Apesar de resistir a mudanças na lei do programa de regularização (ou “repatriação”) de ativos no exterior, o governo recentemente adotou algumas novas interpretações normativas cuja consequência foi tornar mais claro o programa para quem pensa em aderir. Nas últimas duas semanas, a Receita Federal e o Banco Central fizeram esclarecimentos sobre itens que estavam causando desconforto em potenciais participantes do programa.
O governo já sinalizava que poderia fazer interpretações mais amigáveis aos contribuintes, de modo a dar mais segurança ao programa, conter a pressão por mudanças no Congresso Nacional e até atrair mais contribuintes. Ao aderir à repatriação, o cidadão deve pagar 30% do valor declarado a título de multa e imposto, ficando anistiado dos crimes relacionados ao dinheiro remetido ilegalmente ou não declarado.
Uma das interpretações favoráveis ao contribuinte é a que considera que o prazo para decadência tributária (que é até quando a Receita pode fazer o lançamento de um tributo não recolhido no passado) não é 31 de dezembro de 2014 e sim o atual momento. Essa dúvida foi levada à Receita por muitos tributaristas. Dessa forma, o período para lançamento pela Receita sai, na maioria dos casos, de 2009 para 2011 ou 2012, dependendo do artigo do código tributário nacional considerado.
Esse ganho de tempo é importante para o contribuinte avaliar a conveniência de aderir ao programa, do ponto de vista dos crimes fiscais, já que o órgão não pode lançar dívidas tributárias após cumprido o prazo de decadência. Além de um período mais recente para se considerar a adesão ao programa, o tamanho do “filme” levado em conta pela Receita para aplicação das regras da repatriação se reduz em cerca de um ano e meio.
Outra interpretação favorável ao contribuinte é a que considerou que o pagamento do tributo em caso de doação de dinheiro remetido ilegalmente só deve ser feito pelo doador. Com isso, evita-se uma situação muito reclamada por advogados, que era de quase zerar eventuais estoques doados de um avô, passando para o filho e deste para o neto.
Com essa compreensão, a Receita destaca que, caso haja algum delito adicional de quem recebeu a doação, caberia declaração e recolhimento. Seria, por exemplo, a situação de rendimentos no exterior não declarados e para o qual o cidadão precisa se livrar de um crime por ele cometido.
O Banco Central também fez uma interpretação que facilita a vida do contribuinte ao dizer que só basta fazer uma retificação na declaração de capitais no exterior em 2014 para o cidadão regularizar sua situação junto à autoridade, sem a necessidade de retificar as declarações de anos anteriores. Com isso, na interpretação de alguns advogados criminalistas, diminui-se o risco de processos por crime de evasão de divisas.
Para Fabrício Dantas, advogado do escritório Vinhas e Redenschi e ex-secretário-executivo adjunto do ministério da Fazenda, as recentes interpretações do governo de fato são mais benéficas aos contribuintes e deixam mais claras as regras. Ele considera que ainda poderia ser mais claro em que ano realmente acaba o prazo decadencial, se em 2011 ou 2012, mas reconhece que houve um avanço. Segundo Dantas, agora está claro que a Receita considera esse período um “curta-metragem” e não um filme de longa duração.
Na avaliação do advogado, que trabalhou na formatação do projeto, a medida mais importante foi a interpretação dada pelo BC sobre a declaração retificadora de capitais brasileiros no exterior. “Esse problema ficou resolvido”, disse. Havia um temor de que os contribuintes ficassem descobertos da anistia em relação ao crime cambial de evasão, problema resolvido com a retificação de 2014.
Para o advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara, do escritório Bichara Advogados, a declaração envolvendo um período retroativo de cinco anos (na prática, de novembro de 2011 até dezembro de 2014, data do saldo final a ser declarado) deve ser suficiente para garantir a anistia em relação ao crime de sonegação fiscal. Cinco anos é o tempo máximo previsto no Código Tributário Nacional para que a Receita possa fazer o lançamento de tributos que não foram pagos. Bichara aponta que a Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal (STF) diz que o Ministério Público só pode entrar com ação penal por crime tributário depois de exaurida a via administrativa, com o lançamento definitivo. “Se não tem a esfera administrativa, não tem constituição do crédito tributário e não tem crime de sonegação”, conclui.
Para ele, a maior dúvida permanece em relação ao crime de evasão – em que período seria necessário retroagir para garantir a anistia. Ele aponta que, para alguns criminalistas, as novas orientações do BC poderiam sinalizar que cinco anos seriam suficientes.
O advogado Antenor Madruga, do escritório Feldens Madruga, aponta que a orientação sobre o período abrangido pela declaração deve variar conforme a situação do cliente, dependendo da característica dos bens e movimentações feitas por ele.
Outra fonte de insegurança, entretanto, é o fato de a Lei de Repatriação estar em discussão no Supremo Tribunal Federal, em ação movida pelo PPS. A Procuradoria-Geral da República ainda não se manifestou no processo, apesar de declarações recentes de procuradores contrários à anistia.
Fonte: Valor Econômico