Diante da preocupação de reduzir a litigiosidade, surpreendeu positivamente a orientação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que, antecipando-se ao novo Código de Processo Civil, preocupou-se em assegurar a eficácia concreta dos julgamentos proferidos com repercussão geral ou sob a sistemática dos recursos repetitivos.
Em 11 de março de 2013, a PGFN aprovou o Parecer 396, em que, respondendo ao questionamento feito pela Receita Federal do Brasil (RFB), sustenta: (a) a revisão de ofício dos lançamentos já efetuados e retificação das declarações apresentadas pelo contribuinte e (b) o direito de o contribuinte de restituir administrativamente os valores indevidamente pagos.
Esse parecer confere interpretação teleológica (e em conformidade com os princípios da eficiência administrativa e da vedação ao comportamento contraditório da Administração Pública) ao artigo 19, inciso IV e parágrafo 4º, da Lei 10.522/02, que autoriza os procuradores a não contestarem, recorrerem e a desistirem de demandas individuais cujas matérias já estejam pacificadas por meio de recurso repetitivo ou repercussão geral, e determina que a fiscalização não constitua novos débitos tributários.
Com base nessas premissas, parece-nos conclusivo afirmar que estaria aberta ao contribuinte a possibilidade de interrupção imediata dos pagamentos da contribuição previdenciária devida pelos tomadores de serviços de cooperativas de trabalho, julgada inconstitucional pelo STF em sede de repercussão geral (RE 595.838), além do direito de pleitear a restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos, sem necessidade ajuizamento de ações individuais.
Ocorre que, na prática a teoria é outra. Alguns contribuintes que, por cautela, procuraram as autoridades fiscais em busca de orientações de como deveriam pleitear a repetição desse indébito foram advertidos informalmente de que não só não poderiam pleitear a restituição administrativa, como também não poderiam interromper os pagamentos da malfada contribuição, sob pena de sofrerem autuações.É possível que a posição oficial da Receita Federal não seja esta e que se acolham as possibilidades aqui aventadas, porém essas advertências informais conferem insegurança aos contribuintes e, caso as ameaças se concretizem, os contribuintes podem ter o exercício de suas atividades dificultadas.
Isso porque, a rigor, a repetição de indébito dessa contribuição previdenciária dar-se-ia por meio da retificação das declarações dos últimos cinco anos, com a formação e aproveitamento do saldo credor na própria GFIP mas a redução do montante do saldo devedor mensal pode gerar divergências no sistema informatizado da Receita Federal e consequentemente impedir a expedição ou renovação de certidões negativas, bem como resultar em processos de cobrança do montante excluído ou ainda em não reconhecimento das compensações realizadas, como todos esses efeitos.
Essa situação, que vai completamente contra o propósito das novas sistemáticas de julgamento e do próprio Parecer PGFN 396/13, pode impulsionar o contribuinte a ingressar com uma ação individual para “rediscutir” a inconstitucionalidade da contribuição e pleitear a restituição ou compensação do indébito. Essa ação pode ter desfechos completamente distintos, dependendo da atuação da PGFN e da interpretação do juiz da causa. Por um lado, pode ser extinta sem julgamento do mérito por falta de interesse agir por outro, caso regularmente processada, pode ser ou não contestada pela PGFN, o que retardaria o aproveitamento dos créditos até o trânsito em julgado.
Uma solução intermediária poderia ser vislumbrada no pedido de habilitação de crédito previsto na Instrução Normativa RFB 1.300/12. Entretanto, diante da aparente falta de aparelhamento da RFB para lidar com os efeitos práticos do Parecer PGFN 396/13, é possível que essa alternativa seja recusada por falta de previsão legal, o que pode gerar discussões sobre o prazo prescricional, a despeito do que dispõe o Parecer Normativo COSIT 11/14.
Por outro lado, é possível que essa medida surta efeitos positivos ou, se negativos, possibilite a impetração de um mandado de segurança para o fim exclusivo de compensação, sem necessidade de rediscussão da matéria de direito, o que significa um aproveitamento mais célere dos créditos.
É certo, todavia, que o melhor seria que a Receita Federal se posicionasse formalmente sobre o assunto e assegurasse aos contribuintes um meio de buscar a restituição ou compensação desse indébito administrativamente. Contudo, isso parece improvável no atual contexto de retração econômica e queda da arrecadação.
Enquanto isso não ocorre, os contribuintes devem continuar a forçar a observância dos seus direitos, o que, na verdade, parece um verdadeiro absurdo no presente caso, já que a própria Administração Pública, por meio da PGFN, já o teria reconhecido.
Fonte: Revista ConJur