50%, 100%, 150%: A AGENDA DE JULGAMENTOS SOBRE MULTAS TRIBUTÁRIAS DO STF – 27/04/2022

Acompanhando o dia a dia dos tribunais, não é incomum presenciar casos nos quais o valor das multas superam o tributo devido pelo contribuinte. Isso porque é frequente que mais de uma penalidade seja aplicada simultaneamente após uma autuação, com percentuais que podem superar 100%. Exemplo é a multa qualificada, de 150%, aplicada quando há fraude ou sonegação.

Parte dessas multas, entretanto, é alvo de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF). Tramitam na Corte pelo menos seis ações questionando penalidades aplicadas pelo fisco, porém apenas uma conta com previsão de julgamento.

As discussões constam em processos com repercussão geral reconhecida. Isso significa que o resultado a ser tomado pelo Supremo vincula toda a administração pública, e em caso de decisão favorável ao contribuinte, caso não haja modulação, será possível a restituição do valor pago indevidamente com a aplicação das multas.

Dos processos, apenas o RE 796.939 (tema 736 da repercussão geral) tem previsão de julgamento. O caso, por meio do qual os ministros debaterão a regularidade da multa pela não-homologação de pedidos compensação, deve voltar à pauta do STF em 1º de junho. Votou até agora o relator, ministro Edson Fachin, pela inconstitucionalidade da penalidade. Tramita conjuntamente ao caso a ADI 4905, com a mesma temática

A multa discutida nos processos, no patamar de 50%, é aplicada nos casos em que o contribuinte faz um pedido de compensação, porém o requerimento não é homologado. Seria a situação, por exemplo, de uma empresa que possui um crédito tributário advindo do recolhimento a maior de um tributo, e ao invés de pedir a restituição pleiteia a compensação com um valor a recolher. Caso esse pedido não seja autorizado pelo fisco haverá a cobrança da penalidade.

Neste caso, a defesa dos contribuintes tem como base o fato de a multa incidir sobre a simples recusa do fisco, sem a comprovação de que houve má-fé no pedido de compensação. A argumentação foi acolhida pelo relator, que propôs a tese de que “é inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”.

Outro tema relacionado a penalidades na esfera tributária em pauta no STF diz respeito a multas em patamares superiores ao valor do tributo devido pelo contribuinte. A Corte tem pelo menos dois casos sobre o tema pendentes de julgamento: os REs 1.335.293 (tema 1195 da repercussão geral) e 736.090 (tema 863).

O último recurso trata de um tema extremamente polêmico no Direito Tributário: a multa qualificada. A penalidade, com percentual de 150% do tributo devido, é aplicada em casos de sonegação, fraude ou conluio.

Os contribuintes alegam, neste caso, que a penalidade é confiscatória. A Fazenda Nacional, por outro, defende que a gravidade dos delitos cometidos justificariam uma multa em patamar elevado. Não há data para o julgamento do RE.

O assunto é relativamente comum no Carf, que tem derrubado penalidades do tipo. De acordo com levantamento feito pela ferramenta Carf Previsível, do JOTA, no ano passado, pelo menos 73 casos sobre o tema chegaram à instância máxima do conselho, a Câmara Superior, dos quais 52 foram conhecidos.

Nos processos em que foi analisado o mérito, as turmas derrubaram 39 multas qualificadas, mantendo a penalidade em 13 situações.

Ainda na esteira das penalidades vistas como confiscatórias pelos contribuintes, tramita no STF o RE 1.335.293, por meio do qual a Corte decidirá se multas não qualificadas podem ultrapassar 100% do tributo devido.

O caso teve repercussão geral reconhecida em fevereiro. No texto em que constatou a possibilidade de julgamento do tema pelo STF o relator, ministro Luiz Fux, expôs alguns precedentes do Supremo sobre o assunto, que proíbem penalidades superiores ao valor do tributo devido.

É o caso do ARE 1.307.464, julgado em junho de 2021 pela 2ª Turma. Os ministros consideraram regular uma lei de Santa Catarina no percentual de 50% do tributo devido, sob o argumento de que “a jurisprudência do STF orienta no sentido de que o valor da obrigação principal deve funcionar como limitador da norma sancionatória, de modo que, apenas quando o percentual for superior a 100% do quantum do tributo devido, o caráter confiscatório se revela de forma mais evidente”.

Ainda na esteira de casos com repercussão geral reconhecida, tramita no STF o RE 640.452 (tema 487), por meio do qual os ministros discutirão o caráter confiscatório de multas isoladas por descumprimento de obrigação acessória. Não há previsão de análise do caso.

Em petição na qual pede a entrada no caso como amicus curiae, a Associação Comercial do Rio de Janeiro alerta que neste caso o debate deve ir além da discussão sobre a alíquota da penalidade. Para a entidade é preciso analisar também a base de cálculo para definir uma eventual inconstitucionalidade.

A associação defende que multas que têm como base o faturamento ou valor da operação, por exemplo, podem resultar em valores altos, mesmo que as alíquotas sejam baixas. No caso concreto, por exemplo, uma multa de 5% do valor da operação ultrapassou os R$ 22 milhões, de acordo com documento apresentado em 2014.

Por fim, está pendente de julgamento o RE 882.461 (tema 816 da repercussão geral), por meio do qual o STF decidirá sobre dois temas: incidência de ISS sobre operações de industrialização por encomenda e razoabilidade de multa fiscal moratória.

No caso concreto a multa tem percentual de 30% do valor do débito, porém o debate deve ir além da situação específica dos autos. Na decisão em que reconheceu a repercussão geral dos temas, o relator, ministro Luiz Fux, salientou que caberá ao STF, por meio do caso, “fixar, no regime da repercussão geral, as balizas para a aferição da existência de efeito confiscatório na aplicação de multas fiscais moratórias”.

Já no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), uma discussão relacionada ao tema tem sido a possibilidade de concomitância das multas isolada e de ofício por falta de recolhimento de estimativas.

A competência para julgamento do assunto é da 1ª Seção do tribunal, que proferiu, em 2021, decisão favorável aos contribuintes. Graças a uma portaria do Carf, porém, a 3ª Seção passou também a julgar o tema, e em fevereiro a 3ª Turma da Câmara Superior manteve a concomitância. No começo de abril, por conta de uma alteração de composição, a 1ª Turma da Câmara Superior passou a decidir também de forma desfavorável aos contribuintes.

O Carf possui uma súmula sobre o tema, de número 106, proibindo a concomitância entre as multas. Contudo, para parte dos conselheiros, o texto faz referência a uma lei que foi alterada em 2007 para prever que a multa isolada e a de ofício são penalidades para infrações distintas. Assim, seria possível a cobrança conjunta.

Fonte: JOTA