O pagamento retroativo dos juros sobre o capital próprio e sua dedutibilidade

O pagamento de juros sobre o capital próprio (JCP) é um instrumento tributário que, em seu nascedouro, teve por objetivo incentivar o empreendedorismo e tornar mais atrativo a capitalização das sociedades empresárias e mitigar o financiamento por dívidas, de modo que uma correta interpretação do instituto, com a compreensão de suas finalidades e as razões pelas quais foi instituído, vem sendo recepcionada pelo Poder Judiciário no sentido de permitir a dedução de JCP em relação a exercícios anteriores.

Nesse aspecto, procura-se, com o presente, situar de forma bastante breve o instituto e os fundamentos que embasam a possibilidade de o contribuinte a promover a dedutibilidade do pagamento retroativo de JCP das bases de IRPJ e CSLL.

Utilizando-se da conceituação trazida pelo Dr. Luiz Paulo Jorge Gomes em seu artigo denominado “Os juros sobre o capital próprio” publicado no presente sítio eletrônico no Boletim Informativo nº 615 de maio de 2022 (https://www.jorgegomes.com.br/os-juros-sobre-o-capital-proprio-3/), tem-se que os JCP figuram como sendo uma forma de remuneração aos acionistas ou sócios de empresas optantes do regime de lucro real, em razão do capital investido.

Nesse sentido, tem-se que os JCP representam um meio mais atrativo às empresas quando comparado aos dividendos, tendo em vista que, enquanto estes são registrados na escrita contábil como sendo lucro e, consequentemente, recaindo sobre a empresa o ônus financeiro decorrente da tributação, os JCP são calculados a partir do patrimônio líquido (não pelo lucro líquido) e registrados como despesa, de modo que sua tributação será suportada pelo investidor por meio da retenção na fonte.

Ademais, outra vantagem a ser pontuada é a dedutibilidade dos JCP sobre os valores de IRPJ e CSLL, conforme dispõe o artigo 9º da Lei nº 9.249/95, reduzindo em cerca de 34% o montante a ser recolhido a título das referidas exações, ao passo que será tributado a uma alíquota de 15% de IRRF, justamente por se configurar como despesas, de modo que os investidores se beneficiam dessa sistemática toda, tendo em vista que o êxito no exercício da atividade empresarial reflete nos valores a serem por eles percebidos.

Ocorre que, em razão da pandemia de Covid-19, muitas empresas optaram por se financiarem por meio de recursos próprios de forma a se evitar os elevados encargos financeiros na obtenção de recursos externos, razão pela qual não realizaram o pagamento dos JCP de anos anteriores.

A questão, recentemente recolocada em pauta, decorre da mudança de entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) acerca da possibilidade de dedução dos JCP pagos de forma acumulada, ou seja, aqueles que não foram pagos no ano-calendário de sua apuração.

O novo entendimento favorável aos contribuintes decorreu da aplicação do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, inserido pelo artigo 28 da Lei nº 13.988/2020, o qual extinguiu o voto de qualidade nos casos de empate em processo administrativo, hipótese em que deverá ser adotado o entendimento pró-contribuinte.

Nesse sentido, tem-se que o regime de competência ao qual se submetem os JCP diz respeito a sua apuração, ou seja, os requisitos imprescindíveis a sua configuração deverão estar presentes no exercício ao qual se referem, de modo que a dedutibilidade deverá observar o regime de caixa (o momento em que foi realizado o pagamento), tendo em vista que a legislação não trouxe qualquer limitação temporal a dedução dos juros em comento.

Portanto, qualquer disposição infralegal, como as Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal nº 11/96, nº 41/98 e nº 1.515/14 ofendem o princípio da legalidade, tendo em vista que os atos infralegais devem estrita obediência à lei, e não o contrário, conforme precedentes judiciais acerca da matéria, de modo que a autorização pela dedução retroativa está pautada, justamente, nessa ausência de restrição legal quanto ao momento em que deva ocorrer o pagamento dos JCP.

Por fim, é de se pontuar que, justamente em razão das finalidades do instituto trazido no início do presente artigo, vislumbra-se que o Projeto de Lei nº 2.337/2021, em trâmite perante o Senado Federal, o qual prevê a extinção dos JCP, figura como um retrocesso à política tributária, evidenciando a busca ao estímulo à realização de empréstimos para busca de capital, o que poderá culminar na evasão de investidores internacionais, contribuindo com o endividamento das empresas.

Todavia, considerando o recente entendimento do Carf, a existência de decisões judiciais favoráveis ao contribuinte reconhecendo a possibilidade de dedução dos JCP pago de forma retroativa ou cumulativa, bem como a necessária observância ao princípio da anterioridade pelas alterações legislativas, a Jorge Gomes Advogados se coloca à disposição para sanar qualquer dúvida e adoção das medidas cabíveis visando maior efetividade nas políticas financeiras da empresa.

MUNIRA MARI FUKUDA DE MOURA, é advogada na Jorge Gomes Advogados, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente. Pós-graduanda em Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Estudos Tributário – IBET.