Recurso legal pode pagar mais IR do que dinheiro repatriado – 19/01/2016

O efeito cambial no programa de repatriação de recursos, com a fixação do câmbio de conversão para o cálculo do imposto de renda de 31 de dezembro de 2014, quando o dólar estava cotado a R$ 2,66, vai gerar uma situação inusitada: “quem mandou dinheiro para fora regularmente até mesmo para investimentos, se receber dividendos e quiser repatriar, vai pagar a alíquota efetiva de Imposto de Renda, de 27,5% [maior do que os 20% calculados pelo mercado para o programa]”, afirma Luiz Bichara, sócio do Bichara Advogados. A tabela regressiva vale para rendimentos de empresas constituídas no exterior, estrutura comum entre brasileiros com patrimônio fora.&#160

A lei sancionada pela presidente Dilma possibilita que, por meio de uma declaração voluntária de origem lícita, o contribuinte brasileiro possa regularizar a situação de bens, recursos ou direitos não declarados e mantidos no exterior. Na regularização dos ativos, será necessário o pagamento de 30% ­ 15% a título de multa e 15% de IR sobre ganho de capital. Como foi fixado câmbio de 31 de dezembro de 2014 para o cálculo do imposto, a alíquota efetiva sobre os recursos será ao redor de 20%, considerando­se o câmbio atual, a R$ 4.&#160

“Pagar na casa de 20%, 22%, é barato para que a pessoa saia da ilegalidade se tem no exterior recursos de origem lícita. É possível optar por repatriar os recursos ou mantê­los no exterior, declarando no Brasil”, diz Carlos Leoni, sócio do Leoni Siqueira Advogados.&#160

Em sua primeira leitura da lei sancionada pela presidente, Bichara vê uma situação que pode gerar alguma insegurança na redação do parágrafo 12 do artigo 4, diz que a “declaração de regularização não poderá ser, por qualquer modo, utilizada com único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal”. Segundo ele, a palavra “único”, que não estava na redação anterior, possibilita que essas declarações possam fazer eventualmente parte de outras investigações, já que a regulamentação não veda que o Ministério Público acesse as declarações.&#160

Outra questão levantada por Bichara é o veto da presidente do inciso I do parágrafo 2º do art 5º, que previa a aplicação dos efeitos da anistia a todos aqueles que tivessem participado dos crimes descritos na lei. Após o veto, a anistia só perdoa o agente que praticar a repatriação, e não outros envolvidos na circunstância que gerou a manutenção dos recursos no exterior. “Se um sócio de uma empresa recebeu um valor não declarado, e agora opta por repatriá­lo, parece que a declaração dele poderá ser usada em alguma investigação sobre a empresa, por exemplo”, avalia Bichara. “Imagine­-se a situação de duas pessoas que venderam um imóvel, receberam valores não declarados, e apenas uma fará a repatriação. Aparentemente essa outra poderá sofrer penalidades.”&#160

Em resumo, a declaração do contribuinte não poderá ser utilizada para dar início a qualquer eventual investigação, mas pode fazer parte de processos em andamento. Leoni explica que a lei foi preparada apenas para viabilizar a situação de operações em que a origem do dinheiro seja lícita. “Ela quer regularizar a situação de quem sonegou um tributo, recebeu um dinheiro no exterior não declarado, entre outros. Mas ela não auxilia de forma alguma, por exemplo, a legalização de recursos obtidos através de corrupção”, diz.&#160

A redação da lei sancionada pela presidente prevê anistia para os crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, uso de documento falso, associação criminosa, contabilidade paralela e funcionamento irregular de instituição financeira. Foram excluídos os crimes de falsa identidade em operação de câmbio e contrabando, entre outros. O regime também não poderá ser aplicado às obras de arte, antiguidades, joias e rebanho animal, muito provavelmente pela dificuldade de precificação desses itens.&#160

Bichara também destaca que o texto com vetos da presidente estabelece que qualquer pessoa que tenha alguma condenação criminal em primeira instância não poderá aderir à regularização ­ o texto anterior falava em condenação definitiva. Inicialmente esperava-­se que a regulação final, após a publicação, saísse em 30 dias, mas a nova estimativa prevista é 15 de março. Dependendo de quando a regulação ficar pronta, o contribuinte deverá entregar a declaração de Imposto de Renda em abril e fazer uma retificadora quando regularizar a situação de seus bens no exterior. O prazo para aderir ao programa é de até 210 dias, contados da data em que entrar em vigor a regulamentação.&#160

A expectativa do governo brasileiro é alcançar cerca de R$ 150 bilhões em recursos com a regularização. Mas os advogados afirmam que hoje ainda é impossível precisar qual será a adesão. Esse tipo de programa tem sido utilizado, com êxito, por diversos países, incluindo Alemanha e Estados Unidos.&#160

“A partir deste ano vigora o Federal Account Tax Compliance Act (Fatca), acordo que fará com que os Estados Unidos repassem informações sobre os donos dos recursos mantidos por lá, o que pode se transformar num problema mais sério”, avalia Bichara.&#160

Um ponto que chamou a atenção de Bichara e que deverá ser rediscutido no Congresso é que a lei, após os vetos de Dilma, não diz para onde serão destinados os recursos obtidos com a taxa cobrada pela legalização.&#160

“A presidente vetou o repasse das multas para estados e municípios, seguindo critérios do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Aparentemente, os recursos irão apenas para a União, mas o governo havia negociado o repasse para estados e municípios para conseguir a tramitação no Congresso”, afirma Bichara. Ver também Lei de Repatriação de Ativos pode trazer riscos na área penal

Fonte: Valor Econômico

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