MÉTODOS ALTERNATIVOS NA SOLUÇÃO DE LITÍGIOS FISCAIS

No ato de refletir sobre problemáticas sociais, políticas e demais sistemas que compõem a cidadania, não é surpresa que as soluções ou tentativas de resolução dos conflitos sejam perseguidas em meio a institutos já existentes, de forma que se pode considerar a ordem geral como autossuficiente. Tal comportamento encontra-se presente na seara tributária, de modo que a presente oportunidade cuida, tão somente, sobre a apresentação de propostas diversas em estágios distintos de desenvolvimento, a transação, já consolidada no sistema tributário por meio da Lei nº 13.988/2020, e a arbitragem – ainda carente no que tange à legitimação legislativa no sistema em tela. Ao passo que futuros trabalhos podem organizar-se de modo a analisar, com maior preocupação sobre as minúcias dos institutos mencionados, bem como outros que se revelem pertinentes.

A autoprodução referida não alude tão somente à adequação de normas como poderá ser observado adiante, mas também à reinterpretação de valores, empregando-lhes sentido diverso ou complementar à pretensão originária. Ora, se o acesso à justiça antes era tido como a capacidade do indivíduo valer-se da tutela jurisdicional do Estado – Poder Judiciário – e de seus respectivos meios processuais para a satisfação de seus direitos, têm-se em ótica atual que o referido princípio norteia a efetiva satisfação do direito utilizando-se dos meios mais adequados à lide apresentada. No entendimento de Antoine Laurent de Lavoisier “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, no que pese o químico francês referir-se diretamente à processos físicos e químicos do meio natural, os sistemas sociais, políticos e, sobretudo, o jurídico, em relação à matéria seguinte, operam-se em mesmo sentido.

As engrenagens do Poder Judiciário continuam a operar ainda que morosa e custosamente, ocasionando frustração quanto à ágil pretensão ou necessidade de solucionar o conflito e fazê-lo sem o elevado valor de custas, na devida ordem. Nesta toada, o quadro geral possui os contornos da alta litigiosidade, demandas repetitivas que necessitam de isonomia e a marcha lenta do contencioso judicial tributário.

Retomando o princípio norteador das normas, nota-se o aumento de propostas para a efetivação do acesso à justiça. Nesse sentido, métodos consensuais são apresentados como alternativas, estratégias da organização judicial e meio adequado para o tratamento célere e uniforme dos litígios fiscais.

É preferível, em momento anterior à abordagem dos métodos alternativos mencionados, traçar os condões do negócio jurídico processual (doravante, NJP). Sendo dispositivo admitido na seara tributária, não deve ser confundido com o instituto da transação. Regulado pela Portaria n° 742/2018 da PGFN, é vedada a negociação de NJP que diminua o montante de crédito tributário, ou seja, tornam-se infundadas quaisquer tratativas que confiram descontos ou impliquem em renúncia à direitos e deveres da relação obrigacional tributária. Em breve síntese, o dispositivo em tela permite que as partes negociem acerca de elementos do processo, primando pela cooperação e lealdade processual das mesmas, ao passo que as estipulações devam proporcionar flexibilidade ao procedimento judicial. Assim, na contenda dos exemplos, são admitidas renúncias à recursos, definição consensual de bens eventualmente penhorados ou de perito, calendarização da ação de execução fiscal, emissão de Certidão Negativa de Débitos, dentre outras possibilidades.

Uma das propostas apresentadas e implementadas recebe o nome de transação, conferindo em seus efeitos a extinção do crédito tributário por meio da remissão do tributo, anistia de aditamentos originários em mora ou o próprio pagamento do crédito, inclusive tais categorias de transação podem ocorrer de forma parcial ou total. Ademais, o artigo 171 do Código Tributário Nacional institui que nos termos da lei os sujeitos ativo e passivo – Contribuinte e Fazenda – podem realizar a transação mediante concessões mútuas, resultando por exemplo, em prazos especiais de pagamento, redução da dívida, uso de créditos reconhecidos em decisão transitada em julgado, entre outros resultados consensuais. No contexto federal, as disposições sobre transação encontram-se versadas na Lei n° 13.988/2020, sendo cabível então à União e devedores, desde que cumpridos os requisitos e condições positivadas, estipularem transação acerca dos créditos tributários.

À título de exemplificação, o Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal “Litígio Zero” junto à Receita Federal, prevê o desestímulo à discussão dos créditos, os quais serão pagos devidamente conforme descontos e condições especiais presentes na Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1, como o desconto em até 100% do valor de juros e multas, negociação de créditos com valor de até 60 (sessenta) salários mínimos e a utilização de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL.

Inclusive o próprio contribuinte pode ativamente transacionar, isto é, propor transação individual simplificada em relação a débitos em discussão na via administrativa de valores superiores a um milhão de reais e inferiores a dez milhões de reais.

Sobre os exemplos apresentados, se faz mister destacar que os institutos mencionados detêm caráter federal, nesse sentido, ainda existem transações que versem sobre dívidas estaduais e municipais, sendo definidas propriamente segundo as disposições normativas do estado ou município.

Já a arbitragem é conceituada pelo emprego do árbitro, terceiro julgador, que decidirá a controvérsia, atuando em semelhança a um juiz, sendo diferenciado por um rol menor de poderes, mas equiparáveis ao do magistrado, inclusive, a sentença arbitral, instrumento pelo qual o árbitro profere a decisão sobre o conflito de interesses, equivale à decisão proferida por juiz, ou seja, possui os efeitos de uma decisão judicial. Para sua utilização basta que as partes se submetam voluntariamente aos poderes do árbitro ou tribunal arbitral, por meio de cláusula arbitral – mecanismo previsto em contrato entre as partes e prévio à judicialização do conflito, ou seja, a lide sequer necessita de ingresso no Poder Judiciário – ou compromisso arbitral, em que as partes celebram convenção acordando a sujeição da disputa à arbitragem.

Ainda, um mecanismo interessante do instituto consiste na possibilidade de escolha da ritualística sob a qual tramitará o processo, podendo as partes optarem por meio diversos aos contemplados nacionalmente e que serão devidamente reconhecidos e aceitos pela arbitragem.

No entanto, deve-se atentar às discussões legislativas sobre a arbitragem na matéria tributária, ainda que esteja presente em Recomendações e Resoluções do CNJ – tal como, a Recomendação n° 120 de 2021 e a Resolução n° 471 de 2022 -, o instituto carece de formalização própria no âmbito tributário. Abordando a discussão na seara legislativa sob o pretexto do PL 2486/2022 que dispõe sobre a arbitragem tributária e aduaneira, perseguindo a finalidade de prevenir litígios e resolver aqueles já instaurados, sendo aplicável à União, estados e municípios. No mais, o PL 4257/2019 busca a possibilidade de utilização da arbitragem após o exame da controvérsia pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ou seja, após a configuração da dívida ativa, enquanto o PL 4468/2020 almeja propiciar a arbitragem para a análise fática das controvérsias fiscais, como a classificação fiscal e questões de cálculo, de modo que, em determinadas demandas não conheceriam do juiz de direito – togado – mas sim do juiz de fato, este responsável por proferir decisão acerca da controvérsia e suas necessidades específicas, assim, em exemplo, um profissional da área em questão resolveria a demanda na qualidade de árbitro, não sendo necessariamente vinculado ao eixo jurídico.

Por fim, destaca-se que a matéria aludida é digna de apreciação, uma vez que é capaz de propiciar agilidade, custos menores e exame adequado a cada caso apresentado. Em especial a transação mostra-se como meio alternativo satisfatório, permitindo a negociação de dívidas e adesão a regimes especiais de pagamento e descontos.

Ainda que a arbitragem caminhe a passos recentes e sutis no campo tributário, a devida deliberação em sede do Congresso Nacional e positivação dos dispositivos brevemente comentados permitem nova possibilidade de cuidado às celeumas entre Fisco e Contribuinte ao passo do surgimento de nova imediação de análise tanto para as demandas já ajuizadas, quanto para as que não estejam, não só provocando a desobstrução do Poder Judiciário, como também a redução de custos e aumento da agilidade e eficácia ao cuidado das controvérsias, finalidades perseguidas com os métodos alternativos em litígios fiscais.

FILIPE SARAIVA DOS SANTOS é estagiário da Jorge Gomes Advogados e bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente.