Decisões da Justiça Federal têm cancelado ou revertido julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) desfavoráveis aos contribuintes, que foram desempatados pelo voto de qualidade do presidente da turma julgadora. Na prática, o presidente, representante da Fazenda, tem o poder de proferir seu voto e desempatar uma disputa.
Recentemente, a 13ª Vara Cível de Seção Judiciária do Distrito Federal concedeu liminar para suspender a exigibilidade de um crédito tributário de um processo julgado no Carf até que seja realizado nova análise pelo órgão, sem a possibilidade de voto duplo do presidente da sessão. Outra decisão foi proferida pela 8ª Vara Federal de Campinas. Em mandado de segurança, deu sentença para reverter decisão contrária a contribuinte no Conselho.
As decisões são relevantes porque os contribuintes têm perdido muitas discussões importantes no Carf desde o retorno de suas atividades, pelo critério do voto de qualidade. Um exemplo é o julgamento desta semana do processo da Gerdau sobre ágio interno, de R$ 3,77 bilhões. Por desempate do presidente da 1ª Turma da Câmara Superior, a empresa foi derrotada.
Em um total de 110 acórdãos do órgão já publicados, definidos pelo voto de qualidade, de janeiro a maio deste ano, os contribuintes perderam em 95% dos casos, segundo levantamento da Advocacia Lunardelli.
No Distrito Federal, o contribuinte entrou com mandado de segurança com pedido de liminar, após ter seu processo julgado pela 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção, em setembro de 2014. Na ocasião, houve empate por três votos a três e o julgamento foi definido pelo voto de qualidade do presidente da turma. Um conselheiro estava ausente. O processo trata de multa aplicada por não pagamento de Imposto de Renda por estimativa.
Segundo o advogado da empresa, Brunno Ribeiro Lorenzoni, do Andrade Advogados Associados, a sistemática do voto de qualidade viola diversos princípios constitucionais, como o da igualdade e o do Estado Democrático de Direito. “Uma vez que não é razoável que uma pessoa possa votar duas vezes”, afirma.
O advogado ainda argumentou que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestaram contra o uso do voto de qualidade. Um dos processos tratava de analisar aplicação da Lei da Ficha Limpa no caso ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz. Na ocasião, o ministro Cesar Peluso afirmou que não tinha vocação despótica e que seu voto não poderia valer mais que dos demais ministros.
Nos casos em que há empate, os contribuinte têm sustentado que deveria ser aplicado o artigo 112 do Código Tributário Nacional (CTN). De acordo com o dispositivo, a lei deve ser interpretada da maneira mais favorável ao acusado, nos casos de dúvida.
Segundo a decisão da juíza Edna Márcia Silva Medeiros Ramos, da 13ª Vara Cível de Seção Judiciária do Distrito Federal, houve uma “indevida interpretação, por parte do Carf, do que seria voto de qualidade, conferido aos presidentes das turmas”. E da maneira como é aplicado viola “frontalmente os mais basilares princípios democráticos de direito”.
Para a magistrada, o voto de qualidade é reservado para aquelas situações em que o presidente do órgão não votou e o resultado esteja empatado. “Nessas condições, cabe ao presidente desempatar, através de seu único voto, pois nem de longe tela faculdade pode significar o poder do presidente votar duas vezes, induzindo o empate”. Assim, a juíza entendeu que no caso não se alcançou maioria absoluta porque foram apenas três votos.
Já a sentença de Campinas foi obtida por uma empresa do setor automotivo para reverter seu processo julgado pela 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção do Carf, em setembro de 2013.
De acordo com a decisão da 8ª Vara Federal, “a dúvida objetiva sobre a interpretação do fato jurídico tributário, por força da lei de normas gerais, não poderia ser resolvida por voto de qualidade, em desfavor do contribuinte. Ao verificar o empate, a turma deveria proclamar o resultado do julgamento em favor do contribuinte”.
Segundo o advogado que representa a empresa no processo, Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, essas decisões demonstram que o Judiciário deve reverter a tendência hoje dos tribunais administrativos de usar o voto de qualidade para manter auto de infração. Para ele, esse voto de qualidade tem que ser justificado, o que não tem ocorrido.
Por nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que “o próprio Decreto 70.235, de 1972 reconhece a possibilidade de empate nas votações do Carf, e atribui o voto de qualidade aos presidentes dos colegiados”. Além disso, diz que, “a solução proposta pela decisão judicial (abstenção do presidente) desnatura o caráter paritário do Carf, que também está previsto no diploma legal do processo administrativo fiscal”.
Fonte: Valor Econômico