Mensalão e julgamentos administrativos – 01/03/2013

No julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o princípio “in dubio pro reo” deve ser aplicado se houver empate no julgamento de questões de direito penal. Com isso, o voto de qualidade não pode ser proferido de forma desfavorável ao acusado, pois o empate representa dúvida do órgão julgador.
Apesar de pertencerem à seara criminal, as conclusões do STF aplicam-se ao direito tributário, pois devem ser observadas por todos os órgãos da Administração Pública dotados de função (atípica) jurisdicional. Nessa linha, por exemplo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que é um órgão vinculado ao Poder Executivo, dotado de competência para resolver conflitos entre o Fisco e os contribuintes sobre temas tributários.
De fato, sem adentrar no mérito da constitucionalidade do voto de qualidade, certo é que ele deve respeitar o artigo. 112 do Código Tributário Nacional (CTN), por meio do qual o direito tributário atrai para si o princípio de direto penal conhecido como “in dubio pro reo”, corolário do princípio da presunção de inocência.
É nesse ponto que o julgamento do mensalão se liga ao direito tributário, pois, naquele caso, o STF decidiu que o acusado deve ser beneficiado pela dúvida, de modo que, se houver empate no julgamento, o voto de minerva não pode ser invocado contrariamente ao contribuinte.
Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) (RMS 24.559) decidiu no sentido de que os julgamentos realizados pela administração pública, sobre penalidades e atividade disciplinar, sujeitam-se aos princípios do processo penal comum, notadamente os arts. 615, parágrafo 1º, e 664, parágrafo único, do CPP, segundo os quais toda decisão colegiada em matéria criminal deve ser tomada por maioria de votos. Se houver empate e o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao acusado.
Ora, segundo o artigo 112 do CTN, a presunção de inocência deve prevalecer também no julgamento de infrações tributárias. Em outras palavras, por imposição do Código Tributário Nacional, norma geral de observância obrigatória por todas as esferas da Administração Pública (art. 146, III, “b”, da CRFB/88), os julgamentos colegiados administrativos sobre infrações de direito tributário devem seguir as diretrizes dos arts. 615, parágrafo 1º, e 664, parágrafo único, do CPP.
Apesar da seara criminal, as conclusões do STF aplicam-se ao direito tributário
Por exemplo, imaginemos um Recurso Voluntário interposto pelo Contribuinte ao Carf, questionando a validade da cobrança de tributos e da multa de ofício de 75% (art. 44, I, da Lei nº 9.430/96), que é cabível “nos casos de falta de pagamento ou recolhimento” de débitos tributários. Nesse caso, pode haver dúvidas sobre a ocorrência da infração, isto é, se o contribuinte praticou ou não um ato ilícito.
Objetivamente, a dúvida, nesse exemplo, ficaria caracterizada se houvesse empate de votos ordinários no seu julgamento, isto é, quando metade dos conselheiros, incluído o presidente do órgão, entendesse ser devida a exigência do tributo e a outra metade concluísse ser indevida essa mesma exigência.
Nessa hipótese, o voto de qualidade do presidente poderia ser proferido e computado, mas apenas para o julgamento da exigência tributária. Por isso, mesmo que a cobrança do tributo fosse mantida em razão do voto de qualidade, deve ser afastada a multa de ofício, diante do empate de votos ordinários, ou seja, por haver dúvida sobre a prática da infração (art. 112 do CTN, arts. 615, parágrafo 1º, e 664, parágrafo único, do CPP, e art. 5º, LVII, da CRFB/88).
Por outro lado, os incisos do art. 112 do CTN deixam claro que a presunção de inocência alcança um sem número de situações, pois deve ser conferido o tratamento mais benéfico aos contribuintes, se houver dúvida sobre qual é a infração legal praticada, quem praticou o ilícito, qual é a penalidade aplicável ou a sua graduação, se existem circunstâncias agravantes (fraude, dolo etc.), dentre outras.
Na prática, inúmeros casos envolvem onerosas exigências tributárias e penalidades pecuniárias nos âmbitos federal, estadual e municipal – temas de deságio, desmutualização da bolsa de valores, planejamento tributário, penalidades aduaneiras, omissão de receitas, responsabilidade de sócios e administradores, guerra fiscal etc. -, nos quais o voto de qualidade é determinante para a manutenção de pesados encargos punitivos sobre os contribuintes.
Por essas razões, sem ignorar a invalidade da utilização do voto de minerva em direito tributário (não analisada neste momento), é imperativa a observância do princípio da presunção de inocência em todos os casos em curso, cuja observância decorre da simples aplicação, pela administração pública, de normas válidas da legislação tributária, isto é, sem que seja declarada a invalidade de disposição legal ou regimental alguma.
Igor Nascimento de Souza e Rafael Fukuji Watanabe são, respectivamente, sócio e advogado do escritório Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados, especializado em advocacia tributária
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Por Igor N. de Souza e Rafael F. Watanabe
Fonte: Valor Econômico