STF. Cautelar. ICMS. Incentivo fiscal. Interestadual. Convênio. Glosa indevida.

1. Ajuizada Ação Cautelar para agregar efeito suspensivo a Recurso Extraordinário interposto nos autos dos Embargos à Execução Fiscal nº 007904143541-7 contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, foi negado seguimento à ação e considerado prejudicado o pedido de liminar, sob o entendimento de que se cuida de matéria a ser resolvida pela ótica infraconstitucional.
2. A Requerente interpõe Agravo Regimental destacando que a Ação Cautelar que ajuizou perante o Superior Tribunal de Justiça foi julgada extinta em razão do caráter constitucional da matéria. A par disso, ressalta que esta Corte vem enfrentando as questões relacionadas à guerra fiscal e que foram apontadas em seu recurso extraordinário ofensas aos arts. 97, 102, I, a, 150, I, 155, II, § 2º, I e IV, da Constituição. Afirma que a demanda deve ser solucionada com base em argumentos de índole constitucional.
Diz que o benefício do crédito de 2% outorgado pelo Estado de Goiás em nada interfere na base de cálculo utilizada para cobrança do ICMS a ele devido e que tal benefício só terá efeito prático para fins de recolhimento do tributo, não interferindo no montante do crédito a ser utilizado na operação subseqüente. Haveria, pois, na glosa realizada pelo Estado de Minas Gerais, ofensa ao princípio da não-cumulatividade. Ademais, ato unilateral de um Estado estaria implicando redução da alíquota interestadual fixada pelo Senado. Diz da competência desta Corte para julgar ofensas de lei local contestada em face de lei federal.
Pede reconsideração da decisão.
3. Revendo os autos à luz do agravo regimental interposto pela empresa Requerente, verifico que, embora a questão pudesse desafiar solução infraconstitucional, também apresenta consistente fundamentação constitucional, amparada em precedentes desta Corte.
É que o Estado de Minas Gerais, inconformado com a inconstitucionalidade de crédito de ICMS concedido pelo Estado de Goiás, teria glosado parcialmente a apropriação de créditos nas operações interestaduais, com isso ofendendo a sistemática da não-cumulatividade desse imposto e a alíquota interestadual fixada pelo Senado, ambas com assento constitucional.
Entendo, pois, que há relevante discussão de índole constitucional, de modo que é caso de reconsiderar a decisão recorrida e de conhecer do pedido de liminar.
4. A pretensão de suspensão da exigibilidade do crédito, com a conseqüente suspensão da execução fiscal, merece acolhida.
Há forte fundamento de direito na alegação de que o Estado de destino da mercadoria não pode restringir ou glosar a apropriação de créditos de ICMS quando destacados os 12% na operação interestadual, ainda que o Estado de origem tenha concedido crédito presumido ao estabelecimento lá situado, reduzindo, assim, na prática, o impacto da tributação.
Note-se que o crédito outorgado pelo Estado de Goiás reduziu o montante que a empresa teria a pagar, mas não implicou o afastamento da incidência do tributo, tampouco o destaque, na nota, da alíquota própria das operações interestaduais.
Ainda que o benefício tenha sido concedido pelo Estado de Goiás sem autorização suficiente em Convênio, mostra-se bem fundada a alegação de que a glosa realizada pelo Estado de Minas Gerais não se sustenta. Isso porque a incidência da alíquota interestadual faz surgir o direito à apropriação do ICMS destacado na nota, forte na sistemática de não-cumulatividade constitucionalmente assegurada pelo art. 155, § 2º, I, da Constituição e na alíquota estabelecida em Resolução do Senado, cuja atribuição decorre do art. 155, § 2º, IV.
Não é dado ao Estado de destino, mediante glosa à apropriação de créditos nas operações interestaduais, negar efeitos aos créditos apropriados pelos contribuintes.
Conforme já destacado na decisão recorrida, o Estado de Minas Gerais pode argüir a inconstitucionalidade do benefício fiscal concedido pelo Estado de Goiás em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo certo que este Supremo Tribunal tem conhecido e julgado diversas ações envolvendo tais conflitos entre Estados, do que é exemplo a ADI 2.548, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 15.6.2007.
Mas a pura e simples glosa dos créditos apropriados é descabida, porquanto não se compensam as inconstitucionalidades, nos termos do que decidiu este tribunal quando apreciou a ADI 2.377-MC, DJ 7.11.2003, cujo relator foi o Min. Sepúlveda Pertence:
“2. As normas constitucionais, que impõem disciplina nacional ao ICMS, são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia do Estado, na medida em que são explícitas limitações.
3. O propósito de retaliar preceito de outro Estado, inquinado da mesma balda, não valida a retaliação: inconstitucionalidades não se compensam.”
O risco de dano está presente no fato de que a sede administrativa da Requerente está na iminência de ser leiloada.
5. A pretensão manifestada pela Requerente não equivale, propriamente, à simples atribuição de efeito suspensivo ao recurso extraordinário. Para que seja obstado o curso da Execução Fiscal, faz-se necessária a concessão de tutela com tal efeito, conforme já destacado por este Tribunal por ocasião do julgamento da AC 2.051 MC-QO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe 9.10.2008. A pretensão, pois, em verdade, exige a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
6. Ante o exposto, reconsidero a decisão anterior, conheço da ação cautelar e concedo medida liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário em cobrança, nos termos do art. 151, V, do CTN, sustando, com isso, a execução e os respectivos atos expropriatórios.
Publique-se, intimem-se e cite-se o Estado requerido.
Brasília, 21 de junho de 2010.
Ministra Ellen Gracie
AC 2611 – AÇÃO CAUTELAR
Origem: MG – MINAS GERAIS
Relator: MIN. ELLEN GRACIE
REQTE.(S) BRF – BRASIL FOODS S/A
ADV.(A/S) EDUARDO PUGLIESE PINCELLI E OUTRO(A/S)
REQDO.(A/S) ESTADO DE MINAS GERAIS
ADV.(A/S) ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS