Casos de impacto econômico e acordos com a Fazenda: o que esperar do STJ em 2020 – 03/01/2020

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Se em 2019 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) intensificou o emprego da sistemática dos recursos repetitivos para reduzir em 7,8% o número de processos tramitando na Corte, em 2020 a Fazenda Nacional – um dos maiores litigantes em matéria tributária – espera estabelecer acordos de cooperação com o STJ para reduzir ainda mais o acervo de processos.

Com o emprego da tecnologia, a medida ajudaria a desafogar os gabinetes e enxugar a pauta das turmas e seções, para que os ministros consigam se concentrar nos grandes casos que exigem maiores debates.

Um dos acordos em negociação com o tribunal superior envolve o peticionamento em lote e o compartilhamento de dados estruturais sobre o acervo de processos da Fazenda. As medidas são relevantes para que a procuradoria consiga monitorar quais temas provocam uma maior quantidade de recursos e viabilizar uma aplicação mais sistemática de procedimentos como a desistência.

Por exemplo, após derrotas no STF em causas analisadas em repercussão geral a Fazenda pode editar uma portaria decidindo que a procuradoria não vai mais recorrer em processos que debatem aquele assunto. No sistema atual a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) precisa protocolar a petição de desistência uma por uma. Para agilizar o procedimento, a Fazenda estuda promover a desistência em lote a partir do ano que vem.

Em 2019, por meio de uma parceria com o STJ a Fazenda já começou a desistir de milhares de recursos que tinham defeitos processuais ou tratavam de dívidas com baixa possibilidade de recuperação.

“Os grandes litigantes, como PGFN e a PGR [Procuradoria-Geral da República], precisam de dados diferentes do que os pequenos litigantes. É bom para os dois lados: O STJ se beneficia porque vai diminuindo o lote de processos e a gente também, porque racionaliza o estoque e as grandes discussões têm mais lugar na pauta”, explicou o coordenador da Atuação Judicial da PGFN perante o STJ, o procurador José Péricles Pereira.

Entre os grandes debates tributários mais aguardados para o ano que vem, tributaristas consultados pelo JOTA destacaram principalmente decisões que serão tomadas em sede de recurso repetitivo e se aplicam às instâncias inferiores da Justiça, afetando milhares de processos e causando relevante impacto fiscal e econômico.

Também receberam destaque temas inéditos na Corte, que começam a ser debatidos nas Turmas e podem futuramente chegar à 1ª Seção.

A partir das opiniões de tributaristas e procuradores, o JOTA listou as cinco controvérsias em matéria tributária com maior expectativa de que a Corte conclua os julgamentos em 2020. Leia a seguir.

Trava de 30% para compensação de prejuízos fiscais de empresas extintas

O STJ começou a julgar em 2019 uma hipótese importante que ficou de fora do julgamento do Supremo que determinou a constitucionalidade da trava de 30% para a compensação de prejuízos fiscais de IRPJ e bases negativas de CSLL ( RE 591.340). Ao passo que o STF analisou a situação padrão, de empresas que vão continuar funcionando nos próximos anos, o STJ se debruça sobre a situação de empresas que serão extintas, ou seja, que encerram suas atividades.

O tributarista Igor Mauler, do Mauler Advogados, afirmou que o precedente a ser fixado pelo STJ tem aplicação ampla. “Afeta qualquer empresa que tenha sido incorporada ou extinta por qualquer outra razão. Inclusive empresas que têm vida certa, funcionam durante a concessão de serviço público por 20, 30 anos”, exemplificou.

Como os prejuízos acumulados não podem ser aproveitados pela empresa incorporadora, as companhias prestes a acabar pedem que o prejuízo seja compensado pela incorporada sem limitações no seu encerramento. O placar na 1ª Turma está empatado em dois a dois, e o voto de Minerva caberá ao ministro Benedito Gonçalves.

Dois ministros entenderam que a possibilidade de compensar os prejuízos é um benefício fiscal, que deve ser interpretado de maneira mais restritiva, de maneira que a trava não poderia ser retirada sem expressa permissão legal. Por outro lado, outros dois ministros avaliam que manter a trava provoca tributação do patrimônio da empresa – ou seja, na prática a empresa precisa pagar IRPJ mesmo nos períodos em que fechou no vermelho.

REsp 1.805.925/SP

Inclusão da capatazia no valor aduaneiro do II

Após uma reviravolta na 2ª Turma, foi afetado como repetitivo à 1ª Seção processo que discute a incidência de Imposto de Importação (II) sobre serviços de capatazia – movimentação de mercadorias nas instalações dos portos. Por enquanto o único voto é o do relator, ministro Gurgel de Faria, afastando a tributação por entender que há jurisprudência favorável aos contribuintes nas duas Turmas de Direito Público do STJ.

Apesar de os dois colegiados terem decisões que retiram a capatazia do valor aduaneiro, a discussão foi reaberta na 2ª Turma com a chegada do ministro Francisco Falcão, que votou favoravelmente à cobrança. Quando a 2ª Turma formou o precedente contrário ao pedido da Fazenda ficaram vencidos dois ministros que continuam no colegiado. Se os dois voltassem a votar com a convicção, o aval de Falcão inverteria o placar a favor da Fazenda. Na 1ª Seção, após o voto de Faria, o próprio Falcão pediu vista e interrompeu o julgamento.

O processo interessa principalmente a importadores. Segundo cálculos da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que é amicus curiae no processo, o custo de capatazia levaria a um acréscimo 1,5% no II. Já a Fazenda argumenta que a perda de arrecadação anual seria de R$ 12 bilhões, além de um prejuízo adicional de R$ 48,5 bilhões relativos a cobranças nos últimos cinco anos.

O tributarista Igor Mauler, sócio do Mauler Advogados, afirmou que o custo da importação é irrecuperável. “Não dá crédito. Caso se amplie a base do II, a empresa tem uma despesa a mais para repassar ao preço. É um custo a mais para a economia”, disse.

REsp 1.799.306/RS (repetitivo)

Créditos de PIS e Cofins na Zona Franca de Manaus

Um julgamento inédito e relevante que pode ser concluído em 2020 pelo STJ interessa principalmente empresas situadas na Zona Franca de Manaus que compram de outras regiões do país insumos destinados ao consumo ou à industrialização. A 1ª Turma debate se essas empresas podem tomar créditos de PIS e Cofins sobre insumos isentos comprados de fornecedores localizados fora da área de livre comércio.

Para fins tributários, as vendas destinadas à zona franca são equiparadas a exportações e são isentas das contribuições. Entretanto, em 2004 a lei 10.996 passou a definir que estas operações são sujeitas a alíquota zero de PIS e Cofins, o que na prática impediria o aproveitamento dos créditos. Por enquanto se posicionou apenas o relator, ministro Sérgio Kukina, contra a tomada de créditos.

De um lado, as empresas argumentam que o percentual da alíquota não influencia a tomada de créditos, porque o sistema não-cumulativo das contribuições autoriza os créditos na compra de insumos isentos desde que a operação seguinte seja tributada. Já a Fazenda afirma que impedir os créditos foi uma opção do legislador, que via nesta política fiscal objetivo de incentivar o comércio dentro da zona franca.

REsp 1.259.343/AM

Créditos de PIS e Cofins no regime monofásico

Setores como farmacêutico, cosmético, automobilístico, de supermercados e de bebidas certamente estão acompanhando de perto este processo que começou a ser julgado pela 1ª Seção do STJ em 2019: a possibilidade de as empresas tomarem créditos de PIS e Cofins sobre produtos sujeitos ao regime monofásico de tributação.

O único voto por enquanto é o do relator, ministro Gurgel de Faria, que considerou impossível a tomada de créditos porque não ocorre a incidência sucessiva das contribuições. O magistrado ressaltou que estão sujeitos ao pagamento pelo regime monofásico grandes setores econômicos, geradores de expressiva arrecadação, e que a sistemática foi criada para facilitar a fiscalização de setores que são muito descentralizados e dispersos.

Já os contribuintes pedem o crédito com base na lei do Reporto, que determinou que o fato de um produto ser vendido com alíquota zero não impede que o vendedor tome o crédito correspondente. Isso porque, no preço do bem, estavam embutidos os custos com PIS e Cofins.

Entretanto, a tese é polêmica mesmo entre advogados. Um tributarista que preferiu não se identificar salientou que permitir a tomada de créditos ao longo da cadeia sujeita à tributação monofásica, na prática, anula o pagamento feito no início, que tem uma alíquota mais alta justamente para substituir o recolhimento nas etapas posteriores.

“O que era para ser um pagamento de 14% na entrada, no fim não vai gerar recolhimento nenhum. Porque dali para frente toma-se o crédito e isso anula o pagamento inicial que era para ser feito em nome de toda a cadeia. No fim a União vai estar pagando para quem realiza o fato gerador”, avaliou.

EREsp 1.768.224/RS e 1.109.354/SP

Correção monetária em pedido de ressarcimento de tributos pagos indevidamente

Outro processo que afeta qualquer contribuinte que tenha disputas administrativas e judiciais com o fisco sobre o direito a créditos está em análise sob o rito dos recursos repetitivos na 1ª Seção do STJ. É o caso que definirá o termo inicial para a incidência de correção monetária quando as empresas fazem pedidos administrativos de ressarcimento de tributos pagos indevidamente.

A dúvida é se a taxa Selic deve ser cobrada a partir do primeiro dia em que o contribuinte protocolou o pedido de ressarcimento ou só depois de transcorrido um ano. Se a correção monetária começar na data da solicitação, a cifra recebida pelas empresas é maior. Mas se o valor não for corrigido ao longo de um ano, a tributarista Cristiane Romano, sócia do Machado Meyer, destaca que a cifra ressarcida às empresas perderia considerável poder de compra por conta da inflação.

“Se começar só um ano depois, o dinheiro do contribuinte não é atualizado. Mas a cobrança da Fazenda sempre é corrigida. Então o mesmo pau que bate em Chico não bate em Francisco”, avaliou.

O único voto no processo é o do relator, ministro Sérgio Kukina, no sentido de fixar o marco inicial no 361º dia após o protocolo, mais benéfico à Fazenda Nacional. Outros ministros, no entanto, se mostraram críticos ao posicionamento porque, na visão deles, o prazo para a incidência de correção monetária ficaria nas mãos da Receita Federal.

REsps 1.767.945/PR, 1.768.060/RS e 1.768.415/SC

Fonte: JOTA