REFORMA TRIBUTÁRIA SOB A PERSPECTIVA DOS IMPACTOS NO AGRONEGÓCIO

Responsável por 24,8% do último PIB nacional, pelo superávit da balança comercial e por pelo menos 30% dos empregos gerados no Brasil, o agronegócio é uma das principais molas propulsoras de desenvolvimento econômico nacional, embora tenha experimentado, nos últimos meses, um clima de apreensão e incerteza diante da Reforma Tributária que está em vias de ser aprovada.

Ainda que a promessa seja a simplificação do sistema tributário no Brasil, que, sem dúvidas, é um dos mais complexos do mundo e suplica por alterações, referida reforma, permeada de especulações e temas nebulosos, tem tirado o sono do produtor rural.

Considerando-se que o setor agropecuário é tributado em toda a cadeia produtiva, desde a compra de sementes, defensivos, insumos, equipamentos, combustíveis, escoamento da produção, exportações, e tributos decorrentes da legislação trabalhista, é inegável que o Agronegócio está entre os setores da economia que sofrerá importantes impactos com a aprovação da Reforma Tributária.

Depois de décadas de discussão, finalmente, a primeira fase da Proposta de Emenda Constitucional 45/2019 foi aprovada em julho deste ano e a expectativa, segundo o Presidente do Senado Rodrigo Pacheco, é que o texto seja votado pelo Plenário ainda neste mês de outubro. Concluída esta fase, o texto será votado em última instância no Legislativo, antes de tramitar para a sanção presidencial.

Mas o que de fato muda com a Reforma Tributária e como ela impactará o agronegócio de forma positiva ou negativa?

Inicialmente, convém esclarecer que a PEC 45/2019 prevê a extinção de cinco impostos: PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS, sendo os três primeiros federais, um estadual e um municipal, respectivamente.

Por conseguinte, em substituição aos impostos que serão extintos, prevê a criação de três novos tributos, por meio da instituição de um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA-Dual), com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Imposto Seletivo (IS).

No regime atual, o Agronegócio é tributado pelo ICMS e PIS/COFINS, embora o setor receba diversos incentivos fiscais por meio de alíquotas reduzidas, isenções e concessão de créditos, por determinação da própria Constituição Federal e em razão das peculiaridades da atividade que envolve a produção de bens essenciais ao ser humano, como os alimentos.

Na sistemática da PEC 45/2019, há previsão de um regime diferenciado para o agronegócio que consiste na criação, por meio de lei complementar, de uma Cesta Básica Nacional e a intenção de zerar o imposto que incide sobre os produtos essenciais que a compõe. Desta forma, hortícolas, frutas e ovos terão uma redução de 100% da alíquota do IVA (CBS e IBS).

Ainda em relação ao IBS e CBS, há previsão de uma alíquota reduzida em 60% para alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal. A mesma alíquota seria aplicável às operações envolvendo insumos agropecuários, produtos agropecuários, pesqueiros, aquícolas, florestais e extrativistas vegetais in natura (produção típica rural sem qualquer tipo de processamento e industrialização).

Um dos pontos mais inquietantes da Reforma Tributária é a ausência de uma alíquota definida para o IVA, devendo estar ser instituída por meio de lei complementar posterior à aprovação. Ressalta-se, ainda, o receio de que a alíquota do IVA brasileiro seja uma das maiores do mundo, superando países como Hungria, Noruega, Dinamarca e Suécia.

Considerando todos os regimes diferenciados, isenções e benefícios do texto base da PEC 45/2019, aprovados pela Câmara dos Deputados, um estudo realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) aponta para um cenário cuja alíquota para tributar bens e serviços pode chegar a 28,4%, haja vista que, quanto mais exceções forem concedidas, maior será a alíquota para aqueles que não se enquadram nos regimes de exceções.

Projeção que coaduna com o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) que, no último dia 28/09, confirmou o cálculo do Ministério da Fazenda, que aponta que a alíquota padrão do IVA deve ficar entre 20,73% e 27%.

Outro ponto que merece atenção do produtor rural é o Imposto Seletivo, denominado “Imposto do Pecado”, em alusão ao “Sin Tax”, cujo propósito é regulatório e visa desestimular produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O Imposto Seletivo tributará bebidas alcóolicas, cigarros, alimentos com excesso de açúcar e sal e produtos que apresentam riscos sanitários e ambientais, sempre com a ressalva que a implementação depende de lei complementar.

Embora a proposta pareça interessante sob o ponto de vista de um olhar mais cuidadoso para a saúde e o meio ambiente, não se ignora a apreensão de que um “imposto do pecado” federal possa incidir sobre uma infinidade de produtos, a fim de justificar a pretensão arrecadatória para suprir as necessidades de governos que não têm limites de gastos.

Ao que tudo indica, defensivos e fertilizantes agrícolas foram excluídos do Imposto Seletivo, mas sujeitos ao IVA, com redução de 60% da alíquota, por serem considerados insumos agropecuários. No entanto, ainda não é possível afirmar com segurança quais os produtos poderão ser atingidos pelo “imposto do pecado”.

Outro aspecto do texto que atinge diretamente o agronegócio diz respeito ao regime diferenciado de tributação, já que os produtores rurais pessoa física que tenham receita anual inferior a R$ 3,6 milhões ou produtores integrados poderão optar por serem ou não contribuintes do IBS e da CBS, de tal maneira que os adquirentes de produtos destes produtores poderão ter crédito presumido destes impostos.

Também se apresenta como preocupação do setor o eventual acúmulo de créditos dos tributos e de que forma o Conselho Federativo e os entes políticos irão promover a devolução destes valores “represados”. É importante ressaltar que um dos alicerces da reforma é o critério da não cumulatividade para viabilizar a neutralidade tributária e, originalmente, o IBS e a CBS não são cumulativos, cabendo à lei complementar definir as hipóteses de aproveitamento do crédito, forma e prazo de ressarcimento, após a verificação do efetivo recolhimento do imposto.

Fato é que empresas do agronegócio costumam acumular muitos créditos e a proposta não apresenta uma forma clara de compensação de créditos fiscais após a extinção do PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS, não restando outra solução senão a judicialização da demanda.

Por outro lado, visando evitar a guerra fiscal entre os estados, um dos pontos da reforma que pode, de certa forma, beneficiar o agronegócio é a mudança do local de cobrança do imposto. A cobrança ocorrerá no destino (local do consumo do bem ou serviço), e não mais na origem, como ocorre atualmente, propiciando a desoneração de exportações e investimentos.

A Reforma Tributária também prevê alterações no IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos automotores) e a cobrança para veículos aquáticos e aéreos, além de aplicação de alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, do uso e do impacto ambiental do veículo. Mas, mesmo com as mudanças previstas no texto, aeronaves, tratores, maquinários agrícolas e barcos de pesca permanecerão isentos do IPVA.

Por fim, apesar de alguns benefícios fiscais para o setor, infere-se que há um aumento projetado na carga tributária sobre o setor de serviços que, inevitavelmente, refletirá no agronegócio, ainda que de maneira indireta, acarretando ainda mais preocupações para o produtor rural que já enfrenta desafios como a elevada taxa de juros para concessão de crédito, além da queda no preço da arroba do boi, soja e milho.

Apesar do cenário de incerteza, os produtores rurais que estiverem bem assistidos por profissionais especializados em Direito Tributário e Agronegócio, por meio de planejamento e consultoria tributários eficientes, além de atuação contenciosa assertiva, certamente conseguirão minorar os impactos tributários da reforma, reduzir prejuízos e, consequentemente aumentar o lucro.

Com sólida experiência na área, a Jorge Gomes Advogados desenvolve papel crucial na defesa dos interesses do produtor rural e na conformidade da legislação tributária aplicável ao agronegócio, e estamos à disposição para esclarecimentos sobre a Reforma Tributária e os impactos que ela provocará no setor.

GIOVANNA MATIAS DE SOUZA TREVISAN é advogada na Jorge Gomes Advogados, bacharel em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente e pós-graduanda em direito tributário pelo IBET.