REFORMA TRIBUTÁRIA PARA QUANDO E PARA QUEM?

O pintor norte americano conhecido como Jackson Pollock, que marcou o expressionismo abstrato no fim da primeira, início da segunda metade do século passado, utilizava-se de uma técnica muito interessante na execução da pintura de seus quadros, o que ficou conhecido como “Drip painting” e “pintura de ação” na qual o artista jogava as gotas de tinta caírem sob a tela e estas já sob influência da superfície e da gravidade tomava conta da formação dos traços e delineamentos da pintura, e uma outra característica de Pollock é que ele estendia suas telas no chão e ao fazer suas intervenções sentia-se dentro do quadro, como se fosse integrado à sua arte.

Parece-me que a forma de expressão de Pollock aproxima-se com os desafios de pintar o quadro “Reforma Tributária”, o que demandaria de seus “artistas” duas grandes habilidades, a primeira de entender que depois de gotejadas as cores de tinta sob a tela, diversas forças agiriam sob os caminhos e contornos que os desenhos sob a tela percorreriam até tomar sua forma final. A segunda seria de entrar na tela, fazer parte do processo, compreender todos os desenhos que já existem e que fazem do sistema atual complexo, disfuncional, custoso e regressivo. Entender as disfuncionalidades da tributação sobre o consumo no Brasil nos permitiria, na elaboração de um novo quadro, visualizar novas formas e desenhos conformados em uma atitude altamente reflexiva para enxergar nas inconsistências passadas a forma de construção de um novo modelo.

O relatório do Grupo de Trabalho apresentado nos últimos dias, de certa forma, dá conta das inconsistências, da desarmonia e inseguranças do atual sistema tributário como também se mostrou sensível diante dos impactos na sociedade nos âmbitos social, político, econômico e jurídico; de outra ponta apresenta um verdadeiro memorando de intenções sem, contudo, trazer de forma efetiva qual será o desenho final.

A grande pergunta que deve ser respondida em busca de consenso seria “Reforma tributária para quem?”. Não se pode esquecer que ao fim e ao cabo, o grande responsável pela manutenção do sistema é a pessoa humana que acaba por sentir o peso e o impacto de todas as mazelas do alto custo da carga tributária; dos elevados dispêndios na arrecadação e cobrança por parte dos fiscos; os custos de conformidade suportados pelos agentes econômicos que são diretamente repassados nos preços. Uma reforma tributária que não esteja extremamente atenta, comprometida e engajada na formulação de propostas que atendam aos ideais de manutenção da carga tributária (não somente em linhas gerais, mas com preocupações de alterações setoriais); a criação de um sistema menos regressivo com maior inclusão e melhor distribuição da carga de forma a respeitar a capacidade contributiva das classes sociais; um sistema mais simples, transparente e menos oneroso; tenderá ao insucesso.

Sob o ponto de vista político há grandes preocupações no sentido de manter a higidez do pacto federativo e a autonomia dos entes políticos, que pode ser afetado com o modelo de IVA único e alíquotas fixas; há também preocupações no que toca a perda de arrecadação e como o novo sistema se adequará, seja na formação de fundos e câmaras de compensação, seja num modular sistema de transição.

Também o mercado, as empresas, os agentes econômicos cada qual em seu espectro reclamam e aguardam. Agora, cabe uma outra pergunta: Reforma tributária para quando? Espera-se uma reforma estruturante há pelo menos 30 anos, que não veio. Avizinha-se a aprovação de uma proposta que a despeito de enviar uma mensagem ao mercado de que há um compromisso (a depende de ser aprovada) de se promover uma reforma tributária, entretanto, não se pode deixar de destacar que toda e qualquer alteração em âmbito constitucional leva tempo (muito tempo) e será um desafio que o texto constitucional da reforma seja finalizado até o final do ano de 2023, que ainda demandará a movimentação do Congresso a elaboração de uma Lei Complementar a definir os contornos e extensões definidas do novo imposto (o que levará mais tempo e embates), além dos prazos de transição para adaptações do novo modelo, que segundo as propostas, somente se encerraria em 2073. Nesse aspecto, seria essa a resposta temporal a ser dada o sistema econômico? Parece-nos que não. A coexistência de dois modelos desde o caótico sistema atual a um promissor e moderno “IVA” reclamará, ainda, uma adesão de todos os envolvidos (sociedade civil, governos, entidades representativas de setores) na busca por simplificação e redução das complexidades do atual sistema, mesmo sem antes a implantação integral e períodos de transição no novel sistema.

Como então garantir essa reflexividade? Como criar um novo modelo, que aprenda com o anterior? Como garantir que expectativas possam ser projetadas para o futuro sem a descrença das debilidades atuais, mas com a esperança de solucionar problemas que hoje impedem crescimento econômico, solapam relações institucionais e agravam desigualdades sociais?

O sistema jurídico é uma “máquina histórica”. Na medida que novas projeções e produção jurídica que se opera o faz ancorada em comunicação anterior e existente no momento em que se gera nova comunicação jurídica voltada para o futuro. Essa “máquina” do direito, por mais que opere por suas próprias estruturas é altamente acionada por influências da sociedade em seus espectros social, econômico e político; portanto, ao mesmo tempo que opera sob uma lógica própria é altamente sensível às demandas externas. Eis aí o grande alerta o sistema jurídico ao atender as irritações externas deverá estabelecer as novas projeções e construções jurídicas de um novo modelo normativo de tributação sem se “esquecer” de suas condições e estruturas internas, nesse ponto o texto a ser aprovado e publicado sob a reforma tributária após o devido debate político, social e econômico projetará sob o sistema jurídico a missão de garantir que se mantenha fiel às expectativas nele escoradas.

O sistema jurídico, em sua dinâmica, é que deverá atuar e ser irritado para garantir que as conquistas constitucionais de outrora se projetem e orientem os novos caminhos de uma nova tributação sobre o consumo que respeite a pessoa humana; reforce as relações institucionais das pessoas políticas e viabilize condições de mercado, de desenvolvimento econômico e sustentável, pois ainda que se aprove qualquer modelo, seus efeitos se projetarão para o futuro com longos prazos de transição, portanto, a Reforma Tributária deveria ser um projeto Republicano e de Estado voltado para a pessoa e atento aos caprichos do tempo.

JOSÉ MAURO DE OLIVEIRA JUNIOR é advogado-sócio da Jorge Gomes Advogados, bacharel em direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente, mestre em direito tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), doutorando em filosofia do direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), e professor dos cursos de pós-graduação e mestrado em direito tributário do Instituto Brasileiro de Estudos tributários (IBET).