Mudança de tributação favorece municípios – 24/03/2016

Municípios com alta concentração de imóveis rurais estão se valendo de um convênio firmado com a Receita Federal para ampliar a arrecadação e tentar corrigir o valor da terra em suas áreas de produção agropecuária. Ainda que seja considerado positivo do ponto de vista tributário, o processo também tem gerado reclamações de sindicatos rurais, já que em algumas situações os novos valores superam os praticados no mercado.

Há vários casos no país de cidades que decretaram aumentos reais de quase 100% no Valor da Terra Nua (VTN), a base de referência para cálculo do Imposto Territorial Rural (ITR) pago pelos proprietários rurais anualmente. Os aumentos passaram a ocorrer desde que a lei 11.250, de 2005, autorizou a Receita Federal a delegar a fiscalização e a cobrança do ITR aos municípios. Até então, o imposto era federal e a arrecadação dividida em partes iguais por União e municípios. Com o convênio, as Prefeituras passaram a fiscalizar e a embolsar 100% do ITR recolhido.

A expectativa de elevação de receitas fez saltar o número de municípios brasileiros que aderiram ao convênio. Dados compilados pelo escritório Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Advogados, especializado em direito agrário, mostram que no Centro-Oeste, que lidera produção de grãos do país, a adesão foi maciça – 100% em Mato Grosso do Sul, 92% em Mato Grosso e 75% em Goiás. São Paulo, Paraná, Tocantins e Minas Gerias têm taxas expressivas, quase todas superiores a 60%.

O problema, segundo entidades como Famato e Famasul, que reúnem produtores e pecuaristas do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, respectivamente, é que a nova lei também passou ao município a responsabilidade de criar as tabelas de valor de referência da terra nua, até então elaboradas pelo Incra, e há casos em que os novos resultados estão fora da realidade.

“O que se viu foram aumentos sem metodologia, usando o setor rural como forma de alavancar a arrecadação municipal”, diz Carlo Daniel Coldibelli, assessor jurídico do sistema Famasul. “O ideal seria que a Receita tivesse criado regramentos para a cobrança. As Prefeituras estão desprovidas de elementos técnicos para fazer a análise do preço da terra”, afirma.

Desde que os primeiros convênios começaram a ser efetivados, em 2008, os valores de arrecadação de ITR deram uma guinada em muitos municípios. Conforme a Receita, em Mato Grosso do Sul, onde 100% dos 79 municípios tornaram-se conveniados, o aumento nominal foi de 319% de 2008 e 2015, de R$ 44,8 milhões para R$ 188 milhões arrecadados no intervalo – deflacionada pelo IPCA, a alta chega a quase 170%.

O montante superou, por exemplo, a arrecadação total do Estado com Imposto sobre Produtos Industrializados (R$ 78 milhões) e representou mais da metade do IPVA (R$ 351 milhões) no ano passado.

Em Leme, no interior paulista, o tributo rendeu ao município R$ 482,4 mil em 2012, R$ 503,6 mil em 2013 e R$ 1,05 milhão em 2014.

Questionada, a Prefeitura informou que o aumento se deve ao fato de que, agora, 100% do tributo fica retido no município. Outros cerca de R$ 100 mil foram arrecadados com a fiscalização que passou ser feira nas propriedades.

No município de Acorizal, na baixada cuiabana, os produtores viram o indicador subir de um valor máximo de R$ 3.600 em 2011 para R$ 7.100 no ano passado. “É uma área que não tem soja e tem tanta pedra que dificulta até a pecuária. Portanto, não é valorizada. Mas estão cobrando valores iguais ao de regiões produtivas”, diz Maíra Safra, analista de Assuntos Trabalhistas e Tributários da Famato. A orientação da entidade é que os sindicatos discutam com as Prefeituras os parâmetros de preços de terra e convoquem audiências públicas sobre o tema.

Até agora, a recomendação tem surtido efeito em municípios onde o agronegócio tem maior poder de articulação. Em Sinop, as negociações lideradas pelo Sindicato Rural conseguiram reduzir o imposto. As tabelas do Incra em 2011 determinavam um preço de referência entre R$ 1.176 e R$ 9.600 por hectare de terra nua, conforme o imóvel. Em 2015, o valor variou de R$ 800 a R$ 3 mil.

“Houve uma pacificação”, diz Antonio Galvan, presidente do Sindicato Rural de Sinop. “A prefeitura entendeu que não resolveria o seu problema financeiro com o ITR. Até porque quebraria o setor”. Segundo ele, o mesmo ocorreu em Sorriso, onde o município ameaçou decretar R$ 50 mil pelo hectare de terra nua, reduziu para R$ 8 mil e chegou ao teto de R$ 3,5 mil.

A questão está longe de solução. Para a Famasul há risco de questionamento judicial para a arbitrariedade desses valores. A entidade diz já ver movimentos individuais nesse sentido, sem fornecer detalhes.

Em São Paulo, o escritório Guedes Nunes, Oliveira e Roquim afirma ter crescido o número de clientes em busca de informações sobre o imposto rural. Como em outros tributos, a verificação do ITR é retroativa em cinco anos. “Chegaram muitos pedidos de verificação de eventuais passivos no ITR” para evitar a malha-fina, afirma o sócio Luiz Ernesto Aceturi de Oliveira.

Uma das explicações para a criação do convênio estava na falta de condições da União de fiscalizar e, sobretudo, ditar preços de terras em um país de enormes diferenças agronômicas. Nesse contexto, afirmam especialistas, houve uma subvalorização crônica do preço da terra nua declarada pelos produtores.

Fonte : Valor Econômico