Confusão patrimonial em matéria tributária – 05/05/2017

A confusão patrimonial entre pessoas físicas e jurídicas provoca grandes discussões em matéria tributária. Os conceitos do direito empresarial dos diversos tipos de sociedades empresárias parecem cada vez mais relativizados na busca insaciável pelos Fiscos de obter o adimplemento dos passivos fiscais. Exemplo disso são casos absurdos de grandes empresas, muitas delas multinacionais, que têm seus diretores, gerentes ou representantes incluídos indevidamente no polo passivo de execuções fiscais (ou seja, na condição de réus) sob a alegação de que tais empresas teriam sido dissolvidas irregularmente.

A responsabilização de pessoas físicas (diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas) pelos débitos fiscais contraídos pelas pessoas jurídicas, desacompanhada de investigação prévia por parte das Fazendas Públicas de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, tal como exige o Código Tributário Nacional (CTN), gera um ambiente constante de insegurança jurídica, e de desincentivo ao empreendedorismo.

É motivo de preocupação constante os riscos a que se submetem tais dirigentes (que, muitas vezes, nem sequer poderes de gestão detêm nas sociedades empresárias) de terem seus bens e ativos financeiros congelados em processos nos quais nem sequer foram citados, principalmente mediante ordens de bloqueio on-line (que se dá pelo uso indiscriminado do sistema BacenJud), sem a prévia intimação para a defesa de seus interesses.

Há situações das mais variadas em que se deu o redirecionamento das execuções fiscais aos dirigentes das pessoas jurídicas de forma totalmente despropositada, dentre as quais pontuamos a não aceitação de bens oferecidos pela pessoa jurídica devedora, dada a sua suposta iliquidez e a citação da pessoa jurídica devedora em seu antigo estabelecimento, desacompanhada da devida averiguação que se tratava de mero erro cadastral, estando a pessoa jurídica ativa e operante.

Isso sem contar a indevida responsabilização de diretores que nem mesmo figuravam no quadro societário na época dos fatos geradores dos tributos, ou da suposta “dissolução irregular” das sociedades empresárias.

Com o novo Código de Processo Civil (CPC) e a criação do instituto de desconsideração de personalidade jurídica, criou-se uma expectativa por parte dos contribuintes de que tal instituto serviria como um freio à chicana promovida no âmbito das execuções fiscais, de se responsabilizar os sócios, diretores e dirigentes pelo passivo das sociedades empresárias sem a devida motivação.

Ao menos, esse instituto prevê a necessidade de citação prévia do sócio ou pessoa jurídica (desconsideração da personalidade jurídica inversa) para manifestação e produção de provas em suas defesas, em prestígio aos princípios processuais básicos da ampla defesa e do devido processo legal.

A expectativa de que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica fosse aplicado em execuções fiscais não se concretizou. O que se tem visto são reiteradas decisões dos Tribunais Regionais Federais no sentido de que, em matéria tributária, já há dispositivos legais que fundamentam a responsabilidade a terceiros e, por se tratar de normas especiais, devem ser observados independentemente da regulamentação do tema pelo novo CPC.

Em outras palavras, a existência de instituto específico no novo CPC que regulamenta a desconsideração da personalidade jurídica, em nada, modificou o modus operandi fazendário em seus pedidos de responsabilização dos sócios, diretores e gerentes com fundamento no Código Tributário Nacional.

Não se quer nesse artigo negar a possibilidade de redirecionamento das execuções fiscais aos sócios, mas sim demonstrar que, tal como todo instituto processual, deve ser usado com moderação e responsabilidade.

Bom lembrar que há propostas para gerar mais segurança jurídica às partes litigantes no Poder Judiciário, no que se incluiriam as ações entre Fisco e contribuintes. Uma delas é a limitação do instituto do bloqueio on-line ao importe de 10% do valor da execução, conforme Projeto de Lei nº 2197/2015 da Câmara dos Deputados. Ainda que se trate de medida paliativa ante os danos enfrentados pelas pessoas físicas ao serem responsabilizadas, de forma indevida, pelos débitos contraídos pelas sociedades empresárias, o projeto é importante para revisitar o cenário de insegurança que se instaurou no pós-BacenJud.

Se, de fato, a jurisprudência dos tribunais se consolidar no sentido de que não é admitida a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica aos processos de execução fiscal, mostra-se extremamente essencial a criação de novo mecanismo que garanta aos dirigentes das pessoas jurídicas a possibilidade de defesa prévia em processos de execução, e sem necessidade de garantia do juízo, a fim de que possam ter seu patrimônio preservado.

A batalha travada diariamente pelos diversos dirigentes na tentativa de demonstrar que não deram causa ao adimplemento dos débitos fiscais das pessoas jurídicas, e nem mesmo agiram com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, deve ter como ponto de partida o exercício da ampla defesa e do contraditório.

Fonte: Valor Econômico