Com a chegada do final do ano tem início a contagem regressiva, também, para a finalização e entrega das demonstrações financeiras de empresas. Principalmente as companhias de capital aberto, mas não apenas elas, têm todos os anos o desafio de acompanhar ao longo do ano inteiro inúmeras novidades e refleti-las no fechamento de seus balanços e outros registros de suas atividades.
Em 2018, alguns dos principais pontos de atenção na hora de elaborar a demonstração financeira devem ser, conforme especialistas, duas normas internacionais de contabilidade (do inglês, International Financial Reporting Standards – IFRS) e, na área tributária, as discussões em torno da inclusão do ICMS na base de cálculo do Pis/Cofins e da legislação que vedou a utilização de créditos tributários para o pagamento do imposto de renda mensal das empresas. A auditoria contábil, ao que tudo indica, terá especial atenção a esses aspectos.
Conforme o auditor e sócio da PwC Brasil, Maurício Colombari, as normas IFRS 9 (Instrumentos Financeiros) e IFRS 15 (Reconhecimento de Receita, em vigor desde 1 de janeiro de 2018 são os temas mais importantes para este ano. “Por mais que na essência as empresas já deveriam estar completamente adequadas e fazendo isso desde o começo do ano ainda dá tempo. Hoje, se tiver que fazer algum ajuste, alguma coisa ainda que precise ser ajustada nas demonstrações financeiras até o final do ano as empresas têm como fazer”, salienta Colombari, otimista.
Para Colombari, a maioria das empresas que têm de passar por auditoria estão preparadas para refletir as novidades em seus balanços. Porém, é importante distinguir a realidade das empresas de capital aberto (cujo procedimento de análise das informações prestadas é obrigatório) e multinacionais daquelas empresas menores, familiares.
“Isso não quer dizer que as empresas familiares não estejam fazendo isso, mas, de fato, por terem uma pressão menor sobre si, acabam deixando um pouco mais para o final do prazo. No caso das companhias abertas, como elas têm que divulgar essas informações trimestralmente (em março, junho e setembro) isso já teve que ter sido divulgado e refletido. As outras acabam fazendo um pouco depois do final do ano – o que é normal”, destaca. As empresas familiares não prestam informações ao longo do ano, por isso “têm que correr um pouquinho mais”, diz Colombari.
O IFRS 9 apresenta informações relevantes em classificação e mensuração, redução do valor recuperável (impairment) e contabilização de hedge. Já o IFRS 15 trata do reconhecimento de receita, intitulada “Receita de Contratos com Clientes” e traz algumas normas adicionais ao que existia.
No caso do IFRS 9 e seu pronunciamento contábil correspondente (CPC 47) a mudança na classificação não chega a ser o mais complicado. O cálculo das perdas em ativos financeiros é o que parece preocupar. A partir de agora terá de ser feita a análise do valor recuperável dos instrumentos financeiros.
Colombari explica que antes, isso era feito com base na perda efetiva, ou seja, a partir do momento em que havia alguma evidência de que haveria uma perda com base nas contas a receber ou em qualquer outro ativo financeiro era feita uma previsão. “Hoje, tem que ser registrada uma perda esperada com base no histórico e tem de ser previsto o quanto haverá de perda com aqueles ativos financeiros. Isso é algo que de fato dá algum trabalho, por que as empresas têm que usar normalmente informações passadas, de seus bancos de dados, para poder projetar as perdas esperadas. Vai dar muito mais trabalho, realmente”, destaca o especialista.
O IFRS 15, por sua vez, altera o tratamento da receita a partir do momento em que o que antes era reconhecido quando os riscos e recompensas eram transferidos a um cliente, atualmente é reconhecido apenas quando o controle é transferido aos clientes. Um exemplo simples para entender o ponto é o da indústria automotiva.
Quando um carro saía da montadora, os valores das revisões, seguros, garantia estendida, manutenção por um determinado tempo, serviço de holding assistance, eram incorporados ao valor da venda. Agora, cada uma dessas diferentes obrigações de performance tem de ser alocadas separadamente junto ao valor da venda do carro.
“De 100% do valor da venda, terá de ser discriminado quanto é o valor do produto e quanto é obrigação de performance. E, importante, tem de estimar quanto vai custar e vou reconhecendo a receita a partir do momento em que o consumidor vai utilizando. Antes era muito mais simples e o serviço estava embutido no valor, mas não precisava ter uma alocação tão precisa entre as partes”, salienta Colombari.
Os setores que sofrerão mais impacto, conforme relatório da PwC são as indústrias de gestão de ativos, automotiva, engenharia e computação, entretenimento e mídia, produtos industrializados e fabricação, indústria farmacêutica e de biotecnologia, incorporadoras de imóveis, varejo, tecnologia e telecomunicações.
Contabilização de hedge está mais simples
Outra mudança crucial relacionada à norma contábil IFRS 9 diz respeito à contabilização de hedge. Embora as empresas possam notar algumas mudanças na classificação, mensuração e impairment (regra segunda a qual a companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível), as mudanças em hedge accounting são as que provavelmente terão o maior impacto, pelo menos para as entidades que fazem ou pretendem fazer uso dessa alternativa contábil.
A contabilidade de hedge é, basicamente, um instrumento para que os efeitos de transações em moeda estrangeira ou relacionadas à variação de uma determinada commodity sejam reconhecidos no resultado, a fim de se proteger dos efeitos da operação. “É possível, por exemplo, usar o instrumento de modo a que essa variação cambial seja em um primeiro momento represada no patrimônio líquido e, depois, tanto o instrumento quando o objeto de hedge, vão para o resultado em um mesmo momento trazendo uma volatilidade menor aos números”, sintetiza o sócio da PwC Brasil Maurício Colombari.
Essa ferramenta não afeta tanto as empresas familiares, menores, mas merece atenção a partir do momento em que simplifica as normas em torno do tema. “Ela mexe em um ponto complicado e que requeria uma documentação complexa para ser implementada. Por isso mesmo, poucas empresas acabavam utilizando a contabilização de hedge, o que deve vir a mudar com a alteração”, comemora Colombari. Mas o especialista alerta que aplicar hedge accounting era, e continuará a ser, opcional e complexo.
A IFRS 9 introduz um modelo de hedge accounting melhorado, que busca alinhar a contabilidade com as políticas de gerenciamento de risco e é mais baseada em princípios do que a norma anterior. Em particular, foram removidos os antigos requisitos de “limite”, onde todo hedge
accounting deveria ter sua eficiência provada como entre 80% e 125%.
Sob a nova norma, as empresas podem aplicar hedge accounting para mais componentes de risco individuais nas transações, criando flexibilidade, particularmente para contratos vinculados a commodities. Antes, o contrato como um todo devia ser designado. Então se você quiser “hedgear” o custo de uma commodity, tal como o petróleo em um contrato, você será capaz de hedgear apenas isso, enquanto antes você teria que incluir outros elementos do contrato, tais como os custos de transporte. O resultado deve ser uma menor volatilidade e um hedge mais efetivo.
Outra melhoria significativa, conforme a PwC, é o novo conceito de custo de hedge: para comprar uma opção de câmbio para uma venda prevista, o custo de hedge – o prêmio pago – pode ser diferido no patrimônio líquido e somente registrado no resultado no momento em que a venda ocorrer. Isso também deve reduzir a volatilidade.
Tributaristas alertam para impactos fiscais das normas
Todos esses pontos também têm impactos fiscais nas organizações. Isto por que tudo o que há de mudanças na contabilidade afeta os impostos das empresas, principalmente o Imposto de Renda (IR).
No entanto, há incertezas em alguns pronunciamentos contábeis brasileiros em torno das normas internacionais sobre os quais a Receita Federal ainda não se manifestou. Quando há esse tipo de impacto, a Receita Federal do Brasil (RFB) emite instruções normativas analisando como as áreas fiscais e tributárias das empresas devem tratar os temas. “Alguns deles a gente já têm uma manifestação da receita e sobre outros não”, avisa o sócio da PwC Brasil, Giancarlo Chiapinotto.
No o caso do CPC 47, do IFRS 9, a Receita Federal editou instrução normativa assinalando sua neutralidade fiscal, ou seja, “apesar de haver uma alteração contábil isso não pode afetar a apuração dos tributos”, revela o diretor de consultoria tributária da PwC Brasil, Hadler Martines. Mas há outras que não foram regulamentadas. “Caso não haja uma instrução normativa, ela pode ter um impacto tributário e isso é o que nos preocupa”, avisa Martines.
É o caso do IFRS 16, que versa sobre arrendamentos e cuja legislação fiscal prevê uma neutralidade em relação ao arrendamento financeiro, mas não operacional. “A gente espera que a RFB se pronuncie e também traga neutralidade fiscal para esse tipo de arrendamento também, mas até agora nada”, diz Martines, ressaltando que esse é um ponto a prestar atenção nas demonstrações.
Outros dois pontos relevantes na parte tributária são as discussões em torno da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins e a edição da Lei nº 13.670, durante a greve dos caminhoneiros de meados deste ano, que vedou a possibilidade de compensar com créditos tributários os pagamentos mensais de IR.
O primeiro ponto depende dos resultados judiciais daqueles contribuintes que ingressaram com ações para excluir o ICMS da base de cálculo das contribuições. As empresas estão começando a ter decisões favoráveis, considerando precedente aberto pelo Superior Tribunal Federal (STF). Elas entraram com mandatos de segurança e algumas ações já estão obtendo transito em julgado. A partir desse ponto, elas precisam refletir a alteração nas demonstrações financeiras.
Entretanto, ressalta Chiapinotto, ainda há casos pendentes de embargos. “Só transita em julgado na medida em que todos os recursos já foram esgotados e se obtém certidão. O próprio entendimento da RFB é de que tem de haver o trânsito em julgado para reaver os valores”, pontua.
Fonte: Jornal do Comércio