Congresso pode adiar efeitos da decisão do STF sobre ICMS – 21/03/2017

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que culminou na exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins terminou. Mas as dúvidas sobre os efeitos da decisão tomada para todas as empresas do país aumentam a cada dia. Hoje, a repercussão do entendimento da Corte para o passado e para o futuro é totalmente incerta.

Nesta semana, os ministros da Corte concordaram que vão analisar o pedido da Fazenda Nacional para que a decisão passe a valer a partir de 2018 apenas em embargos de declaração, recurso utilizado para esclarecer algum ponto da ordem judicial.

Pela expectativa de pessoas envolvidas no processo, o Supremo pode escolher não modular os efeitos de sua decisão – o que permitiria a restituição imediata, pelas empresa, do imposto pago a mais nos últimos anos. O tribunal pode ainda decidir que terão direito à restituição apenas os contribuintes que já ajuizaram ações judiciais.

A terceira alternativa, e mais nova manobra do Congresso Nacional, seria adiar os efeitos da decisão do STF para o próximo governo. A ideia é aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que determine que os efeitos da decisão do Corte passem a ter validade somente a partir de 2020. O autor da proposta seria um senador da base governista. O projeto seria justificado pela segurança fiscal do país.

Como alegado pela Fazenda Nacional, o governo perderia R$ 20 bilhões de arrecadação por ano. Além disso, empresas teriam R$ 100 bilhões a restituir pelo que pagaram a mais nos últimos anos. Pelo trâmite comum, a Fazenda deverá apresentar embargos de declaração para pedir a modulação dos efeitos da decisão para tentar evitar o desembolso, pelo menos neste ano.

Formalmente, a Proposta de Emenda à Constituição tem condições de ser aprovada pelo Senado e posteriormente pela Câmara ainda em 2017, mesmo sem a necessidade de um calendário especial como foi feito para acelerar a PEC do Teto de Gastos. Se as dificuldades políticas retardarem a aprovação, a PEC seria um sinal de alerta para os ministros do Supremo discutirem a modulação dos efeitos da decisão da última quarta-feira (15/3).

O STF pode, como já fez em outros casos, jogar para o futuro os efeitos práticos do julgamento, o que seria um banho de água fria para os contribuintes que correram para ingressar com ação judicial questionando o pagamento do ICMS assim que souberam que o tema seria, finalmente, julgamento pelos ministros do Supremo.

Advogados relatam uma onda de ações ajuizadas recentemente por contribuintes que estavam com medo da modulação dos efeitos da decisão do STF.

O advogado Flávio Carvalho, do escritório Schneider Pugliese Advogados, afirma que a banca ajuizou mais de 20 ações na Justiça só nas últimas semanas e diz que ainda negocia com outros clientes para apresentar novos processos, com receio da modulação dos efeitos.

A tentativa é válida, já que mesmo se aprovada a emenda constitucional, os contribuintes que entraram com ação continuariam tentando restituir os valores pagos a mais no passado.

Repercussão

A notícia de que o Congresso tenta adiar os efeitos da decisão do STF para 2020 pegou de surpresa os advogados que acompanham o desenrolar do caso.

“Não consigo imaginar como, pela via legislativa, se possa limitar os efeitos de uma decisão do Supremo. Vamos aguardar para ver exatamente o que nossos legisladores têm em mente”, afirmou a advogada Cristiane Romano, do Machado Meyer Advogados.

“Se o governo está inconformado com a derrota em relação ao ICMS tem instrumentos adequados para resolver o problema, como aumentar os impostos. Não tem como uma empresa que, depois de 15 anos, ganhar a ação, e ser informada que o Congresso avaliou que a vitória não valeu. O mero bom senso não permite que a gente acredite nisso [na PEC]”, ressaltou Técio Tchiavassa, do Pinheiro Neto Advogados.

PEC inconstitucional

Prevendo o desenrolar da emenda constitucional, se aprovada pela Congresso, advogados apostam em uma possível declaração de inconstitucionalidade por parte do Supremo. O argumento aqui envolve a independência dos três poderes e a mudança no entendimento de que a última palavra é sempre do Supremo Tribunal Federal.

“O STF é a instância autorizada a dar a última palavra quanto à interpretação da Constituição. Só durante a ditadura Vargas, quando vigorou a ‘Polaca’ (Constituição de 1937), a última palavra não pertenceu à Suprema Corte. Além disso, a possibilidade de controle de emenda à Constituição é reconhecida pelo STF, pelo menos, desde 1926”, afirma o advogado Saul Tourinho, advogado do Pinheiro Neto.

Segundo o advogado, depois da Constituição Federal de 1988, tivemos várias ações nesse sentido, a exemplo, para começar, da Emenda nº 2, que antecipava a data do plebiscito, chegando à Emenda nº 52/2006, que tentava manipular interpretações judiciais em matéria eleitoral.

“Nesta última, o STF impediu que o drible ao princípio da anualidade eleitoral – reconhecido como cláusula pétrea – tivesse êxito. Recentemente, em 2013, o então presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, concedeu uma liminar suspendendo os efeitos da Emenda Constitucional nº 73/2013, que criou quatro novos Tribunais Regionais Federais”, relembrou Tourinho.

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional afirmou que a União ingressará com o recurso de embargos de declaração pedindo que a decisão do STF tenha efeitos a partir de 2018.

Conceito de receita

Uma dúvida que tem sido alvo de debate entre tributaristas é sobre a repercussão que a Lei 12.973/2014 terá sobre a decisão do Supremo. Com a norma, o governo alterou o conceito de receita bruta para prever a incidência de tributo sobre tributo.

Segundo advogados, muitos contribuintes estavam preocupados de que a decisão do STF não atingiria tal lei e ajuizaram novas ações para preservar os seus direitos. Isso porque a norma não estava incluída no pedido inicial julgado pelo Supremo na quarta-feira.

O receio é que a Receita Federal passe a negar pedidos de compensação com base na lei de 2014 para tentar reduzir o passivo. Advogados adiantam que se a estratégia foi adotada pela Fazenda Nacional, surgirá uma nova discussão judicial.

Há tributaristas que sustentam, porém, que o Supremo analisou a controvérsia sobre a inclusão do ICMS na base do PIS/Cofins de forma ampla, a partir do conceito constitucional de faturamento, e não a partir de leis especificas.

“Precisamos analisar, no acordão, quais dispositivos estavam em discussão e se a Lei 12.973/2014 forma um evento relevante apto a destacar um novo caso”, explica o advogado Aldo de Paula Junior, do escritório Azevedo Sette Advogados.

Fonte: Jota