Com o avanço das práticas de governança corporativa no Brasil, aumentam as exigências em relação aos profissionais responsáveis por observar o cumprimento dessas regras dentro das empresas. Uma das funções onde já é possível enxergar mudanças de perfil é o secretário de governança corporativa ou de conselho de administração.
Originalmente, o ocupante desse cargo apenas anotava os pontos discutidos e decisões tomadas nas reuniões, e redigia a ata dos encontros. “Muitas vezes, o presidente do conselho levava sua própria secretária para isso”, explica Arthur Vasconscellos, sócio da empresa de recrutamento Caldwell Partners. Hoje, a procura é por alguém que se dedique exclusivamente à função e que contribua com conhecimento de governança corporativa, de regulações do mercado de capitais e do negócio em si.
 
Subordinado ao presidente do conselho, o profissional também precisa conseguir transitar entre a alta cúpula da empresa, o que exige um perfil quase diplomático, na opinião de Vasconscellos. “Ele deve ser a ponte entre os membros do conselho, que muitas vezes são estrelas, e a administração da companhia. Seu trabalho envolve cobrar até o CEO sobre o que foi discutido nas reuniões”, diz.
 
A mudança gradual de perfil motivou o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), inclusive, a alterar a nomenclatura da função de secretário do conselho para secretário de governança corporativa. Com o novo título, o grupo quer indicar que o contato do profissional não é apenas com os membros do “board”, mas com diversas esferas de poder da organização.
 
A presença de um secretário com mais responsabilidade do que apenas a redação das atas depende, no entanto, do nível de maturidade da governança dentro da empresa. “É uma posição importante dentro da governança corporativa, e que se torna cada vez mais relevante com o avanço dessas práticas”, diz Dominique Einhorn, sócio da empresa de recrutamento Heidrick & Struggles.
 
O status do profissional e o vínculo com a companhia também varia. Há casos em que eles são contratados pela empresa para exercer essa função continuamente, enquanto em outros o trabalho é realizado pro alguém autônomo, com disponibilidade similar à de um conselheiro, ou por advogados de escritórios que prestam serviço para a empresa.
 
O diretor da consultoria especializada em estruturação de conselhos de administração Mesa Corporate Governance, Herbert Steinberg, percebe mais procura por profissionais qualificados para essa função nos últimos três anos – com intensidade maior ao longo dos últimos nove meses. A demanda aparece tanto por parte de companhias que estão montando conselhos, quanto de empresas que estão trocando o secretário por alguém com perfil mais maduro. Segundo o consultor, isso é reflexo de um cenário em que mais empresas brasileiras buscam estruturar seus colegiados “para que eles funcionem, e não só atendam às demandas dos sócios”.
 
Gisélia Silva, coordenadora de uma comissão do IBGC formada por profissionais da área, percebe uma procura maior por profissionais com perfil qualificado – ainda que não na velocidade que o instituto gostaria – em razão do atual clima de preocupação entre as empresas após casos como a Operação Lava-Jato. Para ela, uma atenção maior à governança é o próximo passo após o investimento das companhias em áreas como controle de risco e compliance.
 
O IBGC promove, desde 2009, um curso voltado para a função do secretariado de governança corporativa, que vai realizar a sua 16ª edição em março deste ano. Em 2013, 55 pessoas participaram das duas turmas e, em 2015, foram mais de 100 inscritos para três grupos diferentes. A comissão do IBGC que reúne profissionais da área possui hoje 22 pessoas, que se reúnem a cada dois meses. Segundo Gisélia, desde a formação do grupo em 2010, o perfil das organizações onde esses profissionais trabalham também mudou. “Antes eram apenas companhias grandes, mas hoje há também empresas familiares com profissionais como parte da série Cadernos de Governança, que descreve as melhores práticas do assunto no país.
 
Com o material, uma das intenções do IBGC é desmistificar a função. Gisélia afirma que o instituto foi procurado por empresas de recrutamento que recebiam das companhias a demanda por esse profissional, mas desconheciam o perfil necessário. “A denominação secretário ainda é muito associada a uma atividade burocrática”, diz.
 
Em sua opinião, o secretário de governança é quem garante a comunicação entre todas as partes envolvidas na tomada de decisão da empresa. “Para ser um agente facilitador, ele precisa ter um perfil maduro. É alguém que vai trabalhar sob pressão, ter responsabilidades e acesso a informações privilegiadas”, diz.
 
A advogada Sandra Catchpole assumiu essa função no grupo pernambucano Ser Educacional em maio do ano passado. Com passagens pela prática de direito corporativo em escritórios de advocacia e jurídico de empresas, bem como uma posição de “local ethics officer” em uma multinacional de bebidas, Sandra hoje é secretária do conselho de administração do grupo, que tem ações listadas na Bovespa. No cargo, ela responde diretamente ao presidente do conselho e sócio controlador do grupo, José Janguiê Bezerra Diniz. Antes dela, o trabalho era exercido por funcionários da companhia, que acumulavam a função.
 
Sandra é responsável por organizar as reuniões do conselho, realizadas mensalmente, acompanhar os encontros e publicar as atas. Depois dessa parte mais “burocrática”, no entanto, vem o trabalho mais importante: garantir que as decisões tomadas nas reuniões sejam cumpridas. “O objetivo é otimizar o funcionamento do conselho, tornar o fluxo de informações mais transparente e fazer um acompanhamento diário das decisões junto a todas as áreas da empresa”, diz. Isso envolve contato não só com os membros do conselho e o presidente do colegiado, mas com os diretores da companhia.
 
Isso envolve contato não só com os membros do conselho e o presidente do colegiado, mas com os diretores da companhia. “É sempre uma questão de jogo de cintura cobrar ações e fazer com que a pessoa se sinta parceira”, diz. Ela considera, entretanto, que o grupo possui uma boa consciência de práticas de governança, o que facilita seu dia a dia. “Quanto mais maduro o conselho, mais fácil o trabalho”, diz.
 
O maior desafio, para ela, é manter uma visão macro do funcionamento da empresa. Além de consultar constantemente os manuais de governança do IBGC – Sandra também pretende fazer o curso de secretariado do instituto neste ano -, ela já está no segundo curso de contabilidade. “Mesmo sem interferir na reunião, é importante entender o porquê de cada decisão.”
 
Para ela, conhecimentos financeiros e de direito, além do entendimento do estatuto da empresa e do regimento do conselho e dos comitês, são essenciais para quem atua nessa posição. “Também é preciso ser muito organizado”, enfatiza.
 
Fonte: Valor Econômico