Justiça mantém cobrança de IR sobre aplicação financeira de não residente – 01/03/2019

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Um executivo que deixou o Brasil definitivamente para viver no exterior tentou obter na Justiça autorização para não pagar Imposto de Renda (IR) sobre aplicações financeiras que não foram resgatadas ou vendidas. A Receita Federal exige a retenção do tributo mesmo com a manutenção dos investimentos. A liminar, porém, foi negada pelo juiz da 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, Victório Giuzio Neto.

A decisão reforça a tese da Receita Federal sobre a tributação de investimentos de não residentes – pessoas físicas ou empresas. Para intensificar a cobrança, o órgão decidiu este ano voltar suas atenções aos bancos e filiais que deixam de identificar os beneficiários finais de investimentos de empresas autodeclaradas “não residentes”.

As instituições financeiras passaram a ser alvo da fiscalização depois de a Receita Federal se reunir com elas e incentivar o pagamento espontâneo dos tributos. O encontro foi em outubro de 2017. A ideia era evitar a judicialização.

“Um ano e meio já foi tempo suficiente para as empresas se autorregularizarem. A Receita Federal não blefa”, afirma Marcelo Koji, auditor-fiscal que assumiu em fevereiro a chefia da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes, em São Paulo. Em apenas cinco fiscalizações, já foram lançadas autuações fiscais que somam R$ 1,7 bilhão.

Para tentar deixar de pagar Imposto de Renda sobre seus investimentos, não residentes decidiram ir à Justiça. No caso da liminar negada, o valor em jogo é de R$ 2,3 milhões. Segundo a advogada que propôs a ação judicial, Ana Carolina Monguilod, sócia do escritório PGLaw, há muitas pessoas físicas nessa mesma situação.

Muitas pessoas foram embora do país nos últimos anos. De acordo com a Receita, de 2011 a 2017, a quantidade de declarações de saída definitiva do país só cresceu. Em 2011, foram contabilizadas 8.170 declarações. No ano de 2017, 22.732. E em 2018, 22.538.

No mandado de segurança, a advogada pediu que a Receita não aplicasse os termos do Ato Declaratório Interpretativo (ADI) nº 1, de 2016. A norma infralegal exige a retenção do IR no momento da conversão cambial das aplicações. Por isso, as instituições financeiras exigem a comprovação do recolhimento do imposto. Ana também pediu para que o juiz afastasse a inscrição do tributo na dívida ativa da União e execução pela Fazenda Nacional.

A argumentação, no processo, é a de que não há lei que exija essa tributação. “A Receita tenta por meio desse ADI criar um fato gerador de renda tributável que não existe. Não há venda. Nem se recebe nada porque os investimentos permanecem inalterados”, afirma Ana. “Só há uma mudança cambial, mas trata-se de mera exigência formal.”

Além de alegar ofensa à legislação tributária, que determinaria a incidência do imposto apenas sobre a renda realizada, o processo aponta violação ao Código Tributário Nacional (CTN) e à Constituição Federal. Já foi apresentado recurso contra a decisão.

Advogados afirmam que a Receita quer tributar a pessoa física que sai do Brasil porque quando passa a ser não ser residente, e não mora em paraíso fiscal, tem direito a um regime tributário favorecido. Para investimentos em ações, por exemplo, há isenção, enquanto os residentes pagam alíquota de 15% sobre o ganho de capital. Já em relação a cotas de Fundo de Investimentos em Ações (FIA), a carga tributária para residentes no país também é de 15%. Para não residentes, de 10%. A regulamentação consta da Instrução Normativa da Receita nº 1.585, de 2015.

Ao negar o pedido liminar, o juiz justificou que o investimento não é convertido em moeda estrangeira pelo seu valor original, mas pelo real e efetivo, o que incluiria os ganhos de capital sujeitos à incidência do Imposto de Renda. “Não se visualiza, desta forma, a alegada criação de uma nova hipótese de incidência (antes da alienação)”, diz na decisão.

O advogado Alessandro Fonseca, do escritório Mattos Filho, diz que, antes do ADI, se conseguia conversar com bancos e fazer a operação sem recolher o IR. Depois, acrescenta, não mais. Para ele, porém, é possível contestar a cobrança na Justiça. “Segundo o CTN, o fato gerador de IR é o acréscimo patrimonial e a mudança de residência não configura isso. Além disso, a medida é inconstitucional por não haver lei prevendo isso”, afirma.

Já Ana Utumi, sócia do escritório Utumi Advogados, diz que do ponto de vista jurídico existem bons argumentos. “Porém, é preciso ponderar que o Judiciário vem reconhecendo a efetividade das operações simultâneas de câmbio. As aplicações financeiras existentes são liquidadas e são constituídas novas aplicações com a pessoa física já sendo considerada não residente”, afirma.

Em nota, a Receita afirma que, “atualmente, há casos de pessoas físicas residentes no país que, para gozar do regime especial de tributação dos estrangeiros não residentes em país com tributação favorecida, nos termos do artigo 24 da Lei nº 9.430, de 1996, apresentam a Comunicação de Saída Definitiva do País aos seus responsáveis tributários [bancos, em geral] sem apresentá-la à Secretaria da Receita Federal”.

Em relação aos bancos e filiais, que passam a ser fiscalizados de maneira mais intensa pela equipe da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes, a Receita quer combater, principalmente, três situações. Há empresas investidoras que se dizem não residentes, mas são brasileiras. “Também existem as que dizem ser domiciliadas no exterior, mas quem operacionaliza suas atividades, com tomada de decisão, é empresa em paraíso fiscal e seu dono está no Brasil”, diz Koji.

O terceiro caso mais comum envolve fundos de investimentos. Tratam-se de empresas com mais de 40% das cotas de um mesmo fundo. Assim, elas controlam indiretamente onde ele investe. “No entanto, para conseguir o regime especial de tributação, os investidores não podem ter mais de 40% de participação no fundo”, afirma o delegado.

A fiscalização verificará se o banco ou filial de empresa se regularizou. “Como agora perdeu-se a chance de autoregularização, além do tributo que deixou de recolher, a empresa deverá pagar multa de 75% do valor devido. Se houver fraude essa multa sobe para 150% e a empresa deverá enfrentar um processo na esfera penal porque, nesses casos, comunicaremos o Ministério Público”, alerta Koji.

Fonte: Valor Econômico

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