Ações relativas a discussões empresariais em São Paulo passarão a ser julgadas exclusivamente por varas especializadas a partir do ano que vem – e não mais em varas cíveis da capital. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) aprovou, por unanimidade, a criação de três dessas unidades e o processo de implantação será gradativo. Há expectativa de que a primeira delas entre em funcionamento já no primeiro semestre.
O que o tribunal fez, em termos mais precisos, foi converter três varas cíveis que já estavam criadas – mas ainda não haviam sido implantadas – em varas de direito empresarial. Essas unidades vão cuidar, especificamente, das questões envolvendo o direito das empresas, além de sociedades anônimas, propriedade industrial, franquias e concorrência desleal.
A nova estrutura também terá sob o seu escopo as discussões decorrentes da arbitragem. Apesar de os procedimentos correrem fora do Judiciário, eventualmente o próprio árbitro, que é escolhido pelas partes, pode pedir à Justiça que conceda alguma liminar necessária ao processo. Há ainda casos em que o envolvido questiona a legalidade do procedimento arbitral.
Nessas situações, os pedidos são analisados pela Justiça. Atualmente esse tipo de demanda é encaminhado para as duas varas de recuperação judicial e falências da capital paulista – que, pelo novo modelo, voltarão a ter foco exclusivo nos temas de sua especialidade.
As discussões sobre a criação das varas empresariais se arrastavam por pelo menos dez anos. E um dos motivos que segurava o andamento do projeto era uma regra instituída pelo próprio TJ-SP. O Provimento nº 82 prevê que novas instalações só se justificam quando for constatada uma quantidade mínima de 1,8 mil processos novos por ano nas varas cíveis. As demandas específicas da área empresarial, contudo, não alcançavam esse número.
O desenrolar se deu, agora, porque a Corregedoria do tribunal apresentou um estudo ao Órgão Especial levando em conta não só a quantidade de processos empresariais, mas principalmente a complexidade dos casos. Por mês, são distribuídos na comarca da capital paulista cerca de 130 processos de matéria empresarial (incluindo as ações relacionadas à arbitragem). Se levado em conta somente esse número, seria permitida a criação de uma única vara especializada.
Segundo o estudo que foi apresentado, no entanto, a carga de trabalho associada a esse tipo de ação é maior do que a relativa aos processos comuns: um caso empresarial corresponde a 2,09 cíveis comuns. “Chega-se à conclusão de que o número de processos distribuídos por ano em matéria empresarial corresponderia a 3.349 (ou 279 processos/mês)”, aponta, no relatório, o corregedor-geral, desembargador Manoel Pereira Calças.
Esse estudo foi feito pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ). O presidente da entidade, Marcelo Guedes Nunes, trabalha com o conceito de “viscosidade processual” – definida como um conjunto de características estruturais do processo capaz de afetar a sua velocidade normal.
“É um paralelo com o conceito da física. Imagine que os processos, dentro do tribunal, são espécies de fluídos, que correm dentro de canos. Se separarmos dois copos, um com água e outro com mel, e despejarmos ambos ao mesmo tempo, a água vai escorrer rápido e o mel devagar. E vai escorrer devagar não porque tem algo fora do normal, mas porque é viscoso. A estrutura íntima dele é complexa”, compara Nunes.
O que ele quer dizer com a analogia é que os processos empresariais envolvem, geralmente, matérias mais complexas. Têm múltiplas partes, perícias mais complicadas e demoradas, além de estudos processuais mais intrincados. Por isso exigem dos juízes mais tempo de análise. “É preciso ter um encanamento especial para eles. E não só porque andam devagar, mas também porque entopem o cano se misturados aos demais processos cíveis. Se misturados, todos acabam tendo andamento mais lento”, diz.
Professor de direito comercial da PUC-SP, o advogado Fábio Ulhoa Coelho acredita que, além de celeridade à tramitação dos processos, haverá mais qualidade técnica nas decisões proferidas pelos juízes das varas especializadas – o que acarretará, segundo ele, em aumento da segurança jurídica e uma melhor uniformização das decisões. “Hoje são mais de 40 juízes decidindo essas questões e a possibilidade de divergência é muito maior”, destaca.
Ulhoa chama a atenção ainda para a percepção do ambiente de negócios no exterior, que deverá ser mais positiva. O relatório apresentado pela Corregedoria do TJ-SP cita que o “Doing Business” – estudo do Banco Mundial que monitora o ambiente de negócios dos países – traz como parâmetro de classificação das economias dos países a medição do tempo e custo para resolução de disputas comerciais. E um dos indicadores consiste na existência de tribunais especializados ou em seções dedicadas unicamente a audiências de ações comerciais.
No Brasil, servem como parâmetro para a pesquisa São Paulo e Rio de Janeiro. No RJ existem sete varas empresariais. Já o TJ-SP conta, por enquanto, somente com câmaras especializadas na segunda instância. As datas de inauguração das varas especializadas serão definidas em reuniões, a partir do começo do ano, entre a corregedoria e a presidência do tribunal.
Fonte: Valor Econômico