Os contribuintes passarão a ser classificados pela União pelo perfil de risco, assim como as empresas no mercado recebem notas por agências como Fitch, Moodys e Standard & Poors. A medida está em estudo pela Receita Federal e em estágio mais avançado na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O órgão prepara-se para criar o “Cadastro Fiscal Positivo”, ferramenta que permitirá submeter a procedimentos mais rigorosos contribuintes que descumprem parcelamentos ou usam o Judiciário só para adiar o pagamento de tributos.
Já os contribuintes bem classificados, de acordo com histórico tributário e perfil de risco de inadimplência, terão melhores condições, por exemplo, para garantir o pagamento de dívidas em discussão na Justiça. Para elaborar os critérios para a classificação dos contribuintes no cadastro, a PGFN abriu uma consulta pública, cujo prazo para participação da sociedade encerra-se nesta sexta-feira.
“À medida que a PGFN investiu em ferramentas de big data, foi ficando possível segmentar mais os perfis de contribuinte, conforme o risco que cada um representa”, diz Cristiano Neuenschwander Lins de Morais, procurador-geral adjunto de gestão da dívida ativa da União e do FGTS.
De acordo com o procurador, a PGFN usará as informações colhidas para diferenciar desde o nível de atendimento até a definição de quais medidas de cobrança adotará. Hoje, o órgão pode protestar dívida tributária em cartório e, a partir de outubro, passará a bloquear bens de devedores, sem a necessidade de decisão judicial. “O cadastro vai modelar o momento de aplicação de cada medida dessa”, afirma Morais.
Há empresas, segundo o procurador, que, apesar de ter patrimônio e alto faturamento, não têm postura de regularização. “Consideramos válido apenas o litígio leal, transparente, sem fraude”, diz. “E quando direcionamos a cobrança para o devedor contumaz aumentamos a arrecadação”, acrescenta.
Em contrapartida, afirma Morais, o contribuinte que litiga, mas segue as regras, terá facilidades como poder oferecer uma garantia compatível com o nível de risco que representa. “Se uma empresa devedora tem patrimônio declarado, poderá garantir a dívida da forma que lhe for menos custosa. Entendemos ser pertinente a queixa que costumamos ouvir de tratamento desigual.”
Por isso, a PGFN resolveu abrir consulta pública. Espera elaborar critérios de gradação objetivos, permitindo, contudo, o questionamento da nota e a apresentação de algum aspecto desconsiderado. A procuradoria também coleta outras experiências, de países membros da OCDE, como a Austrália, e do Estado de São Paulo.
Em maio, entrou em vigor para os paulistas o programa “Nos Conformes”, pelo qual o contribuinte também é classificado por graus de risco e é tratado pela Secretaria da Fazenda conforme essa classificação. “A nova filosofia que o programa traz é de um Fisco mais orientativo, menos punitivo, incentivando o contribuinte a ir para a conformidade espontaneamente, a autorregularização”, afirma o secretário Luiz Claudio Carvalho.
Segundo o coordenador da administração tributária paulista, Gustavo Ley, com a aplicação das primeiras medidas já foram recuperados R$ 435 milhões em débitos em atraso e arrecadados R$ 299 milhões via recolhimento direto. A Fazenda começou, por exemplo, a usar uma espécie de domicílio eletrônico para conversar com os contribuintes on-line e evitar autuações.
Por outro lado, recentemente, iniciou uma nova ação voltada para devedores contumazes. “Fizemos uma seleção inicial de 495 devedores, que vão ser acompanhados por cada delegacia da região de forma permanente, mês a mês”, afirma Ley.
A ideia não é focar em empresas em dificuldade financeira. “Mas com faturamento alto e patrimônio, que não pagam o ICMS mesmo após autuação, rompem parcelamentos e até usam recursos judiciais para não pagar. Podemos aplicar uma força maior sobre esses contribuintes”, diz o coordenador.
Esse tipo de iniciativa do Fisco pode impactar o mercado, segundo Roberto Goldstajn, diretor da consultoria de compliance e integridade Intergrow. “A ferramenta [da PGFN] vai premiar as empresas que adotam boas práticas corporativas. Assim, elas não serão mais punidas, por exemplo, por concorrência desleal com empresas que não investem no compliance fiscal”, afirma. “Já as empresas que querem um tratamento privilegiado passarão a ter um incentivo para investir em um time de regularidade fiscal e controlar melhor os processos internos.”
Para Eurico de Santi, tributarista e professor da FGV Direito SP, tanto a União como São Paulo caminham para mudar o paradigma da administração tributária de não diferenciar os contribuintes que buscam a regularidade dos demais. “A Fazenda paulista deu o pontapé inicial e a PGFN sinaliza no mesmo sentido”, diz. “Mas como na PGFN o crédito já está inscrito em dívida ativa, a medida deve também aumentar a força do órgão sobre os devedores para garantir uma melhor cobrança.”
Em São Paulo, a Federação das Indústrias (Fiesp) é uma das entidades que apresentará sugestões para o cadastro da PGFN. “A ideia é positiva por separar o contribuinte que contesta a cobrança na Justiça, mas provisiona o valor em discussão e faz o compliance fiscal, do devedor contumaz, que sonega”, afirma o diretor jurídico da entidade, Helcio Honda.
Fonte: Valor Econômico