STJ limita Mandado de Segurança para compensação – 28/09/2010

O Mandado de Segurança, meio preferido de tributaristas para pedir compensação de tributos recolhidos indevidamente, pode ter o uso restringido para pedir créditos acumulados antes do ajuizamento da ação. Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não se pode pedir, pela via do Mandado de Segurança, compensação de créditos acumulados no passado, mas apenas dos que forem gerados depois do ajuizamento da ação.
Levando em conta entendimento anterior da 1ª Seção da corte, firmado em julgamento de recurso repetitivo, isso praticamente inviabiliza a compensação por Mandado de Segurança. A tese adotada pela Seção foi de que os Mandados de Segurança podem sim pedir compensação, mas precisam chegar à Justiça com todas as provas pré-constituídas. Ou seja, todo o crédito deve estar comprovado com documentos.
De acordo com tributaristas, a interpretação em conjunto possível seria a seguinte: não se pode usar créditos do passado, conforme a decisão da Turma, nem os do futuro, segundo a 1ª Seção — o que não teria sido considerado pela corte.
No entanto, de acordo com o relator do precedente na 1ª Turma, o ministro Luiz Fux, não existe contradição entre os acórdãos. “Em caso de dúvida, a tese esposada no recurso repetitivo é sempre prevalente”, diz.
Ele afirma que, no caso concreto, o pedido de compensação analisado na turma tinha caráter de “pedido de restituição, pretensão patrimonial pretérita, que não pode ser objeto de Mandado de Segurança, o que afasta qualquer vinculação com o Recurso Especial repetitivo.”
Entretanto, a corte ainda deve analisar Embargos de Declaração ajuizados pelo Fisco estadual de Mato Grosso, “o que torna precipitada qualquer conclusão por ora”, explica o ministro.
Em acórdão da 1ª Turma (foto), publicado em agosto, foi o que fomentou as questões. Ao julgar um recurso da TV Gazeta de Mato Grosso sobre a incidência do ICMS em demanda contratada de energia elétrica, a turma surpreendeu. Não no mérito da ação, já que o entendimento que restringe a cobrança apenas à energia usada, e não à contratada, está até sumulada na corte. Mas sim na fixação de uma restrição temporal aos efeitos da decisão no Mandado de Segurança.
A tese é simples e já conhecida no ramo. O argumento é o de que, como a Súmula 271 do Supremo Tribunal Federal veda ao Mandado de Segurança efeitos patrimoniais para o passado, a compensação de tributos pagos a mais antes do ajuizamento da ação também não seria possível, por ter caráter condenatório.
Só que, em maio do ano passado, a 1ª Seção, ao julgar o Recurso Especial 1.111.164 sob o rito dos recursos repetitivos, afirmou categoricamente que todas as provas que fundamentem pedidos em Mandados de Segurança precisam ser juntadas ao processo no momento do ajuizamento da ação. O caso envolvia um pedido que não estava instruído com qualquer comprovante — o que foi admitido na decisão de segunda instância. O que a 1ª Seção quis dizer foi que, embora se possa pedir compensação via MS, não se pode juntar documentos durante o curso do processo. As provas já precisam estar pré-constituídas, ou seja, o direito tem de estar claro a favor do requerente.
Mas como ter provas pré-constituídas se créditos passados, de acordo com a 1ª Turma, não podem ser usados em MS? Na prática, se ambas as decisões funcionarem ao mesmo tempo, o uso de Mandado de Segurança para compensar débitos fica impossibilitado, segundo a advogada Camila Vergueiro Catunda, do escritório Felsberg e Associados. “Não se pode usar créditos anteriores ao ajuizamento, pelo entendimento da 1ª Turma, nem os posteriores, de acordo com a 1ª Seção”, explica. “A 1ª Turma foi de encontro à orientação do próprio STJ.”
De acordo com a tributarista, a única maneira de não contrariar alguma das decisões seria usar ações de rito ordinário, que peçam a repetição do indébito via compensação. “É um caminho bem mais demorado, e com risco de sucumbência”, diz.
Arma sem munição
Indicado com frequência aos clientes, o MS tem tudo o que quem briga na Justiça quer: tramita mais rápido e não gera sucumbência em caso de derrota. Se levada ao pé da letra, porém, a tese da 1ª Turma esvazia a ferramenta para os contribuintes, por reduzir a amplitude do que se pode pedir por essa via.
Um dos principais objetivos da impetração de Mandados de Segurança tributários é a compensação de débitos com valores reconhecidamente indevidos. Com o direito assegurado pela decisão judicial, a empresa quer usar tudo o que pode, e para quitar os débitos que achar convenientes.
Como o prazo para a repetição de indébito, de acordo com a Lei Complementar 118/2005, é de cinco anos, todo o crédito acumulado durante esse tempo serve como base do pedido de compensação.
Mas pelo entendimento da 1ª Turma, os Mandados de Segurança só podem pedir a compensação de débitos com créditos que forem acumulados a partir da impetração da ação. Todos os Mandados de Segurança que já tramitam com essas características correm o risco de ter a abrangência reduzida.
Usando um caso prático como exemplo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu apenas no ano passado sob Repercussão Geral que o alargamento da base de cálculo da Cofins feito pela Lei 9.718/1998 é inconstitucional. A decisão confirmou o primeiro precedente da corte, de 2005. Pela interpretação da 1ª Turma do STJ quanto aos MS, quem entrou depois da decisão pacificadora do Supremo com pedidos de compensação dos valores pagos sobre a base alargada, o que não é raro, teria de se contentar com a compensação do que recolheu a mais a contar, no máximo, de 2009, perdendo o que pagou antes disso.
Para o tributarista Rodrigo Dalla Pria, do Machado Associados Advogados e Consultores, tudo não passou de uma interpretação errada da súmula do STF pelos ministros do STJ. “O que ela diz é que não se pode querer reparar um dano por meio de um Mandado de Segurança”, explica. Já no caso da compensação, segundo ele, não se está alterando o patrimônio, mas apenas “extinguindo um direito com outro”.
“Os três precedentes que deram origem à Súmula 271 do STF limitam o uso do Mandado de Segurança quanto a pretensões de ordens de pagamento, ou seja, uma sentença condenatória, um título executivo” explica Dalla Pria, “e não quanto à autorização para a compensação, isto é, uma sentença declaratória”.
Na interpretação do advogado, a restrição da súmula impede, por exemplo, que se peça restituição de tributos em dinheiro. “No caso da compensação, o direito é sempre exercido no futuro, nunca no passado”, lembra. “Não estaria reavendo o que paguei, mas extinguindo meu direito pela compensação.” De acordo com Pria, o mero reconhecimento de um direito não gera efeitos patrimoniais.
Não foi o caso, segundo o ministro Fux, da compensação pedida pela TV Gazeta no recurso julgado pela 1ª Turma. “O pedido de compensação, conjugado ao pedido de incidência de correção monetária e de juros moratórios, atinente ao “seguro-apagão”, caracteriza pedido de restituição”, disse em resposta encaminhada por e-mail à revista Consultor Jurídico.
Segundo o ministro, a empresa não conseguiu comprovar seu direito líquido e certo aos créditos. “O Mandado de Segurança reclama lesão ou ameaça de iminente lesão por ato de autoridade, e no RMS 24.865/MT não houve comprovação de nenhum ato concreto obstativo da referida compensação.”
Ele afirma, ainda, que existe “uso promíscuo” de Mandados de Segurança pedindo “imposição de obrigação de não fazer com efeitos pretéritos”, como foi o caso do MS da TV Gazeta mato-grossense. Pedidos como esse, segundo ele, devem ser feitos via ações ordinárias, que “hoje comportam tutela antecipada”.
Por Alessandro Cristo
Fonte: Consultor Jurídico