Ponto de partida para a reforma tributária – 25/01/2018

Todos dizem querer a reforma tributária, mas não há consenso sobre qual o modelo ideal. O Estado quer para arrecadar mais. Os contribuintes, para pagar menos. Com essa disparidade de interesses, a discussão se arrasta no Congresso há mais de 20 anos.

Quando se fala em reforma tributária, estamos falando, em primeiro lugar, da reforma do Sistema Tributário Nacional. Assim, o primeiro ponto a ser observado são os limites estabelecidos no art. 60, § 4º, da Constituição. Ou seja, a reforma tributária deve observar especialmente a forma federativa de Estado e os direitos e garantias individuais.

No Brasil, ao contrário do modelo clássico americano, o federalismo é centrífugo, um movimento de dentro para fora. O nosso federalismo tem ainda uma característica única que é o fato de os municípios terem status de ente federal, o que impõe autonomia financeira e competência tributária para mais de cinco mil municípios.

Falta a batuta da União para coordenar ações que promovam isonomia e oportunidades iguais para as regiões que integram o Brasil

É fundamental que pensemos a reforma tributária a partir da nossa estrutura de Estado federal. E há aqui alguns problemas. O primeiro é o de que sempre pensamos na reforma mirando a relação Estado-contribuinte, não cuidando de outra questão fundamental que é a da repartição de receitas.

A discussão deve começar, portanto, pelo direito financeiro e depois chegar no direito tributário. Deveria começar com a definição clara das responsabilidades, das obrigações e dos deveres de cada um dos entes federados, de modo a evitar as sobreposições hoje existentes.

Eventual concentração da competência legislativa/tributária no âmbito da União não significa a priori ofensa ao federalismo, pelo contrário. Nós temos 26 Estados, o Distrito Federal e mais de cinco mil municípios, com status de entes federados. No Brasil foca-se muito na competência para instituir tributo e pouco na importantíssima questão da repartição de receitas.

A tributação do consumo no Brasil é repartida entre a União (IPI), Estados (ICMS) e os municípios (ISSQN). Esta tripla competência para se tributar o consumo no Brasil sempre foi fator de problemas. Além disso, são 26 Estados mais o Distrito Federal com competência para instituir o ICMS, e mais de cinco mil municípios para instituir o ISSQN, gerando ambiente propício para que os Estados e os municípios lutem entre si para atrair o maior número de investimentos, por meio de concessão de benefícios fiscais.

Essa é uma realidade gravíssima. Uma das principais causas da chamada guerra fiscal é o fato de sermos uma federação assimétrica, meio capenga, faltando a batuta da União para coordenar ações que promovam isonomia e oportunidades iguais para as regiões que integram o Brasil.

A reforma tributária deveria, assim, tratar especialmente dos impostos sobre o consumo, das contribuições sociais e da repartição das receitas tributárias.

A reforma ideal deveria reunir os impostos sobre o consumo – ICMS, IPI, ISS, bem como o PIS e a Cofins – em um único imposto – o IVA nacional. Este novo imposto deveria seguir os moldes do atual ICMS, ou seja, um imposto sobre o consumo não-cumulativo. Simplificaria e daria maior eficiência ao sistema. Poderia diminuir a carga e praticamente eliminaria a guerra fiscal.

A tributação da receita é uma das grandes anomalias do nosso sistema e a sua sistemática gera muitas distorções. Tributa-se como receita aquilo que é cobrado, mas que não foi pago, ou seja, tributa-se a inadimplência tributa-se como receita própria o que muitas vezes é receita de terceiros, que simplesmente passou pelo caixa da empresa, mas que não foi apropriada por esta tributa-se como receita até mesmo o reembolso de despesas. Ninguém pode afirmar com segurança o que é receita tributável. No recente julgamento do STF sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, o placar de seis a cinco demonstra isto com muita clareza.

O argumento contrário ao IVA nacional é o de que ele afrontaria o princípio federativo, na medida em que estaria restringindo a competência tributária dos Estados e municípios. Balela. O que importa é que os entes federados tenham autonomia financeira e não necessariamente ampla competência tributária. Basta que haja regras claras de repartição de receitas.

A reforma deveria cuidar melhor das contribuições sociais, especialmente das Cides, que não têm praticamente nenhum balizamento constitucional e são instituídas como verdadeiros impostos federais.

Em relação à repartição da receita, Estados e municípios deveriam participar da arrecadação de todos os impostos e contribuições federais e não apenas da arrecadação do Imposto de Renda, IPI e ITR. Com isto, evita-se que a União conceda isenções e reduções de impostos que devam ser repartidos, mantendo, de outro lado, a cobrança integral das contribuições que não são repartidas.

Seria uma ilusão pensarmos em uma reforma que tivesse por objetivo diminuir a carga. O que aumenta ou diminui a carga tributária é a graduação da alíquota. Uma reforma tributária deve ter por objetivo tornar o sistema mais simples, menos complexo e mais seguro.

A PEC de relatoria do deputado Luiz Carlos Hauly tem o inegável mérito de promover significativa simplificação do sistema tributário. Dentre outras coisas propõe a extinção do IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins, Salário-Educação, CIDE-Combustível a extinção do ICMS estadual e do ISS municipal e a criação do IBS, imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados. Não é pouca coisa. Simplifica a tributação do consumo e elimina a tributação da receita.

Se de fato queremos uma reforma tributária que simplifique o sistema e o torne mais seguro, temos, sem dúvida, um ponto de partida, que é o projeto do deputado Hauly, que merece ser debatido e aprimorado pela sociedade.

Eduardo Maneira é professor associado de direito tributário da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e conselheiro da OAB-RJ.

Fonte: Valor Econômico