apenas para mascarar o pagamento de salários”, diz Maccacchero, acrescentando que, por meio de pessoas jurídicas, as fontes pagadoras tentam escapar das contribuições previdenciárias.

Quando constata suposta fraude, como no processo de Neymar, a Receita aplica multa dobrada, que sobe de 75% para 150% sobre o tributo devido e gera autuações milionárias. Nesses casos, o primeiro caminho é quase sempre a esfera administrativa. As decisões do Carf em casos anteriores a 2005 são, em sua maioria, desfavoráveis aos contribuintes – entre eles os apresentadores Angélica e Ratinho e o técnico Luiz Felipe Scolari.

Em muitas situações, tentou-se a aplicação retroativa da Lei nº 11.196, de 2005, que permite a abertura de pessoa jurídica para o recebimento de remuneração por prestação de serviços intelectuais, mesmo em caráter personalíssimo, como é o caso da cessão de direitos de imagem para eventos e propagandas. O Carf, porém, tem negado os pedidos.

Mas há na esfera administrativa dois importantes precedentes, segundo o advogado Vanderlei de Souza Júnior, do Nunes & Sawaya Advogados. Um deles foi obtido pela atriz Nathalia Timberg e valeria para processos anteriores e posteriores a 2005, diz o advogado.

Os conselheiros da 1ª Câmara da 2ª Turma Ordinária da 2ª Seção do Carf entenderam que a edição da Lei nº 12.441, de 2011, que cria a empresa individual de responsabilidade limitada, reforça a possibilidade de abertura de empresa para receber remuneração por cessão de direitos de imagem.

Na decisão, o relator Christian Nunes Campos diz que, se é possível transferir direitos autorais para empresa individual, com muito mais razão é permitido transmiti-los para uma sociedade simples, empresária, comercial ou civil de profissão regulamentada.

Em outra decisão, o Esporte Clube Vitória conseguiu afastar autuação por não recolher contribuições previdenciárias sobre pagamento feitos a equipe técnica, entre 2008 e 2009. Os conselheiros da 4ª Câmara da 3ª Turma Ordinária da 2ª Seção entenderam que os serviços eram de natureza intelectual, “possuindo previsão expressa acerca da possibilidade de sua prestação por meio de pessoas jurídicas”, conforme dispõe o artigo 129 da Lei nº 11.196.

No Judiciário, há decisões favoráveis ao jogador Leo Moura e o jornalista Ricardo Boechat. Foram concedidas pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região. O atleta obteve liminar proferida pela magistrada Karina de Oliveira e Silva.

Não se vislumbra a ocorrência de simulação, uma vez que a pessoa jurídica tratada nos autos tem por objeto atividade lícita, não cabendo questionamento quanto à natureza personalíssima dos serviços, visto que não há expressa proibição legal nesse sentido”, afirma. “Somente serão tributáveis na pessoa física aqueles rendimentos provenientes de prestação de serviços de natureza personalíssima, cujo fato gerador tenha ocorrido antes da vigência da Lei nº 11.196, de 2005.”

No caso Boechat, o relator, desembargador Ricardo Pelingero, também se baseou na Lei nº 11.196 e a aplicou retroativamente. Para o advogado Robert Alda, do escritório Alda e Cortês Advogados Associados, que representou o jornalista no processo, o problema é que a Receita Federal ignorava essa lei. “Tanto que, no ano passado, o governo federal tentou triplicar a base de cálculo do IR para essas empresas, na sua maioria tributadas pelo lucro presumido, por meio da Medida Provisória nº 690.”

“O contribuinte tem liberdade de conduzir seus negócios, inclusive de maneira a economizar tributos, se isso for feito de forma legal”, afirma o advogado tributarista, que atua no Carf, Fábio Calcini, do Brasil Salomão & Matthes Advocacia. “Isso, porém, só não pode ser feito de forma simulada. A estrutura tem que ser realmente empresarial”, acrescenta.

Fonte: Valor Econômico
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