Produtores rurais ajuízam ADI no STF para derrubar cobrança do Fethab; Mendes é o relator – 11/02/2020

A Sociedade Rural Brasileira (SRB) protocolou, na última sexta-feira (7), no Supremo Tribunal Federal (STF), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para tentar anular a Lei Estadual nº 7.263/2000, que instituiu o Fundo de Transporte e Habitação (Fethab).

Segundo a entidade, a norma possui uma série de inconsistências, que prejudicam os produtores rurais.

A ação também busca derrubar as outras contribuições instituídas a partir do Fethab: Fundo de Apoio à Cultura da Soja (Facs), Fundo de Apoio à Bovinocultura de Corte (Fabov), Fundo de Apoio à Madeira (Famad), Instituto Mato-grossense do Agronegócio (Iagro), Instituto de Madeira do Estado de Mato Grosso (Imad), Instituto Mato-grossense do Feijão, Pulses, Grãos Especiais e Irrigação (Imafir) e Instituto Mato-grossense do Algodão (Imamt).

Segundo os advogados Leonardo Furtado Loubet, Marcelo Guaritá Borges Bento, Pedro Guilherme de Souza e Manuel Eduardo Borges, que formularam a ADI, a qual o Ponto na Curva teve acesso, tais fundos acabam por onerar os produtores rurais.

Em pedido liminar, a SRB pediu a suspensão da aplicação da lei até que o mérito da ADI – onde requereu a declaração de inconstitucionalidade da norma – seja julgada.

Contribuição “obrigatória”

Quando foi criado, no ano de 2000, o recurso oriundo do Fethab era, inicialmente, destinado para planejamento e execução de obras e serviços de transporte e habitação. Desta forma, a aplicação do diferimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) passou a ser condicionada para que os produtores de algodão, soja, gado em pé e madeira contribuíssem para as obras do Sistema Rodoviário e Habitacional do Estado, conforme explicaram os advogados.

Com o passar do tempo, tal contribuição tornou-se “obrigatória” em operações interestaduais, não abarcadas pelo diferimento e de exportação, normalmente detentoras de imunidade constitucional – fato que gera afronta à Constituição Federal.

Além disso, de acordo com ADI, os recursos acabaram sendo desviados de função e passaram a ser aplicados para outras áreas, inclusive para construção de obras da Copa do Mundo de 2014. A ação lista que, em 2019, o Estado alterou a legislação, que passou a prever apenas 10% dos recursos do Fethab e de seu adicional destinados para projetos e investimentos; 30% para execução de obras de infraestrutura de transporte em geral e 60% para o Tesouro Estadual, sendo aplicados na educação, assistência social, saúde e segurança pública, além de usados para repasses ao Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

“Deste modo, o Fethab, antes criado para melhorar a estrutura viária (ainda que na teoria), cobrado, justamente, dos produtores rurais, que seriam os potenciais primeiros beneficiados pela medida, hoje possui uma destinação ampla, de modo que 60% (sessenta) de suas receitas podem ser destinadas nas mais diversificadas áreas, inclusive aquelas que não geram efeito algum à atividade rural”.

“O Estado parece querer valer-se, propositadamente, de sua atividade legislativa para obscurecer a compreensão do Fethab e, com isso, furtar-se a qualquer mecanismo de controle mais rígido. O número impressionante de leis que alteraram esse fundo nos últimos anos (na casa dos quase quarenta diplomas legislativos); a criação de exceções das exceções, moldando microssistemas e a inserção de dispositivos a exemplo do “art. 7º-D-1”, desprovido de qualquer racionalidade legislativa; tudo isso aponta às claras, para o propositivo segundo o qual, na incerteza e no emaranhado normativo, fica mais fácil escapar das incômodas amarras constitucionais”, citaram os advogados.

“E o que é pior, a previsão de que 60% dos recursos do Fethab servirão, “preferencialmente”, para custear despesas básicas da Administração Pública, como “educação, assistência social, saúde e segurança pública”, dá a nota da gravidade desse sistema, que extrapola o bom senso comum, em geral, e o bom senso jurídico, em especial”, completaram.

Fethab é um imposto

Entre os argumentos destacados pela ADI é que o Fethab é uma contribuição voluntária, mas tem características de imposto que foi implantado fora do que é previsto pela Constituição da República, “pois como denotam sua estrutura normativa e seu enquadramento jurídica possível à luz da ordem jurídica brasileira, sua “pseudofacultatividade” é mero jogo de palavras, como demonstra a completa impossibilidade prática de optar pelo regime ordinário ou não-opção pelo FETHAB”.

Isso porque, apesar da lei de criação do Fethab afirmar que os produtores têm livre opção de aderir à contribuição, contribuintes não têm outra saída, a não ser pagar pelo fundo, já que a legislação estadual não dá meios práticos para que eles recolham devidamente o ICMS, conforme a SRB.

A ADI citou que, se o produtor não quiser pagar o Fethab, terá que recolher o ICMS antecipadamente e com a “carga cheia”. Além do não conceder o regime especial para recolhimento mensal do ICMS nas operações interestaduais e na exportação de produtos, a lei estabelece que, quem não aderir ao Fethab, deve pagar o ICMS “cheio” a cada carga/saída de produtos.

“Como o Estado impõe essa prática, vedando créditos e débitos em sistemática apuração mensal, a operação fica inviabilizada economicamente. A ausência do regime de apuração mensal funciona como verdadeira coação, uma vez que se traduz em sanção econômica, atuando principalmente contra os pequenos produtores que não tem caixa suficiente para antecipar o ICMS ao Estado. E é por isso que o produtor rural é obrigado a optar pelo Fethab”.

“Condicionar a opção do contribuinte ao diferimento àquilo que ele não escolheu (no caso o FETHAB) é tornar a segunda “opção” uma obrigação, um dever, que não foi objeto de manifestação do contribuinte”.

E para o produtor rural que não aderir ao Fethab, o Estado não lhe concede benefício ou incentivo fiscal de ICMS, como lembrou os advogados.

“Além de compulsório e conflitante com a não-cumulatividade, tal sistema distorce o direito à livre concorrência do produtor estabelecido em Mato Grosso”.

Outros pontos

Por considerar um tributo, a SRB afirmou que o Fethab extravasa a competência estadual definida constitucionalmente e usurpa os contornos jurídicos do ICMS como parâmetros de incidência, assim como os mecanismos de arrecadação e sanções desse imposto. Por isso, funciona como “verdadeiro adicional de ICMS” – o que é vedado.

Outro ponto questionado pela Sociedade Rural Brasileira é que o Fethab viola a regra da imunidade das exportações da não-cumulatividade, da igualdade, da estrita legalidade da segurança jurídica e da incidência do ICMS.

A estrutura do fundo e a forma como é distribuído, fazem como que o Estado tenha um orçamento clandestino, conforme a ADI, com evidente descumprimento às regras constitucionais e também da Lei de Responsabilidade Fiscal.

“Se o Fethab se revela inconstitucional nas cadeias interna e interestadual, no âmbito da exportação ele é ainda mais aberrante. Afinal de contas, todo o arcabouço jurídico nacional está estruturado de modo a desonerar a exportações, enquanto sua ‘contribuição voluntária’ cria pedágio a esse direito constitucionalmente assegurado”.

Fonte: Ponto na Curva