Publicada no dia 24.4.2018, a decisão do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no Recurso Especial nº 1.221.170/PR (“caso Anhambi”), julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos e, assim, aplicável a todos os casos envolvendo a mesma discussão, deve trazer um novo fôlego para os processos administrativos e judiciais em que se discute a extensão do conceito de “insumos” para fins de apuração de créditos de PIS e COFINS.
Em suma, a maioria da 1ª Seção da Corte seguiu o entendimento da ministra Regina Helena Costa firmando a tese de que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância (…) para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”, permitindo que a análise seja feita caso a caso.
Mas não foi apenas a tese fixada que trouxe “boas novas” para os contribuintes: as próprias premissas de julgamento devem influenciar a interpretação aplicável a outros itens de crédito das contribuições. Isso porque, para alcançar a conclusão mencionada, os ministros não apenas concordaram que a sistemática do PIS e da COFINS é distinta daquela do ICMS e do IPI, como reconheceram que o direito ao creditamento não é benefício fiscal e, portanto, não deve ser interpretado restritivamente nos termos do artigo 111 do CTN.
E se é verdade que o ponto de partida parece evidente, posto que a não-cumulatividade é uma sistemática de apuração dos PIS e da COFINS, não um incentivo tributário, também é um fato que não faltaram oportunidades nas quais adoção de uma interpretação excessivamente restritiva – muitas vezes errônea – por parte das autoridades fiscais, justificou a glosa dos créditos de PIS e COFINS.
Um dos exemplos dessa prática é a glosa das despesas incorridas com frete de mercadorias para exportação. Na visão da Receita Federal do Brasil (“RFB”), os contribuintes não podem se creditar sobre o frete para a transferência dos produtos exportados até estabelecimentos próprios na zona portuária, sob o pretenso argumento de que essa transferência não compõe uma operação de venda e, portanto, não está expressamente enquadrada no inciso IX do artigo 3º da Lei nº 10.833/03, inexistindo, portanto, previsão legal validando o aproveitamento dos créditos.
A glosa de créditos em operações de exportação tem afetado especialmente os produtores de commodities, que vendem os grãos no mercado a termo ou de futuros sob a cláusula FOB e devem entregar a mercadoria no porto para concluir suas obrigações. A RFB considera que entrega em estabelecimentos do próprio contribuinte localizados em zonas portuários ou aeroportuárias para a formação de lotes ou para a ova dos contêineres, constitui uma espécie de frete interno que não deveria gerar direito a crédito, não se enquadrando na categoria de “frete para operações venda”.
Ocorre que esse entendimento excessivamente restritivo – além de ignorar o fato de que as operações de exportação não são mais do que operações de venda para o exterior, estando, portanto, enquadradas na previsão legal da Lei nº 10.833/03 – gera diversas distorções a depender da estrutura operacional adotada pelos contribuintes. Isso porque, na prática, o frete relativo à transferência de mercadorias para um armazém de terceiro pode ser aproveitado para fins da apuração de PIS e COFINS, ao passo que o frete relativo à transferência para armazém próprio não, penalizando aqueles contribuintes que possuem uma estrutura mais robusta de exportação.
A despeito da interpretação aplicada pela RFB, os contribuintes têm obtido decisões favoráveis no âmbito administrativo (Acórdãos nºs 3403-00.485 e 3401003.069), sobretudo após a Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”) ter reconhecido o direito de creditamento sobre as despesas incorridas com o transporte de insumos (Acórdãos nºs 9303-004.673 e9303-004.318). Com efeito, por se tratar de um transporte essencial para a atividade de exportação, o frete para zonas portuárias também pode ser enquadrado no conceito de insumo (Acórdãos nºs 3102001.740 e 3802-001.681).
Na esfera judicial, o ministro Herman Benjamin – que não votou no caso Anhambi – já havia proferido decisão monocrática equiparando a transferência para armazém mantido em cidade portuária a “despesas de frete em operações de venda” (REsp nº 1.529.554, DJ: 27.8.2015). Agora, o julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR veio afastar, de uma vez por todas, qualquer alegação de que os créditos de PIS e COFINS seriam um incentivo fiscal e não um direito.
Assim, a despeito das inúmeras tentativas da RFB em impedir o creditamento sobre essas despesas, os valores despendidos com o transporte de mercadorias até a zona portuária estão abarcados no conceito de “frete para operações de venda”, ou mesmo no conceito de insumos – conforme a concepção consolidada pelo STJ –, podendo ser deduzidas da base de cálculo das contribuições independentemente da estrutura adotada pelo contribuinte.
Fonte: JOTA