MP recorre de sentenças que defenderam papel do Carf – 16/04/2013

A batalha judicial das ações populares contra decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ainda deve demorar. Isso porque já foram apresentadas apelações às 24 ações que foram derrubadas pela Justiça Federal do Distrito Federal — três delas foram apresentadas pelo Ministério Público Federal. As ações questionam decisões do Carf que consideraram indevidas algumas cobranças tributárias. Todas as ações têm o mesmo autor, o ex-procurador da Fazenda Nacional Renato Chagas Rangel, e questionam o mérito de decisões do Carf que beneficiaram contribuintes. O autor argumenta que como o Carf (ligado ao Ministério da Fazenda) liberou empresas de pagarem seus tributos ou suas multas tributárias, a União foi omissa em seu papel de tributar. O Judiciário tem negado a procedência a todas as ações que analisou até agora. Sem entrar no mérito, os juízes federais alegam que uma ação popular não pode questionar o mérito de decisões tributárias administrativas. A Justiça Federal tem entendido que, por ser um órgão da Fazenda nacional, o Carf, em última análise, é a União. E se a União entendeu que não existe o crédito tributário, não cabe levar a discussão ao Judiciário. Menos ainda no caso de ação popular, que só cabe quando há acusação de alguma ilicitude, como suborno ou improbidade administrativa. Entretanto, nas apelações apresentadas pelo MPF ao Tribunal Regional da 1ª Região, a argumentação é de que o mérito das decisões do Carf pode ser questionado. “Por mais que se reconheça ao Carf a competência para dar a devida interpretação a matéria tributária, é impossível atribuir efeito de coisa julgada às suas decisões definitivas administrativas quando favoráveis ao contribuinte, sob pena de menoscabar o princípio da inafastabilidade de tutela jurisdicional”, diz uma das apelações. O MPF recorreu na qualidade de “fiscal da lei” — o que está previsto na Lei das Ações Populares. Para o procurador da República Paulo José Rocha Júnior, que assina a apelação, as decisões do Carf, independentemente de serem a favor ou contra o contribuinte, são atos administrativos. E, como tais, estão passíveis a questionamento judicial. O MPF também defende a via escolhida por Renato Rangel para fazer seu questionamento: a ação popular. O órgão argumenta que a intenção de Rangel foi defender o patrimônio público e o “bolso do contribuinte”. E, “se a ação popular é o meio constitucional à disposição de qualquer cidadão para obter a inviabilização de atos ou contratos administrativos — ou a estes equiparados — ilegais e lesivos ao patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos, não há razão para excluir do seu âmbito, a priori, a revisão de decisões administrativas tributárias com potencialidade de causar danos ao erário”. Argumento O ex-procurador Renato Rangel foi quem apelou das outras 21 ações derrubadas pela primeira instância. Ele argumenta que suas ações devem ter o mérito analisado, pois o objeto atacado, os acórdãos do Carf, estão “eivados de ilegalidade” e por isso não seria necessário apontar algum ato criminoso na origem. A ilegalidade, segundo Rangel, é que o Carf afastou a cobrança de tributos previstos em lei, o que é prerrogativa do Judiciário. Renato Rangel cita um Recurso Especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 2007. Na ocasião, o STJ, sob relatoria do ministro Luiz Fux, entendeu que não é necessário apontar ilegalidades na formação do ato administrativo questionado para ajuizar ação popular. “No presente caso, a alteração no mundo jurídico (objeto do ato julgado) imposta pelo acórdão administrativo ora guerreado é a exoneração do crédito tributário corretamente lançado pelo fisco em desfavor da empresa-ré, o que conduz à ilegalidade de seu objeto. Além disso, a guerreada alforria fiscal caracteriza lesão ao patrimônio público atacável pela via de ação popular”, argumenta o ex-procurador. Novo ataque Rangel ataca mais uma vez o mérito das decisões do Carf. Afirma que, ao liberar as empresas de quitar débitos tributários que entende devidos, o Carf violou o disposto em lei — já que, segundo ele, não cabe a tribunal administrativo contrariá-la. Diz que, “ao fundamentar a exoneração do critério tributário, o colegiado administrativo invocou princípios constitucionais, o que é vedado aos tribunais administrativos”. O ex-procurador também afirma que o Carf, como órgão administrativo, não tem discricionariedade no julgamento de impugnações administrativas a lançamentos tributários. Ele justifica com base no parágrafo únicos do artigo 142 do Código Tributário Nacional: “A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”. O artigo diz que “compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”. Histórico De agosto de 2012 até o início deste ano, Renato Rangel ajuizou 59 ações idênticas, todas contra decisões favoráveis aos contribuintes, e os conselheiros do Carf foram arrolados pessoalmente em cada uma delas. O colegiado é composto por conselheiros oriundos da advocacia e dos quadros da Receita. Não recebem remuneração para fazer parte do órgão. O problema se agravou em fevereiro, depois de a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional dar pareceres favoráveis às ações de Rangel. Os textos afirmavam que, como o interesse da Fazenda é sempre garantir crédito tributário, a PGFN não poderia ficar contra os questionamentos. Mas pondera que, por se tratar de um órgão da própria Fazenda a procuradoria não poderia ir contra o mérito das decisões do Carf. Depois desse parecer, os conselheiros do Carf decidiram parar suas atividades. Ficaram uma semana com os trabalhos suspensos, até que a Advocacia-Geral da União avocou o caso para si. A AGU passou a defender a tese, vencedora, de que os conselheiros não podem figurar no polo passivo das ações. A situação se abrandou após as primeiras sentenças derrubarem as ações sem análise de mérito. Pedro Canário
Fonte: ConJur