Receita cobra 27,5% de IR sobre devolução de capital- 25/06/2019

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A Receita Federal entende que a devolução de capital, em dinheiro, de uma empresa ao seu sócio configura rendimento e, por esse motivo, aplica-se a tabela progressiva do Imposto de Renda (IRPF) de até 27,5%. São ao menos cinco soluções de consulta sobre esse assunto até agora. Todas elas relacionadas a contribuintes que aderiram ao Regime de Regularização Cambial e Tributária (Rerct) — o chamado programa de repatriação.

Esse tema é polêmico, afirmam advogados que atuam para os contribuintes, e deve impactar uma grande parte das pessoas que aderiu ao programa. Muitas liquidaram as estruturas que mantinham fora do país, especialmente em paraísos fiscais, depois que regularizaram a situação ao governo brasileiro.

“Essas empresas perderam o sentido e ficou caro mantê-las. O custo é de três a cinco mil dólares”, diz um especialista.

O entendimento sobre a forma de tributação, para essas situações, é diferente do que vem sendo emitido pela Receita Federal. Para os advogados, há incidência do imposto apenas em caso de valorização, sobre a diferença entre o que foi investido e o que foi devolvido, ou na hipótese de o valor superar o que foi declarado e já tributado por meio do Rerct.

Além disso, para os contribuintes, nesses casos, haveria ganho de capital e não rendimento, como defende a Receita Federal. A alíquota, portanto, seria menor. O Imposto de Renda varia entre 15% e 22,5%.

A Solução de Consulta mais recente sobre esse assunto é a de nº 2.007, emitida pela Divisão de Tributação (Disit) no dia 22 de maio. A norma está vinculada a uma outra, de nº 678, a primeira editada em relação ao tema. Foi publicada em 28 de dezembro de 2017 pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit). Entre essas duas normas foram emitidas ainda as de nº 6.074, 6.075 e 3.008 — todas elas têm efeito vinculante, ou seja, uniformizam a atuação dos fiscais do país.

O argumento da Receita Federal é o de que para configurar ganho de capital seria preciso haver alienação. E nos casos em que há o resgate de participação societária — quando é feita a devolução do capital ao sócio — isso não acontece. O órgão foi procurado pelo Valor para dar mais detalhes sobre o assunto, mas afirmou que não iria se pronunciar.

Especialista na área tributária, Alessandro Fonseca, do escritório Mattos Filho, considera “absurdo” o entendimento adotado. “O conceito jurídico de alienação é transferência à outrem de qualquer título”, afirma. “Se o sócio está resgatando as ações, está havendo uma transferência dessas ações e, portanto, a operação está sujeita à tributação pelo ganho de capital e não na modalidade de rendimento”, complementa.

Ainda não se tem conhecimento de autos de infração sobre o assunto lavrados contra os contribuintes que aderiram ao Rerct, segundo os especialistas que foram ouvidos pelo Valor. Trata-se de um posicionamento novo e ainda em fase de fiscalização pela Receita Federal — que tem até cinco anos para cobrar do contribuinte o que entende como devido. Os advogados já preveem acirrada disputa para os próximos anos.

Sócio do escritório Levy & Salomão, Vinícius Branco chama a atenção que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já se posicionou sobre a tributação das operações de devolução de capital para sócio e, na ocasião, adotou a regra prevista no artigo 22 da Lei nº 9.249, de 1995.

“De acordo com essa regra, quando os bens, tanto na integralização quanto na devolução de participação no capital social, forem entregues ou avaliados em montante superior ao que consta da declaração da pessoa física ou valor contábil da pessoa jurídica, a diferença a maior será tributada como ganho de capital”, frisa. Essa decisão, no entanto, é de 2013, anterior às discussões envolvendo o Rerct.

Para o advogado, a solução de consulta publicada em maio provocou “mais dúvidas do que elucidações”. A Receita, diz, sequer tratou dos valores que foram recolhidos pelo contribuinte no momento em que ele aderiu ao programa e regularizou a situação.

“Ela não fala em que situação o imposto deveria ser pago. Quando houve a repatriação a data base a ser considerada pelo contribuinte era 31 de dezembro de 2014”, recorda. “O imposto era de 15% sobre todo o valor que ele tinha lá fora, inclusive eventuais rendimentos pagos pela sociedade no passado, antes de ser regularizada. O contribuinte apurou, então, não apenas o valor da sociedade, mas também o valor dos dividendos até aquela data.”

Carlos Eduardo Orsolon, do Demarest Advogados, diz que essa situação — de não levar em conta o que já foi pago pelo contribuinte — levará à bitributação de uma mesma riqueza. “Porque trata-se do mesmo bem já tributado no Rerct”, pondera.

Ele cita como exemplo o caso de um contribuinte que tinha uma empresa nas Bahamas, regularizou a situação e pagou o que devia. “Se quisesse, no dia seguinte, trazer esse patrimônio ao Brasil, a lógica seria a de que já pagou ganho de capital até o valor patrimonial e se trouxer esse mesmo valor não vai pagar de novo. Se trouxer por um valor maior, por estar mais valorizada, vai tributar a diferença.”

Fonte: Valor Econômico