O papel do compliance na compra de ativos – 21/12/2016

O cenário de crise econômica no Brasil e a crescente evolução das operações de combate à corrupção, tais como Operação Lava-Jato e Zelotes, fez aumentar as possibilidades de investimentos no país, principalmente no setor de infraestrutura. A saúde financeira das empresas relacionadas aos escândalos de corrupção decaiu drasticamente fazendo com que estas ofereçam seus ativos de forma atraente, principalmente para o investidor estrangeiro.

Na prática, porém, a compra destes ativos perde atratividade uma vez que estão envoltos em um cenário nebuloso no que tange eventual sucessão de responsabilidades pelo adquirente, tais como restrições administrativas para uso do ativo, multas e mudanças no relacionamento com o poder público, dentre outras penalidades.

A Lei nº 12.846, de 2013, a chamada Lei Anticorrupção, não traz qualquer tipo de solução ou mecanismos claros para tranquilizar o investidor. Mesmo que este realize as análises de risco e de compliance (due diligence) sobre o investimento, não há garantias de que a aquisição se dê de forma “limpa” de restrições e/ou multas advindas da mencionada lei.

A Lei Anticorrupção não traz qualquer tipo de solução ou mecanismos claros para tranquilizar o investidor
É conveniente lembrar que eventual violação da Lei Anticorrupção poderá trazer a reboque a incidência de leis estrangeiras, tais como o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) dos Estados Unidos e também o UKBA (United Kingdom Bribery Act), aumentando de maneira exponencial a exposição ao risco em determinado investimento. Estas leis estrangeiras possuem um escopo de extraterritorialidade bem amplo, ou seja, podem ser aplicadas fora de seus territórios acaso o ato de corrupção tenha uma relação direta ou indireta com seu país.

Se por um lado estas leis punem de forma exemplar, mesmo fora de seus países, por outro lado possuem mecanismos para que os investidores salvaguardem suas aquisições. No universo do FCPA, por exemplo, é dado ao investidor o direito de realizar uma análise prévia dos riscos e voluntariamente reportar às autoridades eventuais irregularidades (Pre-Acquisition Due Diligenceself disclosure), evitando sucessão de responsabilidades desde que atendidos os requisitos a serem impostos pelo governo, tais como imediata cessação dos atos e implementação de programas de integridade.

Com estas medidas, o investidor poderá “precificar” perdas e viabilizar negócios. Já a legislação anticorrupção brasileira não contempla as mesmas oportunidades e o seu silêncio sobre sucessão ou não de responsabilidades torna difícil a tarefa de “precificar” perdas e/ou adotar medidas seguras de mitigação de riscos.

Nem mesmo o chamado programa de leniência – o acordo de cooperação às investigações entre autoridades e pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção para redução de penalidades – tem o condão de mitigar o risco do investidor. Primeiramente porque a leniência não pode ser requerida pelo investidor (o que se aproximaria do self disclosure). Segundo porque a lei não prevê que a leniência será extensível a terceiros, excluindo o investidor.

Desta feita, aquele que pretende fazer investimentos no Brasil vivenciará um cenário totalmente contraditório em que diferentes leis de diferentes países se aplicam de forma colidente. Se por um lado é possível ativar mecanismos para mitigar os efeitos das leis estrangeiras, tal como o self disclosure, o acionamento de tais mecanismos resultaria na aplicação automática da lei brasileira, pois a confissão dos atos de corrupção perante as autoridades estrangeiras serviria de prova para a responsabilização pela lei brasileira. Ademais, a lei é silente sobre a possibilidade de compensação da pena aplicada no exterior com a pena aplicada no país.

Enquanto o governo não corresponde politicamente, com uma resposta legislativa a esta situação deveras conturbada, o desafio é encontrar alternativas para viabilizar investimentos embora todo cenário de incerteza.

O sistema jurídico atual encontra alternativas no âmbito do direito contratual já que todos os contratos devem ser pautados no princípio da “boa-fé objetiva”. As partes devem ter um comportamento ético na relação contratual, adotando medidas concretas de proteção mútua e de terceiros. Tanto a lei quanto os tribunais consideram a boa-fé objetiva como ponto central na interpretação de contratos.

As partes podem balizar a boa-fé contratual por meio das “declarações contratuais” (RepresentationWarranties), com afirmações de fato que condicionam o negócio jurídico. A título de exemplo, é possível afirmar que não houve violação à lei anticorrupção sob pena de indenização e até mesmo desfazimento do investimento ou até mesmo dimensionar as violações cometidas, declarando-as.

Como nem sempre as indenizações são efetivas na perspectiva de negócios, as partes devem ir além e desenhar “condições precedentes” conectadas às “declarações contratuais”, tais como: vincular pagamentos à implementação de um programa de compliance e/ou adesão a um programa de leniência no caso de irregularidades, ou ainda estabelecer garantias de terceiros caso as declarações sejam no sentido de não haver irregularidades.

Sem uma alternativa expressa na lei, contratos desenhados em declarações de boa-fé garantidas por condições que possam aferir sua veracidade são as alternativas dadas pelo sistema, e o compliance exerce um papel fundamental na decisão de negócios.

Fonte: Valor Econômico