CONTRIBUINTES VENCEM CASO DE ÁGIO INTERNO NA CÂMARA SUPERIOR DO CARF – 15/09/2022

O contribuinte venceu, pela primeira vez, um caso de ágio interno na Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

A vitória foi obtida em julgamento realizado ontem pelos conselheiros da 1ª Turma, em São Paulo. Veio por meio do novo critério de desempate – favorável às empresas. O caso era da rede de supermercados catarinense Angeloni.

Na autuação, a Receita Federal cobrava Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL, referentes ao período entre 2006 e 2010. O valor original era de R$ 279,75 milhões, de acordo com informações do processo. Inclui juros de mora e multas de ofício e isolada. A operação de reestruturação interna analisada pela Receita Federal resultou inicialmente na constituição, em 2004, de uma holding patrimonial, a Angeloni Investimentos e Participações – formada pela reunião das holdings Távola Redonda Participações e Três Ribeirões Participações e seus sócios. Depois de aportes, foi feita uma cisão parcial.

Um lançamento contábil de ágio sobre investimentos passou, então, a ser amortizado (em 60 parcelas) como despesa operacional. Em 2005, foi feita uma nova operação de transferências de cotas dos sócios e reunião de holdings com aumento de capital, seguida de cisão e extinção da sociedade.

No processo, a empresa apresentou razões familiares e negociais que justificariam a reorganização societária realizada que implicou na geração dos ágios amortizados. Tratava-se de um caso de ágio interno, em um contexto de reorganização familiar e de sucesso. Ainda, à época dos fatos, não havia vedação legal para o registro e a amortização do ágio interno. A Receita Federal, por sua vez, o ágio só pode ser admitido quando é decorrente de transações envolvendo partes independentes, condição necessária à formação de um preço justo para os ativos envolvidos.

Para a fiscalização, nos casos em que o aparecimento de ágio acontece no bojo de transações entre entidades sob o mesmo controle, o ágio não tem consistência econômica ou contábil, tratando-se de “geração artificial de resultado”, cujo registro contábil não é admitido. Depois de ter o pedido negado pela 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção, a empresa recorreu à Câmara Superior. Os quatro conselheiros representantes dos contribuintes votaram para cancelar a autuação. Os representantes da Fazenda, para manter.

A vitória veio com o voto de desempate favorável ao contribuinte. O entendimento dominante na Câmara Superior era contrário aos contribuintes nos casos de ágio interno. Especialistas ouvidos pelo Valor indicam que, mesmo antes da reforma no Carf em 2016, o posicionamento nos casos de ágio interno já era oposto ao dos contribuintes. Com o fim do voto de qualidade, em 2020, os contribuintes não passaram, imediatamente, a vencer as teses sobre ágio interno.

Na composição anterior da Câmara Superior ainda havia conselheiro representante dos contribuintes que seguia o entendimento da Receita Federal. “Não havia proibição nenhuma ao ágio interno antes da Lei nº 12.973, de 2014. Porém, por muito tempo, as decisões favoráveis ao ágio interno no Carf exigiam a demonstração de efetivo pagamento nas operações ou sua realização em condições de mercado. O artigo 36 da Lei nº 10.637, de 2002, por si só, não bastava para legitimar qualquer ágio interno”, afirma o advogado Caio Cesar Nader Quintella, ex-vice-presidente da 1ª Seção do Carf. Ainda segundo o ex-conselheiro, a tese sobre a permissão do artigo 36 da Lei 10.637 era pouco prestigiada nas turmas ordinárias.

Foi vencedora, acrescenta, apenas por algum tempo em uma delas. Por meio de nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que a decisão foi determinada pelo artigo 19-E da Lei nº 10.522, de 2002 (que trouxe o novo critério de desempate) e, dessa forma, não representa uma mudança definitiva na jurisprudência da 1ª Turma da Câmara Superior, que sempre apontou a impossibilidade de amortização do ágio interno.

As decisões do Carf são especialmente relevantes para os contribuintes porque, além do julgamento por um colegiado especializado, a PGFN não pode recorrer das decisões na Justiça – os contribuintes estão autorizados. Além disso, existem poucas decisões sobre o tema na segunda instância. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) não tem precedente sobre o assunto, apesar de já existirem processos sobre ágio na Corte.

A discussão sobre ágio, interno ou não, ganhou importância pelo valor em discussão. Estão em disputa um total de cerca de R$ 150 bilhões, segundo projeção da Fazenda Nacional. A pasta chegou a abrir um canal de negociação (transação) com as empresas que discutem o assunto nas esferas judicial e administrativa. A Receita Federal contabiliza 322 processos no Carf e 55 no Judiciário.

Fonte: Valor Econômico