PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS. PARTILHA DE COTAS DE EMPRESA. ACÓRDÃO ASSENTADO EM DETERMINADAS PREMISSAS FÁTICAS IMUTÁVEIS NO ÂMBITO DO RECURSO ESPECIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR.

1- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se devem ser partilhadas com o cônjuge as cotas sociais de empresa alegadamente obtidas pela outra parte mediante cessão gratuita de sua genitora; (ii) se o valor existente em previdência complementar privada aberta nas modalidades VGBL/PGBL deve ser partilhado por ocasião da dissolução do vínculo conjugal.

2- Ao determinar a partilha das cotas sociais de empresa entre os cônjuges, o acórdão recorrido estabeleceu determinadas premissas fáticas imutáveis incompatíveis com a alegação de que a partilha seria inviável por terem sido as cotas cedidas gratuitamente pela genitora da parte, de modo que, para infirmar essas premissas, seria indispensável o reexame do acervo fático-probatório, circunstância vedada pela Súmula 7/STJ.

3- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira.

4- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG).

5- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.

6- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002. Precedentes da 3ª e da 4ª Turma.

7- A atual jurisprudência das Turmas de Direito Privado não ofende anterior precedente da 2ª Seção, firmado no julgamento do EREsp 1.121.719/SP, pois, no referido precedente, debateu-se a possibilidade de decretação da indisponibilidade e de penhora da previdência privada aberta de administrador em virtude de intervenção, liquidação ou falência da instituição financeira por ele dirigida, levando-se em consideração naquele julgamento, ademais, as particularidades daquela hipótese específica, ao passo que a questão relacionada à partilha da previdência privada aberta entre os cônjuges pressupõe o exame da titularidade e da propriedade do valor aportado, ainda na fase de acumulação, a partir da dinâmica própria da entidade familiar.

8- No regime da comunhão de bens, a regra é a comunicabilidade e a intenção de construir conjuntamente a relação, inclusive sob a perspectiva patrimonial, razão pela qual se deve interpretar restritivamente as exceções, especialmente porque as reservas existentes no plano de previdência privada aberta foram formadas a partir do deslocamento de valores de propriedade comum da família, não sendo a constituição de propriedade formalmente exclusiva sobre a previdência privada aberta, em fase de acumulação, óbice à partilha.

9- A atual jurisprudência das Turmas de Direito Privado, que prevê a partilha entre os cônjuges dos valores existentes em previdência privada aberta por ocasião da dissolução do vínculo conjugal, não é incompatível com os precedentes das Turmas de Direito Público que fixaram a tese que não incide ITCMD sobre a previdência privada aberta, pois, sob a ótica do direito de família, discute-se a copropriedade dos cônjuges e natureza preponderante de investimento financeiro da previdência privada aberta na perspectiva da entidade familiar, ao passo que, sob a perspectiva do direito tributário, examina-se a matéria à luz da relação jurídica dos cônjuges perante o Fisco, da prevalência da natureza securitária mais protetiva da entidade familiar e da presença dos requisitos para a incidência do fato gerador do tributo.

10- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não-provido.
(REsp 1695687/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/04/2022, DJe 19/04/2022)