O texto do projeto de reforma tributária de Mato Grosso causou mais desconfiança do que boa acolhida de empresários e outros setores organizados da sociedade, e o curto tempo para debater a proposta pode “glosar” a urgência do governo.
O princípio de isonomia estabelecido pela reforma está dentre os principais pontos de questionamento, visto que provocará alterações na margem de recolhimento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), devido à ampliação da base de recolhimento. Para equilibrar a variação de taxação, a proposta é que haja uma alíquota mínima de 12% de cobrança, aumentando o peso sobre alguns setores como o de materiais de construção, sobre o qual recai, hoje, cobrança em torno de 10%.
Na outra ponta, setores que são mais onerados teriam aliviamento do peso, estreitando a variação de cobrança que vai de 3% a 42% no modelo atual do regime tributário, que opera na ilegalidade há, ao menos, cinco anos.
Segundo o governo, a mudança corrigirá as distorções do modelo em vigor, que abre prerrogativa para conflitos fiscais, com simplificação do sistema de taxação. “Para isso aquele que paga menos terá que pagar mais, para compensar aquele que tem sobrecarga hoje e deve pagar menos, para sermos isonômicos”, diz o secretário de Fazenda, Seneri Paludo.
No entanto, a novidade do modelo formulado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), junto com uma equipe técnica da Secretaria de Fazenda (Sefaz), tem deixado empresários e políticos desconfiados sobre a viabilidade do dispositivo. Apesar de simplificado em relação ao regime utilizado – o próprio tamanho do texto da reforma é apontado como indicativo de menos emaranhado de leis- há a desconfiança de que ocorra aumento na cobrança do ICMS, o que, se aprovado pela Assembleia Legislativa até o dia 22 de dezembro, complicaria o cenário comercial de Mato Grosso já afetado pela crise econômica no âmbito nacional.
“Precisamos estudar com muita cautela a proposta do governo porque não queremos pagar mais imposto. O setor da construção [civil], por exemplo, paga 10,5% de imposto e não quer pagar mais, não dá para pagar mais. Então, é necessário tempo para analisar a proposta”, pontua o presidente da Federação das Associações Comerciais e Empresariais de Mato Grosso (Facmat), Jonas Alves.
O governo, por seu lado, diz que o regime tributário em uso hoje está “exaurido” e “insustentável” e não seria possível esticá-lo por mais um ano. “O modelo tributário de Mato Grosso está exaurido, insustentável. O governo não aumenta mais, os empresários não aguenta mais não dá para continuar com ele por mais um ano”, diz Paludo.
Governo tem pressa de aprovar projeto na AL
O governo do Estado liberou oficialmente a minuta da reforma no fim de semana passado, quando realizou duas reuniões com entidades para debater a minuta, que dizem não estar fechada. Segundo Paludo, a Sefaz trabalhará nos próximos dias em “regime de balanço” para conseguir atender a sociedade para discutir a reforma.
No entanto, planeja enviar o projeto de lei para a Assembleia Legislativa até o próximo dia 20 (mas, a contagem de prazo começa no dia 15), deixando um intervalo de dez dias para a demanda de questionamento. Na próxima etapa, o Legislativo terá que aprovar o projeto até o dia 22 de dezembro, para viabilizar a entrada em vigor da reforma a partir de março de 2017. A mudança precisa obedecer ao princípio constitucional de anterioridade. Uma lei só é validade se aprovada no ano anterior ao da entrada em vigor.
Para o economista e consultor de finança, Kaike Rachid, o governo pode tomar dois caminhos para viabilizar a proposta. O primeiro seria flexibilizar o tempo de discussão e abrir um período de seis meses para debate amplo, empurrando a reforma somente para 2018. O outro seria articular os deputados da base do governo na Assembleia Legislativa para conseguir encaminhamento.
“O governo liberou o texto oficial da proposta de reforma numa sexta-feira à noite, quando também começou a debater o conteúdo e até o próximo dia 20 quer mandar para análise da Assembleia. Democraticamente falando, seria necessário um prazo de seis meses para debater o texto, mas o governo tem suas articulações na Assembleia e pode fazer uso da sua maioria lá”, comenta.
Novo modelo prevê cobrança em três faixas
Antes mesmo de ser encerrada a elaboração de propostas para reforma, o modelo de alíquota única que vinha sendo defendida pelo governo foi descartado por causa da polêmica sobre a constitucionalidade. A Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), por exemplo, contestava que cobrança em uma única faixa seria inviável para Mato Grosso por causa da diversidade das atividades econômicas, levando a novas distorções – por exemplo, as diferenças entre os vários segmentos do comércio. Neste modelo, o SINTA 4.0, cobrança do ICMS ficaria entre 12% e 15%.
Em texto divulgado na semana passada, o governo fez defesa do modelo 3.3 do novo ICMS, que estabelece três faixas de cobranças. A margem mínima é de 12% classificada como alíquota básica, não podendo ultrapassar 18%. Nessa faixa entrariam os vários segmentos do comércio varejistas e de materiais de construção civil.
Na segunda faixa, as cobranças estão propostas para até 25% sobre atividades de porte dos setores de energia, telecomunicações e combustível. Seria um dos setores com alívio do alto índice de imposto em Mato Grosso, caso da energia que tem hoje cobrança de até 42%.
Conforme o governo, essa redução tornaria Mato Grosso mais competitivo no cenário nacional, com abertura de mercado para vários setores, com o de indústrias sendo um dos principais. Um fato gerador seria o desenvolvimento industrial de Mato Grosso impulsionado pelo agronegócio.
A terceira faixa de alíquota recairia sobre produtos de menor peso para o desenvolvimento social como o cigarro e bebida. As indústrias desses ramos ficariam com a maior variação, proposta na casa dos 35%.
“É bom enfatizar que não teremos aumento de cobrança de imposto. É lógico que alguns setores terão que pagar mais para compensar os que terão redução de cobrança. Mas na visão geral, continuarão dentro das faixas cobradas hoje, até porque o mínimo de 12% é fator de lei federal. O que vamos fazer é diminuir o emaranhado de normas conflitantes. Simples assim”, diz o secretário Seneri Paludo.
Segundo ele, alguns setores, no entanto, não poderão entrar na ampliação da base de cobrança de impostos, caso das commodities de exportação do agronegócio, hoje protegida pela lei federal Kandir. “É bom que se diga que a Lei Kandir não vale apenas para o agronegócio, é para todo tido de commodities. Em Mato Grosso se fala no agronegócio porque é o setor mais forte, e neste caso [da reforma tributária] vamos respeitar a constitucionalidade”.
Paludo diz ainda que além de atração para novos empreendimentos, a reforma possibilitará aumento de arrecadação pelo volume da base de consumidor. “Se todo mundo paga, o valor é menor”. A sistemática não afetaria a estimativa de arrecadação para 2017 que está em R$ 10 bilhões.
Falta de esclarecimento provoca desconfiança
A Assembleia Legislativa abriu nesta segunda-feira (7) a Frente Parlamentar em Defesa do Comércio para intermediar o diálogo do setor com o governo sobre decisões tributárias. A reforma foi principal ponto debatido na reunião de lançamento do grupo. O presidente da frente, deputado Oscar Bezerra (PSB), cobrou do governo a abertura de diálogo “amplo e exaustivo” para esclarecer pontos de mudança na reforma.
“A proposta do governo é boa, somente a redução no número de páginas do atual regime para o proposto é algo a considerar. Também a coragem do governador em abrir o debate de reforma nesse momento de crise, de questionar pontos que já deveriam ter sido feitos por gestores anteriores, mas não foram. Mas, precisamos de esclarecimentos sobre a reforma, porque não vamos aprovar mudanças sem atender o que está acontecendo”.
O presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Mato Grosso (FCDL-MT) Paulo Gasparotto disse se preocupar com a possibilidade de aumento de cobrança de impostos para o comércio. “Precisamos discutir muito essa mudança porque não queremos pagar mais impostos. Hoje já temos uma forte carga de impostos e não vejo por onde aumentar isso”, disse ele, apontando que, até setembro, o setor já repassou R$ 2,7 bilhões aos cofres públicos em recolhimento de impostos neste ano.
Empresários do setor atacadista apresentaram dúvidas sobre a retirada dos incentivos fiscais para o setor, pois não haveria proposta para cobrir as medidas em vigor no texto da reforma. Também questionam a desigualdade das alíquotas para os atacadistas de Mato Grosso com relação aos outros Estados.
“Nossas demandas são muitas, queremos ser ouvidos para poder contribuir. Nossa principal reivindicação é que haja uma igualdade das alíquotas aplicadas em Mato Grosso com relação ao setor atacadista dos estados vizinhos”, diz o empresário Sebastião Gonçalves.
O líder do governo na Assembleia e integrante da frente, deputado Dilmar Dal Bosco, também questiona o curto prazo para análise e aprovação da medida e diz que Mato Grosso não pode servir de cobaia para experimentos tributários. Ele diz que ainda não conversou diretamente com o governador Pedro Taques (PSDB) sobre a reforma.
“Mato Grosso não pode ser cobaia. Temos que ponderar cada coisa, que ajudar a produção e garantir que não entrem produtos de outros Estados devido à carga tributária maior, como é o caso de Goiás, que concorre com nosso setor atacadista”, comenta.
Lei é ambiciosa e há conspiração, diz economista
Para o economista Kaike Rachid, parte da insegurança de empresários se deve ao desconhecimento de detalhes sobre a proposta do governo de reforma tributária que poderão ser esclarecidos durante as discussões em audiência. Mas ele também critica o curto prazo estabelecido pelo Executivo.
“A reforma tributária proposta é ousada, ambiciosa e simplificadora. Infelizmente, por desconhecimento e falta de espírito público, vejo os diversos segmentos da sociedade se posicionando contra”, diz.
No entanto, ele enfatiza comportamento corporativista de grupos empresariais e a falta de “espírito público”. “Sem pensar no interesse público não vamos progredir nada! Todo mundo quer um país melhor, um estado melhor, um imposto mais justo e simples, mas desde que ‘não mexa no meu queijo’. Vi a conspiração de diversos segmentos da Economia para boicotar e pressionar a AL para não aprovar”.
Ele reforça a decisão do governo em abrir mão da prerrogativa em alterar modelos de cobrança com a montagem de lei própria, que determina trâmite no Legislativo para qualquer tipo de alteração no texto.
“O ponto crucial é a retirada da capacidade da SEFAZ de editar decretos e instruções normativas, o que distorce a legislação e não permite planejamento tributário”, afirma.
Em apresentação da minuta da reforma tributária na segunda-feira (7), o governador Pedro Taques disse estar “abrindo mão” do direito de fazer intervenções diretas no regime tributário com a montagem de uma nova lei para a área. A medida é apontada como forma de evitar pressões de setores empresariais para “flexibilizar” as regras de cobranças. Essas várias alterações estão na base das distorções normativas em Mato Grosso que segundo Taques criou um emaranhado de leis.
Decretos e portarias favorecem insegurança jurídica
A advogada tributarista Lorena Dias Gargaglione reconhece a importância da reforma, porém observa que, mesmo o ICMS sendo de competência estadual e distrital, cabendo ao legislador ordinário sua regulamentação, a ânsia do Estado por um novo regime de tributação, visando à transparência e à isonomia, não pode sobrepor aos princípios constitucionalmente garantidos. 
“Destaco, primeiramente, que não são as 470 mil palavras que trazem insegurança jurídica no trato tributário do nosso Estado, mas sim o modelo de controle extrafiscal do ICMS instituídos e regulamentados por meio de decretos e portarias”, frisa a especialista, observando que insegurança jurídica é a modificação total do regime de tributação do ICMS nos moldes do malfadado Decreto n. 380/2015.
Gargaglione ressalta que vai além: “ainda que os propósitos sejam aparentemente os melhores, insegurança jurídica é a apresentação do Projeto de Lei que modifica todo o Sistema de Recolhimento do ICMS, denominado SINTA modelo 4.0, no dia 04 de novembro (sexta-feira) e exigir que o mesmo seja encaminhado ao legislativo para aprovação até dia 20 do mesmo mês, ou seja, com apenas 10 (dez) dias úteis para as discussões com os seguimentos atingidos”.
A especialista acha impossível realizar todos os debates com os setores envolvidos. “Para ficar realmente transparente, o Governo podia atender a solicitação da CDL e Fecomércio, no qual requereu via protocolo a liberação dos valores arrecadados pelo Estado de Mato Grosso, individualizados por seguimento e qual será a nova arrecadação caso o modelo SINTA 4.0 seja aprovado. Só assim poderemos afirmar que não haverá aumento na carga tributária”.
Ainda em relação ao Decreto n. 380/2015, o Governo, na opinião da especialista, poderia publicar sua revogação e conceder prazo hábil para as discussões saudáveis e necessárias do novo modelo de tributação apresentado. “Isso, para mim, é transparência!”
Outro ponto por ela destacado é a instituição de alíquota única ao argumento de garantia da Isonomia entre os contribuintes e que as alíquotas não vão variar ‘de acordo com a cara do freguês’. “Estamos tratando de uma reforma tributária que irá refletir diretamente em toda a população mato-grossense, portanto, não se trata de tributação com relação à cara do freguês”.
Fonte: Circuito MT