Os Contribuintes e o Alto Mar

Conforme foi amplamente divulgado pelas mídias especializadas e os meios de comunicação em geral, através da Lei 13.254/2016 e a Instrução Normativa 1.627/2016, o Governo Federal instituiu o denominado programa de repatriação dos bens e direitos que se encontravam no exterior, desde, é claro, que os mesmos não tivessem origem ilícita.

Para tanto, conforme definido na legislação mencionada acima, para aderir ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), seria preciso declarar o saldo bancário da conta em 31 de dezembro de 2014 e, diante do saldo apurado, recolhesse aos cofres tupiniquins o equivalente a 30% (trinta por cento).

Com a adesão ao referido programa, o Governo Federal garantiu a todos os contribuintes a completa imunidade, fiscal e penal, relacionada ao valor objeto do acordo em questão.

Pois bem, passados 06 (seis) meses do prazo de adesão e mais de R$ 170.000.000.000,00 (Cento e setenta bilhões de reais) arrecadados pela União, agora o que se vê é a movimentação dos Estados, capitaneados principalmente pelo Estado de São Paulo – o qual, inclusive, já editou a Portaria CAT 09/2017 -, com a pretensão de cobrar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) dos valores movimentados.

A estimativa é que do valor mencionado acima, cerca de 20% (vinte por cento) se enquadrem na categoria de herança ou doações.

Não obstante o difícil caminho em que os fiscos estaduais deverão percorrer para terem acesso às informações que liguem os eventuais beneficiários do programa, justamente pelo compromisso do fisco federal não compartilhar as informações resultantes daquela adesão, o que se vê, em mais esta oportunidade, é a completa deslealdade com que são acometidos os contribuintes, nessa relação voraz que mantém com os órgãos de fiscalização tributária.

Ora, confiando em algo determinado em uma lei, na qual a República Federativa do Brasil expressamente consagrou que, pagando determinado percentual, o contribuinte teria aquele bem ou valor totalmente regularizado e livre de qualquer cobrança, o contribuinte assim se planejou e assim conduziram as suas vidas sobre determinada forma, inclusive organizaram o seu fluxo de caixa com base exatamente na respectiva lei, baluarte maior do Estado Democrático de Direito.&#160

De repente, agora vêm os Estados e dizem: esqueçam o que a Lei Federal determinou. Tendo em vista que na respectiva arrecadação eu (Estado) não fui contemplado com nenhuma destinação, agora vocês contribuintes que se organizaram com a base na respectiva lei, também deverão recolher o ITCMD.

Ora, independentemente de não estarmos no rol daqueles contribuintes que aderiram ao referido programa, o certo é que como contribuintes que somos, mergulhamos em profunda insegurança.

Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme boia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no seu dorso.

Neste sentido, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só termina, quando todos os passageiros da boia estão dentro do mar.

Pois bem, é isso que sinto enquanto contribuinte quando me deparo com situações como essa. Sentado em uma boia, sem qualquer segurança e prestes a ser lançado em alto mar.

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LUIZ PAULO JORGE GOMES, é Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e atualmente exerce a função de Conselheiro Titular da Primeira Turma Ordinária, da Segunda Câmara, da Primeira Seção de Julgamento do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.

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