Juíza pede investigação no Carf e cita violação ‘recorrente’ de decisões judiciais – 02/04/2019

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O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) age “como se os seus integrantes pudessem validar qual decisão judicial irão cumprir ou não”. A posição é da juíza federal substituta da 5ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal em Brasília, Diana Wanderlei, em decisão na qual determinou que o Ministério Público Federal (MPF) investigue a presidente e um conselheiro do tribunal administrativo.&#160&#160

A decisão da juíza é inédita ao ordenar que o MPF analise a conduta tomada pelos julgadores do Carf pelo suposto descumprimento de uma decisão judicial que determinava a análise do mérito de um embargo de declaração em tramitação no tribunal. Trata-se de um processo julgado na última sessão de 2018 do Carf.

Na Câmara Superior do tribunal, porém, o relator considerou que a medida judicial não obrigava a turma a analisar o mérito da questão. A posição consta expressamente no acórdão da esfera administrativa, no qual o conselheiro Rafael Vidal de Araújo salienta que “a turma julgadora não estava obrigada a se manifestar sobre a matéria objeto dos embargos”.

Segundo a advogada que defende o contribuinte, a judicialização em casos semelhantes a esse devem se tornar mais comuns frente ao que ela considera uma postura cada vez mais “pró-fisco” do tribunal.

“O Carf, de certa forma, com esta postura, leva o contribuinte à necessidade de judicializar a causa. E isto, acima de tudo, enfraquece um tribunal histórico”, diz a advogada Míriam Lavocat, sócia do Lavocat Advogados.

O Ministério da Economia, ao qual o Carf é vinculado, porém, considera que a acusação de descumprimento de ordem judicial não condiz com o que foi dito no julgamento do caso. Por meio de nota a pasta afirmou que, caso o recurso contra a decisão judicial seja negado, o Carf analisará novamente os embargos.

O Caso

O pedido de investigação surgiu após uma decisão tomada pelo Carf em 5 de dezembro de 2018. A 1ª Turma da Câmara Superior analisou embargos movidos pelo braço de previdência complementar pertencente a uma seguradora.

A temática tratada no processo é a incidência ou não da CSLL sobre os fundos de previdência complementar, como o da contribuinte. O auto, lançado pela Receita Federal, traz a cobrança da contribuição e uma multa de 75% sobre o valor.

A turma havia se debruçado sobre o tema no ano anterior: na sessão de julho de 2017, o colegiado havia definido pelo voto de qualidade que havia a hipótese de incidência da CSLL no caso.

O voto vencedor, assinado pelo então conselheiro Rafael Vidal de Araújo, cita o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário (RE) nº 612.686. Por meio do processo foi definido que “mesmo que [as entidades] não possuam fins lucrativos, é cabível a incidência do imposto de renda e da contribuição sobre o lucro, pois na sua atividade captam e administram os recursos destinados ao pagamento de benefícios de seus associados.”

A embargou o caso porque, de acordo com seu entendimento, a turma não se manifestou sobre uma questão de ordem pública presente no processo – a necessidade de intimação anterior da parte, antes da perda do benefício.

A presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo, rejeitou os embargos de maneira monocrática, considerando que o contribuinte deveria “ter demonstrado o prequestionamento da matéria […]desde a impugnação, passando pelo recurso voluntário&#894 e restando apreciado pela decisão da Turma Ordinária do Carf”. Segundo a decisão da presidente, isto não teria ocorrido.

Foi apenas após a Justiça Federal expedir uma liminar em mandado de segurança que o Carf levou os embargos para a decisão colegiada. Na sessão de 05 de dezembro de 2018, a turma rejeitou os embargos por unanimidade, após conhecer do recurso por sete votos a um. O relator do caso e agora presidente da 1ª Seção, Rafael Vidal de Araújo, fez um voto se baseando na decisão de Adriana, à qual afirmou não haver muito a acrescentar.

O conselheiro complementou concluindo que, “se houve omissão, essa omissão foi da contribuinte, de não ter trazido seu questionamento no seu recurso. E não é da alçada da Câmara Superior de Recursos Fiscais investigar todas as incorreções possíveis e imagináveis que podem ocorrer em um procedimento fiscal. Isso não é exigido nem mesmo das instâncias administrativas ordinárias”.

A troca de farpas entre Justiça e Carf

A decisão do Carf foi publicada em de janeiro. Em 20 de março, a Justiça Federal do Distrito Federal ordenou a investigação.

Na decisão, a juíza Diana Wanderlei considera que, “de forma desrespeitosa e recalcitrante ao pronto cumprimento da determinação judicial, integrantes do Carf, em especial, da Sra. Adriana Gomes Rego, e o Sr. Rafael Vidal de Araújo, […] simplesmente, refutaram expressamente o cumprimento do comando judicial, e continuaram a rejeitar o recebimento dos embargos de declaração”.

Na liminar concedida à empresa, Diana considerou ser ” evidente que ainda não ocorreu julgamento do mérito dos embargos de declaração interpostos pelo impetrante”. Além do pedido de investigação pelo MPF, a juíza federal ordena que as peças do processo judicial sejam encaminhadas à Corregedoria-Geral da Receita Federal do Brasil, para que analisem as condutas disciplinares de Adriana e Rafael. O despacho também ordena a suspensão da cobrança tributária, além de sua multa e taxa Selic – que poderia rondar, hoje, a casa dos R$ 200 milhões.

A decisão da Justiça Federal beneficia o contribuinte. Isso porque a juíza Diana Wanderlei, além de determinar a investigação dos dois conselheiros do Carf pelo MPF, suspende a cobrança tributária discutida no processo. A medida vale até que o processo judicial seja finalizado.

Postura do Carf pode levar a mais judicialização

A patrona do caso tanto na esfera judicial quanto na administrativa é a ex-conselheira do Carf Míriam Lavocat. Ela julgou processos no tribunal entre 2004 e 2006.

Segundo a tributarista, o Carf não buscou analisar pontos importantes no processo. “Eles utilizaram a velha decisão para embargos de declaração: de que, em tese, eles não são obrigados a refutar todos os argumentos de defesa”, pontuou a sócia do Lavocat Advogados, que complementou. “Eles [os conselheiros do Carf] não enfrentam o objeto dos embargos de declaração, que citamos tanto em embargos como em memoriais e sustentações orais”.

Míriam afirma desconhecer ações parecidas da Justiça contra o órgão neste sentido, mas diz que, ao longo de 2019, já há um histórico de mandados de segurança impetrados contra a postura da corte administrativa. Lavocat considera que a conjuntura, “de certa forma, vem da postura fiscalista ao extremo, que inviabiliza tanto a segurança do tribunal quanto o processo administrativo fiscal”.

A patrona afirma que a União apresentou embargos de declaração ao caso, mas que a contribuinte ainda não foi informada oficialmente da questão.

O Carf afirmou por meio de nota que os conselheiros não afirmaram estar desobrigados de cumprir a decisão judicial. “O que foi dito é que os conselheiros que anteriormente julgaram o recurso especial estavam desobrigados de analisar a matéria”. O tribunal reiterou o fato de que a turma, composta por dez conselheiros na reunião, rejeitou a decisão de maneira unânime.

Os embargos da União foram confirmados pelo Carf que afirmou que, em caso de estes embargos perante o JFDF não sejam acolhidos, o julgamento será refeito.

Fonte: JOTA