Promulgada em 05 de outubro de 1988, a Constituição Federativa do Brasil, buscando implementar um adequado tratamento tributário às cooperativas, estabeleceu dentre os seus diversos artigos, inovador resguardo constitucional para aquilo que deveria ser um ápice no movimento cooperativista brasileiro. 
 
Porém, na contramão da tendência mundial de fortalecimento do cooperativismo como via intermediária de desenvolvimento entre o ultrapassado socialismo e o voraz e muitas vezes irresponsável liberalismo, nos deparamos com um cooperativismo totalmente desestimulado pelo Governo Federal e sendo, sem qualquer consciência, despersonalizado por Autoridades Fazendárias Federais.
 
Neste sentido, o que se visualiza é uma tendência de se pretender equipará-lo como sociedades empresárias comuns, esquecendo-se totalmente ou ao menos dando esta aparência, da vedação imposta acerca de uma tributação igual para todos os contribuintes, e desta forma, afronta de morte o princípio da isonomia, pois pretende tratar igualmente contribuintes, que por expressa disposição constitucional, são absolutamente desiguais.
 
As cooperativas nos dias atuais, sem ambages de serem constitucionalmente amparadas quanto ao tratamento tributário diferenciado (art. 174, § 2º e art. 146, III, “c” da CF/88), são tributadas como qualquer outra pessoa jurídica, em completo detrimento das razões sociais que lhes alberga.
 
As disposições acima mencionadas têm o condão de elucidar que o legislador constituinte originário, buscou elaborar uma política de fomento e proteção às cooperativas, constitucionalizando todo o sistema cooperativista.
 
Houve, assim, com a Constituição Federal de 1988 uma transição da preocupação do individual para o coletivo, tentando dirimir as flagrantes arestas existentes entre as diferentes classes sociais que possuímos em nosso País.
 
Por essa razão, com o escopo de demonstrar o aparato constitucional que alberga o cooperativismo, cumpre atentar-se, ainda, para os comandos constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, bem como dos comandos constitucionais de apoio às cooperativas, elencados expressamente no § 2.º, art. 174 da CF/88.
 
Diante de um sistema jurídico é imperioso que se analise, para uma correta interpretação e abstração dos textos legais, todas as normas em conjunto.
 
Dois pontos são certos: – a desigualdade entre as cooperativas e as sociedades empresariais e – a ausência de capacidade contributiva das cooperativas.
 
Considerando-se que as cooperativas são obrigadas a receber como associados todos aqueles que se interessarem (princípio da livre adesão) considerando-se que as cooperativas são administradas democraticamente, já que cada associado tem um voto, independentemente do seu capital (princípio da administração democrática) considerando-se que, nas cooperativas, os juros são limitados a um percentual do capital que nessas sociedades não há persecução de lucro, mas mera devolução de sobras (princípio da destinação de excedentes) que essas associações são obrigadas a promover a educação, há que se perguntar: sendo tão desiguais as cooperativas e as sociedades empresariais devem estas ter o mesmo tratamento fiscal, recolhendo os tributos de igual maneira e com as mesmas bases de cálculo e alíquotas?
 
Certamente que, em respeito ao princípio da igualdade, a resposta deve ser necessariamente negativa, sendo forçoso admitir que eventual resultado positivo conseguido pelas cooperativas, deve sofrer tributação diferenciada, conforme determina o texto constitucional.
 
Tributar igualmente o resultado eventual da cooperativa é tributar igualmente os desiguais, uma vez que esse resultado não é perseguido como objetivo, visto que o ato cooperativo conforme definido pela Lei nº 5.764/71, difere-se totalmente do ato de faturar atinente às sociedades empresarias. O ato cooperativo faz parte de um ordenamento jurídico distinto, não existindo entre associados ou cooperados e a cooperativa, operações de mercado.
 
Assim, insta advertir a interpretação absurdamente equivocada e tendenciosa do que se classifica como ato cooperativo. Ato cooperativo, como já afirmado, não é ato de comércio, não é ato de serviço, mas é ato distinto e de enquadramento particular. O desvirtuamento deste, simplesmente fulmina a razão de existir das cooperativas. Se atos cooperativos forem considerados como faturamento, fatalmente temos que considerar que existe uma relação comercial entre cooperados e cooperativas, tornando-as então sociedades empresárias como quaisquer outra.
 
Desta forma, oportuno ressaltar que o resultado positivo obtido pelas sociedades cooperativas nas operações realizadas com seus associados, denominados “ato cooperativos”, não pode integrar a base de cálculo para incidência tributária.
 
Por fim, insta ressaltar que nos dias atuais o cooperativismo congrega mais de dez milhões de pessoas, contribuindo sobremaneira com o incremento do produto interno bruto brasileiro. Assim, os efeitos de uma interpretação equivocada vão muito além do que se pode imaginar. A “falência” deste sistema econômico seria de tamanho alcance que colocaria em risco a própria economia nacional. E não se trata de protecionismo, mas sim de respeito à ordem constitucional vigente em nosso País.
 
LUIZ PAULO JORGE GOMES, é Advogado, sócio da Jorge Gomes Advogados, Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP.