Tributário: Contribuintes criticam desinformação de fiscais sobre negócios das empresas – 22/09/201

No início do ano, uma indústria de alimentos de São Paulo recebeu a visita de um fiscal da Receita e, para atender suas exigências, contratou e encheu um pequeno caminhão com o que foi pedido: toda a documentação fiscal de 2005 e 2006. Os papéis sequer foram analisados. O veículo foi mandado de volta com uma multa de R$ 30 milhões. A Receita entendeu que o contribuinte estava dificultando a fiscalização, ainda que o pedido tenha partido do próprio órgão.
Situações como essa, segundo especialistas, têm efeitos imediatos nos negócios das empresas: dificultam a obtenção de empréstimos e levam a despesas extras com a defesa administrativa e muitas vezes judicial, além de provocar incertezas quanto ao desfecho do caso, que muitas vezes exige o provisionamento dos valores nos balanços das empresas de capital aberto.
O jurista Paulo de Barros Carvalho, professor de direito tributário, entende que a fiscalização brasileira tem critérios rígidos, mas a mesma complexidade da legislação, que deixa o contribuinte aturdido, acaba por confundir o próprio Fisco, que se sente inseguro e autua. “Isso dá ensejo a sonegações por parte do contribuinte e a arbitrariedades por parte da administração”, afirma Carvalho.
Embates dessa natureza não ocorrem apenas na esfera federal, mas também nos Estados. Uma empresa de São Paulo, por exemplo, foi multada em mais de R$ 100 milhões, valor que supera seu faturamento anual, por ter sido considerada pela fiscalização como uma indústria e não um estabelecimento comercial. A companhia, atacadista de resíduos metálicos, está no ramo há 14 anos e nunca havia tido problemas com a Fazenda estadual. Neste ano, foi classificada como indústria pelos fiscais e, por esse motivo, multada por não ter recolhido o ICMS devido na atividade industrial. O caso ainda está sendo julgado na esfera administrativa. Se for derrotada, a companhia ainda poderá recorrer à Justiça.
No ano passado, a Receita fiscalizou 400 mil contribuintes e aplicou multas que totalizaram R$ 90 bilhões. Marcos Vinícius Neder, subsecretário de fiscalização do órgão, diz que nos últimos cinco anos a média de autuações mantidas nos julgamentos administrativos foi de 82,5%. Representantes dos fiscais da Receita e da Fazenda paulista rejeitam a afirmação de que aplicam autos de infração absurdos. Para eles, os contribuintes sempre têm o direito de contestar as autuações. “O auditor tem independência para lavrar o auto, mas o faz baseado nos atos normativos e na legislação”, garante Claudio Damasceno de Oliveira, secretário-geral do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal.
Uma indústria alimentícia paulista foi multada em R$ 10 milhões pela Receita Federal por “apresentação incorreta dos dados fornecidos em meio magnético”. Onde deveria digitar o número 1, acabou preenchendo com “000001”. Só depois de três anos, a companhia conseguiu vencer a batalha contra o Fisco. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reconheceu que a suposta divergência consistia apenas na digitação de zeros à esquerda. Autuações como essa são consideradas desnecessárias pelos contribuintes, pelos gastos e problemas que geram para os negócios das empresas.
A fiscalização federal reconhece eventuais falhas nos procedimentos, mas se defende ao afirmar que, nos últimos cinco anos, 82,5% dos autos de infração lavrados foram mantidos na esfera administrativa. No ano passado, a Receita Federal fiscalizou cerca de 400 mil contribuintes e lançou R$ 90 bilhões em multas. O controle sobre as disputas administrativas começou a ser realizado neste ano, segundo o subsecretário de fiscalização, Marcos Vinícius Neder. O percentual passou a ser levado em consideração junto com o número de contribuintes fiscalizados e o valor total de autos lançados. “Por haver o risco de eventuais falhas, nós fazemos esse controle”, diz.
Para especialistas, parece existir má vontade da fiscalização – tanto federal como estadual – em entender o “business” do contribuinte. Outros alegam que o Fisco, em caso de dúvida, prefere autuar. O problema é que as multas trazem implicações imediatas para os negócios das empresas. Para as de capital aberto, o problema é ainda maior. A transparência obrigatória sobre as provisões contábeis – feitas em razão de discussões judiciais em trâmite – faz com que o risco de a companhia ser autuada aumente. O advogado Luiz Roberto Peroba Barbosa, sócio do Pinheiro Neto Advogados, lembra que uma empresa paulista chegou a ser multada em R$ 15 milhões por contribuições previdenciárias devidas com base em provisão contábil para pagamento de futura contingência trabalhista. “Isso deixa o investidor estrangeiro em pânico porque estraga o plano de investimento da empresa”, afirma.
“A fiscalização não entende o que o contribuinte faz e nem se esforça para isso”, diz a advogada tributarista Cláudia Maluf, do escritório Demarest & Almeida Advogados. “Por isso, vemos muito auto de infração mal lavrado.” São comuns casos que envolvem reciclagem. Ao avaliar o estoque de uma indústria de papel, a Receita Federal ignorou o fato de que as aparas – sobras de papel após o corte – são recicladas. Como elas não são comercializadas, não seriam tributadas. Apesar disso, o Fisco multou a indústria em R$ 3 milhões. “O grande problema, nesse tipo de caso, é a desinformação do fiscal sobre o negócio da empresa”, afirma Luiz Girotto, sócio do Velloza, Girotto e Lindenbojm Advogados.
Em São Paulo, no entanto, a fiscalização alega estar bem preparada. Antes de ir a campo, os fiscais são treinados em contabilidade, direito tributário e informática. Há cerca de 12 anos, José Clóvis Cabrera, diretor executivo da administração tributária, trabalha com equipes especializadas em fiscalização setorial – como o setor de eletrodomésticos. Além disso, desde 1999, há uma sistemática de controle de qualidade na Fazenda de São Paulo. Se o auto for maior que R$ 1,3 milhão, além de ser conferido pela equipe de fiscalização, a autuação passa pela análise de delegados, inspetores e especialistas no tema da fiscalização. Segundo Cabrera, isso faz com que cerca de 85% dos autos sejam mantidos.

Fiscais dizem que cumprem a lei

Os representantes dos fiscais da Receita Federal e da Fazenda paulista rejeitam a afirmação de que aplicam autos de infração considerados desnecessários pelos contribuintes. Eles lembram que as empresas têm o direito de contestá-los administrativamente ou no Judiciário. “O procedimento é sempre baseado em uma ordem que diz exatamente o que o fiscal deve verificar”, afirma o presidente do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Sinafresp), Ivan Netto Moreno.
Para o secretário-geral do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), Claudio Marcio Damasceno de Oliveira, o auditor tem independência para lavrar o auto, “mas o faz baseado nos atos normativos e na legislação”. Ele, no entanto, reconhece que são editados muitos atos normativos durante o ano. “Mas isso é um problema de toda a legislação brasileira.”
Especialistas em direito tributário, porém, afirmam que a política de bônus e a inexistência de uma corregedoria eficiente são algumas das possíveis causas para os problemas nas autuações. “A corregedoria da Receita só penaliza atos ilegais, como os de corrupção, mas não erros técnicos ou éticos”, diz Plínio Marafon, sócio do escritório Braga e Marafon Advogados.
A Fazenda de São Paulo fixa metas que podem aumentar em até 44% o salário do fiscal. A remuneração do profissional, segundo dados do sindicato da categoria, varia de R$ 6,8 mil a R$ 9,6 mil e pode ter um acréscimo mensal de R$ 2,5 mil a R$ 3 mil, se for alcança a meta estipulada. Na Receita, não há bônus por cumprimento de metas. Um fiscal da Receita ganha entre R$ 13,6 mil e R$ 19,45 mil por mês. (LI)
Fonte: Valor Econômico – Laura Ignacio | De São Paulo