O efeito cambial no programa de repatriação de recursos, com a fixação do câmbio de conversão para o cálculo do imposto de renda de 31 de dezembro de 2014, quando o dólar estava cotado a R$ 2,66, vai gerar uma situação inusitada: “quem mandou dinheiro para fora regularmente até mesmo para investimentos, se receber dividendos e quiser repatriar, vai pagar a alíquota efetiva de Imposto de Renda, de 27,5% [maior do que os 20% calculados pelo mercado para o programa]”, afirma Luiz Bichara, sócio do Bichara Advogados. A tabela regressiva vale para rendimentos de empresas constituídas no exterior, estrutura comum entre brasileiros com patrimônio fora. 
A lei sancionada pela presidente Dilma possibilita que, por meio de uma declaração voluntária de origem lícita, o contribuinte brasileiro possa regularizar a situação de bens, recursos ou direitos não declarados e mantidos no exterior. Na regularização dos ativos, será necessário o pagamento de 30% 15% a título de multa e 15% de IR sobre ganho de capital. Como foi fixado câmbio de 31 de dezembro de 2014 para o cálculo do imposto, a alíquota efetiva sobre os recursos será ao redor de 20%, considerandose o câmbio atual, a R$ 4. 
“Pagar na casa de 20%, 22%, é barato para que a pessoa saia da ilegalidade se tem no exterior recursos de origem lícita. É possível optar por repatriar os recursos ou mantêlos no exterior, declarando no Brasil”, diz Carlos Leoni, sócio do Leoni Siqueira Advogados. 
Em sua primeira leitura da lei sancionada pela presidente, Bichara vê uma situação que pode gerar alguma insegurança na redação do parágrafo 12 do artigo 4, diz que a “declaração de regularização não poderá ser, por qualquer modo, utilizada com único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal”. Segundo ele, a palavra “único”, que não estava na redação anterior, possibilita que essas declarações possam fazer eventualmente parte de outras investigações, já que a regulamentação não veda que o Ministério Público acesse as declarações. 
Outra questão levantada por Bichara é o veto da presidente do inciso I do parágrafo 2º do art 5º, que previa a aplicação dos efeitos da anistia a todos aqueles que tivessem participado dos crimes descritos na lei. Após o veto, a anistia só perdoa o agente que praticar a repatriação, e não outros envolvidos na circunstância que gerou a manutenção dos recursos no exterior. “Se um sócio de uma empresa recebeu um valor não declarado, e agora opta por repatriálo, parece que a declaração dele poderá ser usada em alguma investigação sobre a empresa, por exemplo”, avalia Bichara. “Imagine-se a situação de duas pessoas que venderam um imóvel, receberam valores não declarados, e apenas uma fará a repatriação. Aparentemente essa outra poderá sofrer penalidades.” 
Em resumo, a declaração do contribuinte não poderá ser utilizada para dar início a qualquer eventual investigação, mas pode fazer parte de processos em andamento. Leoni explica que a lei foi preparada apenas para viabilizar a situação de operações em que a origem do dinheiro seja lícita. “Ela quer regularizar a situação de quem sonegou um tributo, recebeu um dinheiro no exterior não declarado, entre outros. Mas ela não auxilia de forma alguma, por exemplo, a legalização de recursos obtidos através de corrupção”, diz. 
A redação da lei sancionada pela presidente prevê anistia para os crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, uso de documento falso, associação criminosa, contabilidade paralela e funcionamento irregular de instituição financeira. Foram excluídos os crimes de falsa identidade em operação de câmbio e contrabando, entre outros. O regime também não poderá ser aplicado às obras de arte, antiguidades, joias e rebanho animal, muito provavelmente pela dificuldade de precificação desses itens. 
Bichara também destaca que o texto com vetos da presidente estabelece que qualquer pessoa que tenha alguma condenação criminal em primeira instância não poderá aderir à regularização o texto anterior falava em condenação definitiva. Inicialmente esperava-se que a regulação final, após a publicação, saísse em 30 dias, mas a nova estimativa prevista é 15 de março. Dependendo de quando a regulação ficar pronta, o contribuinte deverá entregar a declaração de Imposto de Renda em abril e fazer uma retificadora quando regularizar a situação de seus bens no exterior. O prazo para aderir ao programa é de até 210 dias, contados da data em que entrar em vigor a regulamentação. 
A expectativa do governo brasileiro é alcançar cerca de R$ 150 bilhões em recursos com a regularização. Mas os advogados afirmam que hoje ainda é impossível precisar qual será a adesão. Esse tipo de programa tem sido utilizado, com êxito, por diversos países, incluindo Alemanha e Estados Unidos. 
“A partir deste ano vigora o Federal Account Tax Compliance Act (Fatca), acordo que fará com que os Estados Unidos repassem informações sobre os donos dos recursos mantidos por lá, o que pode se transformar num problema mais sério”, avalia Bichara. 
Um ponto que chamou a atenção de Bichara e que deverá ser rediscutido no Congresso é que a lei, após os vetos de Dilma, não diz para onde serão destinados os recursos obtidos com a taxa cobrada pela legalização. 
“A presidente vetou o repasse das multas para estados e municípios, seguindo critérios do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Aparentemente, os recursos irão apenas para a União, mas o governo havia negociado o repasse para estados e municípios para conseguir a tramitação no Congresso”, afirma Bichara. Ver também Lei de Repatriação de Ativos pode trazer riscos na área penal
Fonte: Valor Econômico