A temática sobre a possibilidade de creditamento na apuração do PIS e da Cofins sob a forma de incidência monofásica ou plurifásica, com certeza, é uma das maiores controvérsias que giram em torno dessas contribuições sociais, fruto de uma legislação complexa que gera inúmeras interpretações e fomenta o contencioso administrativo e judicial.
Por sinal, uma dessas discussões foi novamente apreciada pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em recente julgamento, publicado em 4/3/2024 (EREsp 1.691.475/RJ).
Em votação unânime, o posicionamento dos ministros foi de que é incabível o reconhecimento do direito à exclusão dos custos de frete nas operações envolvendo a revenda de automóveis na base de cálculo do PIS e da Cofins para evitar a criação de benefício fiscal sem previsão legal.
O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiç em razão de a Fazenda Nacional ter interposto recurso especial contra o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que reconheceu o direito ao crédito de PIS e Cofins sobre as despesas com frete na aquisição de veículos novos por distribuidora para a revenda ou entrega a consumidor final.
Após a distribuição do recurso para a 1ª Turma do STJ, em 2021, o ministro Gurgel de Faria (relator) negou provimento sob a justificativa de que a pretensão recursal não encontra amparo no entendimento dessa Corte Superior.
Para fundamentar esse posicionamento, o ministro citou um julgado da 1ª Seção do STJ, de 2012, que pacificou a temática no sentido de que literalidade das leis que disciplinam as contribuições ao PIS e à Cofins garantem que não se pode restringir a possibilidade de se apropriar créditos dessas contribuições em operação envolvendo o veículo quando esse é transportado da montadora para a concessionária com o propósito de revenda (REsp 1.215.773/RS).
Como a Fazenda Nacional não concordou com esse entendimento, recorreu ao colegiado da 1ª Turma demonstrando que o julgado supramencionado não representa o entendimento pacífico dessa Corte Superior porque não analisou a temática sob a ótica da tributação monofásica de veículos tratada na Lei 10.485/2002 e, portanto, não guarda coerência com outros julgados mais recentes que afastam o creditamento de PIS e Cofins envolvendo bens sujeitos à tributação monofásica.
Tal argumento, contudo, não foi acolhido. A 1ª Turma do STJ foi unânime no sentido de que as operações em tela dão direito ao crédito de PIS e Cofins, ainda que o bem (veículo automotor) esteja sujeito à incidência monofásica.
Julgamento dos embargos de divergência
A Fazenda Nacional insistiu na discussão e opôs embargos de divergência demonstrando que o entendimento em tela diverge do manifestado pela 2ª Turma do STJ no REsp 1.632.310/RS, publicado em 2016.
Ela demonstrou que a 2ª Turma se posiciona no sentido de que a tributação de combustíveis é monofásica e se concentra na primeira empresa da cadeia (produtora/importadora) com as alíquotas de PIS e Cofins superiores às previstas na legislação que disciplina essas contribuições sob a sistemática da não cumulatividade e com alíquota zero para as demais empresas (distribuidoras/varejistas), não permitindo o creditamento em operações subsequentes.
Para a Fazenda Nacional, assim como os combustíveis, as operações envolvendo veículos também estão sujeitas à tributação monofásica que se concentra na primeira empresa da cadeia (montadora/importadora), o que significa que o custo do frete não gera créditos de PIS e Cofins em favor da revendedora porque essa está sujeita à alíquota zero.
Após o caso ter sido encaminhado para a 1ª Seção e distribuído sob a relatoria do ministro Francisco Falcão, ele votou no sentido de acolher integralmente os embargos de divergência e foi acompanhado por todos os ministros que participaram do julgamento.
O ministro Francisco Falcão rememorou que a não cumulatividade do PIS e da Cofins é uma importante ferramenta para impedir a “incidência em cascata” de tributos e permite descontos autorizados pela legislação para impedir a dupla tributação do mesmo bem ou serviço durante o processo de produção, o que é relevante sob a perspectiva do consumidor ou produtor devido à repercussão na formação dos preços.
Esclareceu que, na técnica da tributação plurifásica, o exame do creditamento no regime da não cumulatividade demanda cautela quando estiver diante da utilização das técnicas de tributação monofásica para evitar a criação de benefício fiscal sem previsão legal e, consequentemente, a redução de tributos sem a observância das normas orçamentárias e financeiras pertinentes, de modo a repercutir negativamente na fruição de outros direitos.
Ele rememorou que a 1ª Seção do STJ, ao julgar o Tema 1.093, deixou claro que a incidência monofásica das contribuições ao PIS e à Cofins não é compatível com a técnica do creditamento, uma vez que ela se prende aos bens e não à pessoa jurídica que os vende, levando-se em consideração que essa pode adquirir e revender conjuntamente bens sujeitos à não cumulatividade em incidência plurifásica.
Partindo para o caso concreto, o ministro relator ressaltou que, nas operações envolvendo a comercialização de veículos, as empresas que estão na primeira etapa da cadeia (fabricantes, importadoras ou montadoras) estão obrigadas ao pagamento de PIS e Cofins às alíquotas de 2% e de 9,6%, respectivamente, incidentes sobre a receita bruta de veículos automóveis destinados ao transporte de pessoas ou mercadorias.
O ministro relator também destacou que a Lei 10.485/2002 (artigo 2º, §2º, II) estipulou que, como a tributação do PIS e da Cofins se concentra na primeira etapa da cadeia produtiva em razão da técnica da tributação monofásica, as concessionárias estão sujeitas à alíquota zero e não podem apropriar créditos de PIS e Cofins envolvendo os custos com frete de veículos destinados para revenda, inclusive porque a interpretação sistemática dos incisos II e IX do artigo 3º da Lei 10.833/2003 confirma que é incabível o reconhecimento desses descontos.
É possível compreender, portanto, que a intenção do STJ com esse julgamento foi reafirmar a jurisprudência contra o creditamento que já havia sido consolidada quando do julgamento do Tema 1093, época em que os ministros da
Primeira Seção, ao julgar os embargos de declaração opostos pelo contribuinte contra o acórdão que fixou a tese, foram enfáticos no sentido de que os “custos de aquisição” não permitem o crédito de PIS e Cofins, o que inclui os fretes e os seguros atrelados a bens sujeitos à tributação monofásica.
Fonte: ConJur