O mundo vive uma onda de cortes na tributação das empresas, que deixa o Brasil cada vez mais isolado no reduzido clube que recolhe alíquotas próximas de 35% sobre o lucro corporativo. Ao lado da Índia, o País está no topo do ranking entre os países do G-20 e do Brics. Com a Venezuela, lidera entre as maiores economias da América Latina.
A disparidade se acentuou no mês passado com a aprovação de reformas tributárias nos EUA e na Argentina. A maior economia do mundo reduziu o Imposto de Renda (IR) das empresas de 35% para 21%. O vizinho e principal sócio do Brasil no Mercosul aprovou corte gradual, que levará a alíquota de 35%, em 2017, para 25% até 2020. A elevada tributação reduz a competitividade de companhias brasileiras e diminui a atratividade do País para investimentos estrangeiros diretos, em um cenário de concorrência global por capital.
O presidente Donald Trump usou sua presença no Fórum Econômico Mundial de Davos para vender sua reforma tributária e dizer que os EUA “estão abertos” a negócios. “Nunca houve um melhor momento para contratar, construir, investir e crescer nos Estados Unidos.”
Levantamento realizado pela Ernst & Young para a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) revelou que a tendência vai além de EUA e Argentina. Desde 2015, pelo menos mais oito países cortaram alíquotas corporativas: Bélgica, Espanha, França, Itália, Irlanda, Japão, Noruega e Reino Unido. A Holanda apresentou projeto nesse sentido em outubro.
“Ficou muito mais atraente investir nos Estados Unidos do que no Brasil”, disse Marco Stefanini, presidente da Stefanini, multinacional brasileira da área de Tecnologia da Informação que está presente em 40 países. Segundo ele, o governo norte-americano não apenas diminuiu a alíquota do IR como criou incentivos adicionais ao investimento. Entre eles está a dedução total e imediata de despesas com a aquisição de bens de capital e ativos intangíveis.
Stefanini disse que sua intenção é reduzir cada vez mais a fatia de seus negócios no Brasil, que hoje representa 50% da operação global da empresa. Dos R$ 200 milhões que o grupo planeja investir neste ano, 70% serão destinados a outros países. Os EUA, que respondem por 20% das atividades da Stefanini, serão um dos principais focos. “Na questão dos impostos, o Brasil está na contramão.”
A média da alíquota corporativa nos 35 países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) passou de 32%, no ano 2000, para atuais 24%, mostrou o estudo. “Quando o mundo caminha para alíquotas mais baixas e o Brasil se mantém em 34%, o País reduz sua atratividade para o capital produtivo”, disse Gustavo Carmona, diretor executivo de Tributação Internacional da Ernst & Young e autor do estudo.
Análise de 202 países feita pela Tax Foundation em 2017 indicou que a média da alíquota corporativa era de 23%. Dos 202 países, 167 – o equivalente a 83% – cobravam percentuais inferiores a 30%. Apenas 35 países cobraram 30% ou mais. Esse grupo diminuiu depois dos cortes nos EUA, Argentina e França. Com eles, o Brasil passou do 15º para o 12º lugar entre os que mais cobram impostos de suas empresas.
A elevada tributação não impediu que o País continuasse entre os principais destinos de investimento estrangeiro direto. Mas os cortes nos EUA e na Argentina podem alterar o cenário no longo prazo. Carmona lembrou que as mudanças terão efeito a partir deste ano. “Uma multinacional poderá escolher entre investir no Brasil, e pagar alíquota de 34%, ou na Argentina, que terá 25% a partir de 2020, e exportar de lá para o Brasil.”
“Nós levamos um susto. Não sabíamos que a situação era tão crítica”, disse o diretor de desenvolvimento industrial da CNI, Carlos Abijaodi. “Não estamos dizendo que, da noite para o dia, o investimento estrangeiro no Brasil vá desaparecer, mas estamos alertando para uma situação que nos levará a uma trajetória de declínio.”
Reforma tributária precisa avançar, dizem empresários
Diretora executiva da seção norte-americana do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos, Cassia Carvalho disse que os 100 associados da entidade têm manifestado preocupação com a perda de competitividade do Brasil e sinalizado a intenção de priorizar investimentos no território norte-americano, especialmente depois do corte do Imposto de Renda corporativo de 35% para 21%, aprovado em dezembro. “É por isso que a reforma e a simplificação tributária no Brasil são importantíssimas”, afirmou. “Essa agenda tem de avançar. Do contrário, ficaremos cada vez mais para trás.” O conselho reúne as multinacionais norte-americanas que têm investimentos no Brasil.
Cassia disse ter esperança de que o Congresso aprove pelo menos medidas pontuais de simplificação antes de março, entre as quais a relativa ao PIS/Cofins. João Manoel Pinho de Mello, secretário de Produtividade do Ministério da Fazenda, ponderou que a frágil situação fiscal do Brasil inviabiliza uma discussão sobre corte de impostos no curto prazo. “Com o País entrando em uma rota de crescimento e conseguindo aprovar a reforma previdenciária, será natural pensar em uma reforma tributária”, observou.
“A questão é a competitividade”, disse Dan Ioschpe, presidente do Fórum de Empresas Transnacionais Brasileiras. “A tributação é tratada como um fator de custo ao redor do mundo.” Segundo ele, a subsidiária de uma empresa brasileira nos EUA terá dificuldade em concorrer com outras instaladas no País, porque terá de pagar parte da diferença entre a nova alíquota de 21% e os 34% exigidos no Brasil. “Ou ela acha outra maneira de reduzir o custo, o que é difícil, ou vai perder mercado.”
Os EUA também tributavam o lucro obtido no exterior por suas empresas, mas só no momento em que ele era internalizado. Isso levou companhias norte-americanas a acumularem estimados US$ 2,6 trilhões em lucro fora das fronteiras do país. No dia 17, a Apple anunciou que levará para os EUA os recursos que mantém no exterior, pelos quais pagará impostos de US$ 38 bilhões. Isso corresponde a um total de US$ 252,3 bilhões, o maior volume mantido por uma companhia norte-americana fora do país.
Movimento é guerra fiscal em escala global, diz Fazenda
A redução do imposto corporativo em vários países é semelhante a uma guerra fiscal em escala global e poderá estimular empresas brasileiras a transferir seu domicílio fiscal para o exterior, o que provocaria erosão da base de tributação, com impacto negativo sobre as contas públicas, avaliou João Manoel Pinho de Mello, secretário de Produtividade do Ministério da Fazenda.
“Isso é preocupante”, afirmou, ressaltando que a Receita Federal teria mecanismos para “ir atrás” desses lucros. Ainda assim, o cenário criaria insegurança jurídica e aumento da litigiosidade, com impacto sobre a produtividade. Mello lembrou que, no ano passado, a JBS tentou transferir sua sede para a Irlanda, onde o Imposto de Renda (IR) é de 12,5%, mas o movimento foi barrado pelo Bndes, que tem 21% do capital da companhia.
Dan Ioschpe, presidente do Fórum de Empresas Transnacionais Brasileiras, também acredita que o corte de tributos nos EUA e na Argentina vai estimular empresas a mudar para outros países, ainda que a atividade produtiva seja mantida no Brasil. “Se não ajustarmos a tributação com alguma velocidade, as empresas ou não se internacionalizarão, por não serem competitivas, ou terão de transferir seu domicílio para outros países, com o objetivo de se manterem competitivas.”
Além de enfrentarem alíquotas mais elevadas que a maioria de seus concorrentes, as empresas brasileiras com subsidiárias nos EUA não serão totalmente beneficiadas pelo corte do IR para 21% aprovado em dezembro. Isso porque o Brasil não adota o princípio da territorialidade na tributação do lucro de filiais no exterior e exige a diferença entre o que foi recolhido por elas e a alíquota de 34% vigente no País.
As companhias têm benefícios que reduzem o valor final a ser pago, entre eles crédito fiscal de 9% e possibilidade de parcelamento do tributo. Mas as vantagens não são dadas a investimentos em países que cobram menos de 20% de IR corporativo, disse Gustavo Carmona, da Ernst & Young.
Fonte: Jornal do Comércio