Observatório do TIT: crédito de ICMS na aquisição de veículos por distribuidoras – 19/11/2020

Dando continuidade ao projeto “Observatório de Jurisprudência do TIT/SP”, a segunda fase do estudo tem como foco o monitoramento dos acórdãos proferidos pela Câmara Superior do TIT desde então.

Para esse artigo, foram analisados 29 acórdãos proferidos pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo publicados no período de 05 de outubro de 2020 a 17 de outubro de 2020, sendo que 20 deles foram proferidos sem análise de mérito em decorrência do não conhecimento do Recurso Especial pela impossibilidade de reexame de provas, ausência de dissídio na interpretação da legislação (Lei nº 13.457/2009, art. 49), pagamento do débito, ausência de nulidade, impossibilidade de exame de constitucionalidade da legislação estadual, falta de paradigma e existência de súmulas sobre a matéria.

Dos casos que tiveram seu mérito analisado, ainda que parte dele, selecionamos o interessante julgamento do Recurso Especial interposto pelo contribuinte no âmbito do processo administrativo relativo ao AIIM nº 4.073.485-7, mais especificamente ao Item I.4 da autuação, que trata da glosa fiscal de créditos de ICMS apropriados pelo contribuinte por ocasião da entrada no estabelecimento autuado de veículos e suas partes e/ou peças empregados na manutenção de sua rede.

Do Julgamento proferido pela Câmara Superior do TIT – AIIM 4.073.485-7-Impossibilidade de Tomada de Crédito de ICMS Por Concessionárias de Energia Elétrica na Aquisição de Veículos Utilizados para a Manutenção da Rede
No acórdão analisado, a atividade precípua do contribuinte refere-se à distribuição de energia elétrica, sendo que a Fiscalização acusou a empresa de creditar-se indevidamente de ICMS, relativo à aquisição de ativo imobilizado, por empregar os veículos adquiridos em atividades alheias ao estabelecimento, pois, em sua concepção, tais veículos não são utilizados para o “transporte” de energia, considerando que a energia elétrica seria “transportada” pelo chamado sistema de distribuição, este formado por postes, cabos, transformadores e fios, dentre outros equipamentos.

Com efeito, os veículos adquiridos são utilizados pelo contribuinte para efetivar a manutenção da rede de energia elétrica, uma vez que, em razão do contrato de concessão firmado, a concessionária é obrigada a não somente zelar pela rede elétrica, como também realizar constantes manutenções e ampliações, a fim de aperfeiçoar e alcançar a máxima eficiência na distribuição de energia elétrica, sob pena de perder a concessão do serviço público, e inviabilizar o acesso dos usuários à energia elétrica.

Merece destaque que, conforme se depreende do julgamento do AIIM 3.142.102-7, pela Câmara Superior do TIT, cujo acórdão foi publicado em 29 de maio de 2013, o entendimento que prevalecia à época era o de que os créditos apropriados por empresas concessionárias de energia elétrica eram legítimos, quando se referiam à aquisição de veículos automotores utilizados para a manutenção de sua rede de distribuição, por se entender que tais veículos, nesta condição, fazem parte de seu processo de comercialização de energia elétrica, tal como preconiza o artigo 66, inciso V, do RICMS/SP.

Inclusive, ao julgar o Recurso Ordinário interposto no caso aqui analisado, muito embora a glosa em questão tenha sido mantida, foi proferido voto vista (vencido pela maioria), que pretendia afastar a exigência da penalidade sobre o Item I.4 do AIIM, buscando preservar a segurança jurídica, tendo em vista as decisões anteriormente proferidas pela Câmara Superior do TIT[1], e do teor do artigo 100, inciso III, do CTN e da mais recente disposição prevista no artigo 24 da LINDB.

Por meio da interposição de Recurso Especial, tal questão foi novamente alçada à Câmara Superior do TIT, que, em sessão realizada em 15 de outubro de 2020, decidiu, por maioria, negar provimento ao Recurso Especial interposto pelo contribuinte, nos termos do voto proferido pelo I. julgador relator Klayton Munehiro Furuguem, o qual, ao reconhecer a alteração do entendimento anteriormente consagrado pela Câmara Superior, reafirmou o entendimento da instância ordinária de que os veículos adquiridos para o ativo imobilizado e destinados para a prestação de serviço de manutenção das redes de distribuição estariam fora do alcance da regra prevista no artigo 20, § 1º, da Lei Complementar n.º 87/96 e artigo 66, incisos I e V, do RICMS/SP.

Interessante notar que para o relator, “não resta dúvida que os veículos identificados na infração são essenciais no serviço de manutenção e instalação da rede de energia elétrica, mas, não são vitais e não participam na circulação/venda da “mercadoria” em si.”

Ocorre que referido posicionamento, em que pese tenha prevalecido, está longe de ser unânime e vem encontrando firme divergência na Câmara Superior.

Consoante bem retrata o ponto de vista exposto no voto de preferência proferido pelo julgador Carlos Americo Domeneghetti Badia, o voto vencedor teria deixado de sopesar que a manutenção e a instalação das redes de distribuição de energia elétrica são consideradas também como atividades essenciais do estabelecimento, tendo em vista que sem estas funções praticadas diariamente, a mercadoria nunca chegaria ao seu destino final.

Nas palavras do voto de preferência, tem-se que os “veículos automotores são essenciais para o desenvolvimento da atividade da empresa e estão diretamente relacionados ao processo de comercialização de energia elétrica, que depende da instalação e regular funcionamento da rede de distribuição respectiva, que por sua vez reclama constantes cuidados que só se viabilizam, dada sua extensão, com a utilização de veículos automotores”.

Com efeito, a despeito da predominância de votos no sentindo contrário, importante parcela dos julgadores defende que a manutenção da rede de distribuição de energia elétrica trata-se de condição indispensável para que a energia distribuída possa chegar até aos seus consumidores, até porque não há que se falar em um momento específico de “fabricação” da energia elétrica, a conferir, portanto, o direito de crédito de ICMS em relação aos veículos de instalação e manutenção dessa rede.

Conclusão

No caso sob exame, por 11 (onze) votos a 5 (cinco), decidiu-se por conhecer parcialmente do Recurso Especial do contribuinte, e na parte em que conhecido, negar-lhe provimento, com base no voto do I. julgador relator, mantendo, por assim dizer, a glosa de créditos levada à efeito com a lavratura do AIIM nº 4.073.485-7.

Referido placar vem se confirmando em julgamentos mais recentes, a exemplo dos AIIM‘s nºs 4.003.800-2, 4.014.539-6 e 4.083.951- 5, o que pode representar uma tendência de que a discussão no âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas, após mudança do posicionamento de outrora, esteja se encaminhando para uma pacificação em desfavor dos contribuintes.

Todavia, é bom lembrar, considerando que o tema ora tratado não é de (in)constitucionalidade ou (i)legalidade flagrante, tanto é que os placares vêm se dando de forma consistente e divergente, tem-se que a questão da essencialidade e participação direta dos veículos automotores e seus acessórios (partes e peças) no processo de comercialização de energia elétrica, para fins de reconhecimento do direito de crédito de ICMS, à luz do artigo 66, inciso V, do RICMS/SP, certamente aguardará decisão final do Poder Judiciário.

É o que já se denota de precedente proferido pela 13ª Câmara de Direito Público do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que no julgamento do Recurso de Apelação nº 1045695-68.2018.8.26.0053, realizado em 18 de dezembro de 2019, verificou tratarem-se de “parte importante, senão essencial, para a perfeita execução da atividade fim da empresa, vale dizer, realizar operações de distribuição de energia elétrica” dada a “absoluta pertinência e imprescindibilidade de utilização daqueles veículos para manutenção e ampliação da rede elétrica”, e por assim dizer, houve por bem reconhecer o direito do crédito em questão.

Fonte: JOTA