A 4ª turma do STJ fixou marco temporal definidor dos créditos submetidos aos efeitos de recuperação judicial em favor de produtor rural que exerce atividade empresária. 
O precedente foi fixado no julgamento envolvendo o Grupo JPupin, e tratou da inclusão na recuperação judicial de débitos contraídos por produtor rural como pessoa física (antes de sua inscrição na Junta Comercial). As dívidas do grupo superam R$ 1,3 bi.
No caso, o Banco do Brasil alegou que, nos termos do art. 48 da lei 11.101/05, o requisito temporal para o requerimento da recuperação judicial é o exercício regular da atividade empresária há pelo menos dois anos, que deve ser respeitado, igualmente, pelos empresários rurais assim, sustentou a impossibilidade dos recorrentes beneficiarem-se da recuperação judicial em relação às operações realizadas antes de registrarem-se na Junta Comercial.
O ministro Marco Buzzi, relator, entendeu que a recuperação tem de se limitar à inscrição na junta. Para o relator, “não seria lógico e sequer permitido no ordenamento jurídico vigente que os contratantes, notadamente aqueles que se tornaram credores de uma pessoa física, repentinamente, em gritante violação ao princípio da boa-fé contratual e da segurança jurídica das relações privadas, tenham seus créditos incluídos em processo recuperacional em razão de posterior transformação (constituição) do ruralista em pessoa jurídica empresarial”.
Em seguida, o ministro Raul Araújo inaugurou a divergência, ao concluir que a atividade econômica permaneceu a mesma após o registro. Raul proveu o recurso especial sob entendimento de que é adequada a interpretação que reconhece a impossibilidade de distinção do regime jurídico dos débitos anteriores e posteriores à inscrição do empresário rural que pede recuperação judicial, devendo, assim, ser abrangidas as obrigações e dívidas anteriormente por ele contraídas:
“A legislação nacional, levando em conta a importância, a relevância desse setor econômico para o País, deu um tratamento diferenciado para o empreendedor rural que pode ser um produtor rural regido pelo Código Civil ou pode ser um empresário rural regido pelo regime empresarial, mas em ambos os casos está em situação regular.”
Conforme o ministro, a inscrição no Registro Público será, tão somente, condição para a obtenção de melhores favores do ordenamento jurídico.  
3×2
O julgamento foi retomado nesta terça-feira, 5, com o voto-vista do ministro Luis Felipe Salomão. Vale dizer, o ministro ressaltou que não admite o “argumento terrorista dos bancos” de que aumentarão as taxas de juros de empréstimos se o produtor rural puder exercer a recuperação judicial: “Essa postura não vai intimidar o STJ.”
No longo voto, S. Exa. acompanhou a divergência com acréscimos de fundamentos. O ministro abordou o instituto da recuperação judicial de empresas e sua função social e econômica:
“A legislação tem por escopo a organização da atividade não apenas para proporcionar ao empresário o acesso ao lucro, mas pretende a distribuição de riqueza, a manutenção de empregos, a produção e circulação de mercadorias, bens e serviços, a geração de tributos, a redução de preços pelo equilíbrio mercadológico, o abastecimento contínuo na proporção da demanda social de toda a coletividade.”
Em seguida, o ministro analisou a natureza jurídica do ato de inscrição na Junta Comercial quando o empresário em questão for produtor rural. Para Salomão, é inadequado conferir tratamento distinto à natureza jurídica da inscrição feita pelo produtor rural.
“A qualidade de empresário rural também se verificará, nos termos da teoria da empresa, a partir da comprovação do exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sendo igualmente irrelevante, para tanto, a efetivação da inscrição na Junta Comercial, ato formal condicionante de outros procedimentos.”
Salomão concluiu que, quanto ao produtor rural, a condição de procedibilidade da recuperação judicial estará satisfeita sempre que realizado o registro na forma da lei e comprovada a exploração da atividade rural de forma empresarial por mais de dois anos.
Quanto ao período de dois anos, disse ainda S. Exa. que, apesar da necessidade do registro para a efetivação do pedido de recuperação, não parece haver nenhuma exigência legal que tal ato registral tenha ocorrido há dois anos:
“É que, como visto, o registro permite apenas que às atividades do produtor rural incidam as normas previstas pelo direito empresarial. Todavia, desde antes do registro, e mesmo sem ele, o produtor rural que exerce atividade profissional organizada para a produção de bens e serviços, já é empresário.”
O ministro Salomão lembrou que a lei de recuperação nasceu da necessidade de evitar que a crise de uma empresa acarretasse efeitos drásticos sobre sua rede de credores, fornecedores e parceiros comerciais e, igualmente, protegesse o crédito.
“A interpretação dos dispositivos da Lei n. 11.101/2005 que afasta-se da noção de repúdio e punição à crise e aproxima-se da ideia de preservação da empresa – a bem do interesse da coletividade, a fim realizar-se o objetivo constitucional de promover o desenvolvimento nacional e regional -, parece ser a mais adequada a criar os incentivos esperados.”
Assim, o ministro assentou que: a) o produtor rural que exerce atividade empresária é sujeito de direito da recuperação judicial b) é condição para o requerimento da recuperação judicial pelo produtor rural a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, observadas as formalidades do art. 968 e seus parágrafos c) a aprovação do requerimento de recuperação judicial pelo produtor rural está condicionada à comprovação de exercício da atividade rural há mais de dois anos, por quaisquer formas admitidas em direito e d) comprovado o exercício da atividade pelo prazo mínimo exigido pelo art. 48 (lei 11.101/05), sujeitam-se à recuperação os créditos constituídos, que decorram de atividades empresariais.
Após o voto-vista, os ministros Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira proferiram voto – a ministra com o relator Buzzi, ficando vencida, e o ministro Antonio Carlos desempatando o julgamento a favor da divergência inaugurada pelo ministro Raul. Assim, foi restabelecida a decisão de primeiro grau, na íntegra, que deferiu o processamento da recuperação judicial dos recorrentes.
A tese vencedora foi defendida pelos escritórios Trindade & Reis Advogados, com atuação de Anna Maria Reis e Joana D’arc Amaral Bortone, Finocchio & Ustra e o advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que atuaram em favor dos recorrentes. Marcus Vinicius ressaltou: “Uma importante vitória para o Brasil produtivo. O agronegócio é fundamental ao país e nossos produtores necessitam competir em igualdade de condições no mercado nacional e internacional” a advogada Camila Somadossi, do escritório Finocchio & Ustra, comentou a decisão: “É uma grande vitória, especialmente pela relevância do agronegócio para economia do país, uma vez que esta decisão elimina a insegurança jurídica que pairava, viabilizando a recuperação judicial para os produtores rurais em dificuldades financeiras.”
Fonte: Migalhas