STF. Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Anulação de TARE.

RELATÓRIO:Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pela Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça local, que recebeu a seguinte ementa:

“TRIBUTÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL. TARE. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINITÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Reconhece-se a ilegitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública em matéria tributária, ante a vedação expressa do artigo 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. (fls. 478/479, Relator Desembargador Natanael Caetano, julgado em 2/5/2007, DJ de 31/5/2007)” (grifos nossos).

Na origem, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra ** e o Distrito Federal com o objetivo de: (i) anular Termo de Acordo de Regime Especial – TARE, firmado entre ambos, nos termos da Lei Distrital 1.254/96, alterada pela Lei Distrital 2.381/99, que estabeleceu o regime especial de apuração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS devido pela empresa ou, alternativamente, anular apenas a primeira cláusula do referido ajuste e (ii) obter a condenação desta ao pagamento do imposto não recolhido, acrescido de juros e correção monetária, desde a citação.
Na inicial, o Parquet alegou, em resumo, que o DF, invadindo matéria reservada à lei complementar federal, editou o Decreto Distrital 20.322/99, à guisa de regulamentar a citada Lei Distrital 2.381/99, autorizando o comércio atacadista ou distribuidor a abater, indevidamente, o montante do imposto cobrado nas operações anteriores, na forma de alíquotas variáveis.
Acrescentou, ainda, que a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, deixando de observar os parâmetros estabelecidos no próprio Decreto, editou a Portaria 292/99, que estabeleceu percentuais de crédito fixos para os produtos que enumera, tanto para as saídas internas quanto para as interestaduais, diminuindo, assim, o valor que deveria ser recolhido a título de ICMS.
Disse, mais, que, ao cabo de doze meses de vigência do acordo, o Subsecretário da Receita do DF descumpriu o disposto no art. 36, § 1º, da Lei Complementar Federal 87/96 e nos arts. 37 e 38 da Lei Distrital 1.254/96, porque não teria procedido à apuração do imposto devido, com base na escrituração regular do contribuinte, apurando eventuais diferenças positivas ou negativas, para o efeito de pagamento ou compensação.
Assinala, por fim, o MP/DF, que o TARE sob exame “causou prejuízo mensal ao Distrito Federal, em termos percentuais que variam entre 2,5% (dois e meio por cento) a 4% (quatro por cento), nas saídas interestaduais e de 1% (um por cento) a 4,5% (quatro e meio por cento), nas saídas internas, do ICMS devido”.
O magistrado de primeiro grau declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da Lei Distrital 2.381/1999, julgando procedente a ação civil pública, ao argumento de que o diploma normativo em questão afronta o pacto federativo.
Inconformados, os subscritores do TARE interpuseram recursos de apelação. Em preliminar, alegaram a ilegitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública em matéria tributária, bem como a inadequação daquele instrumento processual para solucionar a questão, além da necessidade de suspender-se o processo até julgamento final da ADI 2.440/SP, sob minha relatoria, a qual – esclareço, desde logo – julguei prejudicada pela perda superveniente de objeto, com fundamento no art. 21, IX, RISTF (DJ de 27/3/2008).
No mérito, sustentaram a inocorrência de lesão ao patrimônio público, negando, ainda, que a empresa, ora recorrida, tenha obtido qualquer benefício fiscal, em razão da celebração do acordo entre ela e o Distrito Federal.
O TJ/DF acolheu a preliminar de ilegitimidade ad causam do Ministério Público sob o fundamento de que a ação civil pública versa sobre matéria tributária. Dessa decisão, foram opostos embargos de declaração, os quais se viram rejeitados.
Irresignado, o Parquet interpôs o presente recurso extraordinário. Inicialmente, assenta a existência de repercussão geral do tema, visto tratar-se de discussão sobre a legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública em defesa da ordem tributária, do patrimônio público e dos interesses e direitos difusos da coletividade do Distrito Federal. No mérito, assevera, em suma, que o aresto recorrido afrontou os arts. 5º, XXXV, 102, III, a, b e c, e 129, III e IX, da Constituição Federal.
Apresentadas as contra-razões (fls. 526-571 e 572-585), o recurso extraordinário foi admitido (fls. 621-625). Em 14/3/2008, manifestei-me pela existência da repercussão geral, que foi reconhecida por esta Suprema Corte, no dia 3/4/2008, por maioria de votos, em acórdão assim ementado:

LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NULIDADE DE ACORDO PARA PAGAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. DETRIMENTO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E DA ORDEM TRIBUTÁRIA. REPERCUSSÃO GERAL.

Em petição recebida como questão de ordem, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios requereu o sobrestamento de todos os processos relativos aos TAREs, até o deslinde da matéria constitucional pelo STF, em face de seu caráter prejudicial, in verbis:

“atento a que são mais de 700 feitos, quase todos já deduzidos ou que serão contestados mediante semelhantes recursos extraordinários, requer o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios que V. Exa. determine ao Superior Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, expressamente, conforme o disposto no citado art. 328 do RISTF, o sobrestamento, em todos os graus, inclusive em sede especial, das causas relativas ao TARE, até o deslinde da matéria pelo plenário do Supremo Tribunal Federal”.

A questão de ordem foi resolvida pelo Plenário desta Corte no sentido do sobrestamento requerido pelo Parquet, em acórdão que recebeu a seguinte ementa:

“QUESTÃO DE ORDEM. PREJUDICIALIDADE CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL – TARE. LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. AFRONTA AO ART. 129, III, DA CF. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PREJUDICIALIDADE CONSTITUCIONAL VERIFICADA.
I – A prejudicial suscitada consubstancia-se em uma prioridade lógica necessária para a solução de casos que versam sobre a mesma questão, preenchendo todos os requisitos que determinam a prejudicialidade constitucional.
III – Precedentes.
IV – Questão resolvida, com determinação de sobrestamento das causas relativas ao Termo de Acordo de Regime Especial que estiverem em curso no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios até o deslinde da matéria por este Plenário”.

Deixei de ouvir o Ministério Público Federal, uma vez que, em inúmeros outros casos que versavam sobre a mesma questão, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela legitimidade do Parquet para propor ação civil pública contra os TAREs, firmados entre o DF e empresas privadas, tendo em vista a defesa do patrimônio público. Menciono, dentre outros seguintes processos: RE 559.637/DF, de minha relatoria, AC 1.984/DF, Rel. Min. Carlos Britto, RE 563.837/DF, Rel. Min. Eros Grau, RE 553.272/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, RE 563.582/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes e o RE 572.797/DF, Rel. Min. Menezes Direito.
É o relatório.

VOTO: Como visto, o presente RE diz respeito à legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial – TARE firmado entre o Distrito Federal e empresa privada, no caso, fornecedora de equipamentos educacionais.
O tema foi objeto de controle de legalidade pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 845.034/DF, Rel. Min. José Delgado. Entendeu aquela Corte, por maioria de votos, que o TARE versa sobre matéria tributária individualizável, o que afastaria a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública com o escopo de anular o benefício fiscal em tela, nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Lei 7.347/1985, abaixo transcrito:

“Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados” (incluído pela Medida Provisória 2.180-35/2001 – grifos nossos).

Com a devida vênia, entendo, no entanto, que tal conclusão não pode prosperar, sobretudo quando confrontada com o texto constitucional. Com efeito, observo que a ação civil pública ajuizada contra o TARE em questão não se cinge à proteção de interesse individual, mas abarca interesses metaindividuais, visto que tal acordo, ao beneficiar uma empresa privada assegurando-lhe o regime especial de apuração do ICMS, pode, em tese, mostrar-se lesivo o patrimônio público, o que, por si só, legítima a atuação do Parquet.
Tratando do tema, leciona Barbosa Moreira, que os interesses metaindividuais são “interesses essencialmente coletivos”, pois

“o interesse em jogo, comum a uma pluralidade indeterminada (e praticamente indeterminável) de pessoas, não comporta decomposição num feixe de interesses individuais que se justapusessem como entidades singulares, embora análogas. Há, por assim dizer, uma comunhão indivisível de que participam todos os possíveis interessados, sem que se possa discernir, sequer idealmente, onde acaba a ‘quota’ de um e onde começa a de outro. Por isso mesmo, instaura-se entre os destinos dos interessados tão firme união, que a satisfação de um só implica de modo necessários a satisfação de todos e, reciprocamente, a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade”.

De fato, a Constituição Federal estabeleceu, no art. 129, III, que o Ministério Público tem, dentre outras, a função institucional de “promover o inquérito e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
E a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a legitimidade do MP para ajuizar ações civis públicas em defesa de interesses metaindividuais, a exemplo das decisões abaixo:

“MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. LEGITIMIDADE PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS. MENSALIDADES ESCOLARES. ADEQUAÇÃO ÀS NORMAS DE REAJUSTE FIXADAS PELO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária do dia 26 de fevereiro de 1997, no julgamento do RE 163.231-3, de que foi Relator o eminente Ministro Maurício Corrêa, concluiu pela legitimidade ativa do Ministério Público para promover ação civil pública com vistas à defesa dos interesses coletivos. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE 190.976/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão – grifos nossos).

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO. 1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação” (RE 163.231/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa).

Esta Corte também tem confirmado, sistematicamente, a competência do Parquet para defender o erário, em juízo. Entre os muitos julgados nessa direção, destaco o AI 497.618-ED/SP e o AI-AgR 491.081/SP, ambos relatados pelo Min. Carlos Velloso, e os REs 267.023/MA e 248.202/MG, os dois de relatoria do Min. Moreira Alves, cuja ementa transcrevo abaixo:

“Recurso Extraordinário – O Plenário desta Corte, no RE 208.790, em hipótese análoga à presente, entendeu que é o Ministério Público legitimado para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público – Desse entendimento divergiu o acórdão recorrido. Recurso Extraordinário conhecido e provido”.

Também a doutrina consagrou a legitimidade do Ministério Público agir em defesa patrimônio público. Nessa linha, Teori Albino Zavascki afirma que

“Menção especial é de ser feita à tutela do patrimônio público e social, que, segundo o art. 129, III, da Constituição, compõe, juntamente com o meio ambiente e ‘outros interesses difusos e coletivos’, o objeto da ação civil pública a que se legitima o Ministério Público. É certo que a lesão àqueles bens (patrimônio público e social) constitui lesão a interesse de toda a sociedade, sendo apropriada, por isso mesmo, a qualificação de interesse transindividual que lhe foi atribuída (…).
Não pode ser aceita (…) a posição que vai ao extremo de negar, taxativamente, a legitimação do Ministério Público na defesa do patrimônio público, ou de limitá-la às hipóteses de tutela de interesses difusos e coletivos. Tal limitação importaria fazer tabula rasa da norma constitucional do art. 129, III, que prevê expressamente tal legitimação, tanto em defesa dos direitos difusos e coletivos, quanto do patrimônio público e social, considerados, um em relação ao outro, categorias jurídicas distintas e autônomas”.

No caso sob exame, o Parquet do Distrito Federal não objetiva, primacialmente, obter a declaração de inconstitucionalidade de legislação local, nem a sua incompatibilidade com a lei complementar federal, buscando, em essência, o reconhecimento da nulidade do acordo firmado entre a Administração Pública e determinado contribuinte, que teria causado prejuízo ao erário, em face de recolhimento de ICMS a menor.
Como assinalado no relatório, o Ministério Público veiculou que a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, deixando de observar os parâmetros estabelecidos no próprio Decreto regulamentar, editou a Portaria 292/99, que estabeleceu percentuais de crédito fixos para os produtos que enumera, tanto para as saídas internas quanto para as interestaduais, diminuindo, assim, o valor que deveria ser recolhido a título de ICMS.
Sustentou, ainda, que, ao cabo de doze meses de vigência do acordo, o Subsecretário da Receita do DF descumpriu o disposto no art. 36, § 1º, da Lei Complementar Federal 87/96 e nos arts. 37 e 38 da Lei Distrital 1.254/96, porque não teria procedido à apuração do imposto devido, com base na escrituração regular do contribuinte, apurando eventuais diferenças positivas ou negativas, para o efeito de pagamento ou compensação.
Em razão disso, o MP/DF conclui que o TARE sob exame “causou prejuízo mensal ao Distrito Federal, em termos percentuais que variam entre 2,5% (dois e meio por cento) a 4% (quatro por cento), nas saídas interestaduais e de 1% (um por cento) a 4,5% (quatro e meio por cento), nas saídas internas, do ICMS devido”.
Não vejo, assim, concessa venia, como aplicar-se à espécie o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/1985, que veda a propositura de ações civis públicas, pelo MP, para veicular pretensões relativas a matéria tributária individualizáveis. Isso porque a ação civil pública não foi ajuizada para proteger direito de determinado contribuinte, mas para defender o interesse mais amplo de todos os cidadãos do Distrito Federal, no que respeita à integridade do erário e à higidez do processo de arrecadação tributária, que apresenta, a meu ver, natureza manifestamente metaindividual.
De fato, ao veicular, em juízo, a ilegalidade do acordo que concede regime tributário especial à determinada empresa, bem como a omissão do Subsecretário da Receita do DF no concernente à apuração do imposto devido, a partir do exame da escrituração do contribuinte beneficiado, o MP agiu, segundo entendo, em defesa do patrimônio público, na forma preconizada pelo art. 129, III, da Constituição Federal.
Nas palavras oportunas de Hugo Nigro Mazzili, colacionadas em parecer da PGR, veiculado no RE 559.637-1/DF,

“não é absurdo algum que o Ministério Público defenda o patrimônio Público” e “ao fazê-lo não agirá em nada contra sua natureza institucional, e seria de todo ilógico que a Constituição e as leis legitimassem um único cidadão para defender o patrimônio de todos, mas negassem essa possibilidade ao Ministério Público, encarregado que é de defender toda a coletividade. Por isso é que, hoje, não teria mais sentido admitir que a única hipótese em que o Ministério Público pudesse defender o patrimônio público seria apenas em caso de o cidadão desistir da ação popular, como ocorria antes da Constituição de 1988″.

E acrescenta:

“o papel do Ministério Público é compatível com a defesa do erário, sim, mas por meio de legitimação extraordinária (daquele que, em nome próprio, defende direito alheio, não da legitimação ordinária (daquele que, em nome próprio, defende direito próprio).”

Por essas razões, dou provimento ao presente recurso extraordinário para anular o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que deverá analisar a questão de fundo veiculada na ação civil pública conforme entenda apropriado.
É como voto.
* acórdão pendente de publicação
** nome suprimido pelo Informativo