Nos termos da Lei n° 11.101/05, o deferimento de processamento da recuperação judicial de uma determinada empresa não implica na suspensão das ações de execução fiscal não atrai as ações de execução fiscal para o juízo da recuperação judicial bem como pressupõe, após a apresentação do plano de recuperação devidamente aprovado pela Assembleia Geral de Credores, apresentação de certidões de regularidade fiscal da empresa.
Contudo, apesar de trazer relevantes alterações na situação dos débitos da empresa, especialmente os de natureza civil, o aspecto fiscal (talvez o de maior relevância dentre as empresas com dificuldade econômica), no plano abstrato da Lei de Recuperação de Empresas, sofre influência muito pequena, praticamente irrelevante.
Desta forma, faz-se necessária uma análise dos efeitos de referidas disposições no específico contexto fático de uma empresa em situação de recuperação judicial, na medida em que o passivo tributário tem reflexo imediato na situação patrimonial da empresa.
Por conseguinte, muito embora a Lei de Recuperação Judicial não tenha previsão específica acerca dos débitos tributários, é patente que o referido postulado vela por toda a situação patrimonial da sociedade empresária em recuperação – de forma universal – tendo inclusive a guarda e o poder-dever de apreciar todos os pedidos que envolvam constrições aos ativos da empresa, inclusive em sede de execuções fiscais.
Diante deste fato, é incontestável que a capacidade econômica e financeira de uma empresa em recuperação judicial encontra-se deveras comprometida, de modo que a efetivação de penhora de qualquer bem de sua propriedade prejudicará sobremaneira a execução do plano de recuperação, conduzindo, necessariamente, a empresa à falência, mormente com a efetivação de ordens judiciais de bloqueio on line e determinações de penhora sobre o faturamento da empresa.
Ora, considerando que o fim último colimado pela sistemática da Lei de Recuperação Judicial é criar e manter um ambiente econômico e financeiro hábil a viabilizar a reestruturação da empresa, impedindo que medidas constritivas de seu patrimônio tornem inexequível o plano e, com isso, permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, desconsiderar a questão tributária é colocar uma pá de cal em todo o objetivo preconizado na respectiva lei.
O processo de recuperação judicial é, acima de tudo, um processo de sacrifícios, onde interesses isolados, de quem quer que seja, deverão ceder diante de um interesse social maior.
Nesse ambiente desenvolve-se o aparente conflito de interesse entre o Estado, enquanto agente arrecadador em satisfazer o adimplemento do crédito tributário e a manutenção da fonte produtora no desenvolvimento regular de suas atividades no contexto da ação de Recuperação Judicial.
Diz-se aparente conflito de interesse, pois na verdade, antes do interesse de ver adimplido o crédito tributário, o Estado enquanto agente de organização social igualmente tem sublime interesse na manutenção da fonte produtora como instrumento propulsor fundamental da economia na produção de bens e serviços e geração de empregos e, consequentemente, geração de novas riquezas tributáveis, atendendo, com isso, o efetivo interesse Público Primário.
Assim, considerando a importância e a função social da empresa no contexto nacional, ainda que se trate de empresa em situação de crise, eventuais interesses individuais, seja de fornecedores, seja de bancos, seja de empregados, seja do próprio Estado enquanto ente arrecadador, deverão ceder ao interesse maior de preservação da empresa, verdadeira diretriz a guiar a aplicação do instituto em questão.
Não é por outra razão que a jurisprudência vem se firmando no sentido de impedir com que os bens de empresa que se encontra em recuperação judicial sejam penhorados nos autos de determinada ação de execução fiscal, nomeando, inclusive, o juízo em que se processa a ação de recuperação judicial como aquele universal para também decidir sobre a possibilidade da expropriação dos respectivos bens (Recurso Especial nº 1.582.078 – MT).
Ainda nesse sentido, importante observar que o Desembargador Vice Presidente do TRF 3 Mairan Maia, nos autos AI nº 0030009-95.2015.4.03.0000/SP, admitiu recurso especial que trata do tema, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, que tramitem na terceira região. Com base nessa decisão do Vice-Presidente do TRF3, muitos juízos federais de São Paulo já estão suspendendo o trâmite de execuções fiscais (Processo 0003201-07.2016.403.6115 – 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São Carlos/SP).
LUIZ PAULO JORGE GOMES, é Advogado, sócio da Jorge Gomes Advogados, Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, Ex-Conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.