Uma empresa em recuperação judicial conseguiu aprovar, em assembleia de credores, a anulação de uma venda de ativos anteriormente aprovada e homologada pela Justiça. O caso envolve a Floralco e a usina de Flórida Paulista – negociada em leilão, três anos atrás, por R$ 150 milhões com a Gam Participações e Empreendimentos.
A juíza da recuperação, Clarissa Somesom Tauk, homologou a ata da assembleia que decidiu pela reversão da venda da usina. Na segunda instância, porém, a decisão foi suspensa por liminar do desembargador Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Em decisão monocrática, o desembargador afirmou ser “altamente duvidosa” a possibilidade jurídica de invalidação de “ato perfeito e acabado” por vontade de assembleia de credores. O caso será levado ainda ao julgamento da Câmara.
O desenrolar desse processo tem a expectativa do mercado. Esta é a primeira vez que se tem notícias do desfazimento da venda de ativos de uma empresa em recuperação – já transitada em julgado – por meio de assembleia de credores. Para advogados, a manutenção da decisão da primeira instância, pelo tribunal, poderá fragilizar a relação de investidores com as companhias que tentam a reestruturação.
“Precisamos ter a garantia e a segurança de que a compra e venda de ativos em um processo de recuperação judicial vai se dar de forma legal e respeitando a Constituição Federal, que traz o instituto da coisa julgada”, diz o advogado André Frossard Albuquerque, do escritório Siqueira Castro. “Uma decisão dessas afeta o mercado”, acrescenta.
A Floralco entrou em recuperação judicial em 2010 e em 2013 teve o plano de reestruturação aprovado em assembleia geral de credores. No caso em análise pelo TJ-SP, o negócio fechado entre a empresa e a Gam fazia parte desse plano. O pagamento dos R$ 150 milhões seria feito em oito anos e diretamente aos credores com garantia real.
Representante da Gam no caso, o advogado Alexandre David, sócio do David Aniceto Advocacia, considera como “grave” o fato de o desfazimento da venda ter sido requerido pelo próprio devedor. “O pagamento se deu mediante assunção de dívida”, diz. “Ela [Floralco] se beneficiou diretamente da alienação do ativo, já que teve quitada a dívida com os credores com garantia real”, completa.
Os repasses aos credores, no entanto, ainda não foram feitos. A Gam justifica, no processo, que isso ocorreu porque não existe ainda quadro geral de credores formado e, desta forma, não se sabe quanto, de fato, tem de ser pago a cada um deles. Já a Floralco usou a falta de pagamento como argumento para desfazer o negócio.
Segundo a empresa em recuperação, o fato de a Gam não ter feito o pagamento acabou comprometendo o plano como um todo. Isso porque, afirma, a categoria de credores que se beneficiaria da operação têm imóveis da Floralco como garantia da dívida – o que estaria impedindo a empresa de vendê-los. Os imóveis, conforme a Floralco, seriam utilizados para o pagamento dos credores quirografários.
A juíza Clarissa Someson Tauk acatou entendimento da empresa em recuperação. “A mudança do cenário escolhido anteriormente, em sede de adimplemento, pode inviabilizar a recuperação da empresa, o que levaria à decretação de sua falência”, afirma na decisão. Ela concedeu à Floralco a imissão na posse dos ativos que compõem a usina e estabeleceu prazo de 60 dias para a apresentação de um novo plano de recuperação.
Especialista na área, Juliana Bumachar entende que não se pode, a partir do caso em discussão, banalizar o instituto da recuperação. Isso porque existia uma contrapartida por parte da compradora que não foi cumprida, segundo ela. Diferente de operações de compra e venda em que o investidor paga em dinheiro pelo negócio.
“Houve um compromisso num plano de recuperação de 2013 que até hoje não foi honrado”, diz a advogada. “Então, considerando que nenhum credor foi pago e que o ativo seria um bem valioso para a companhia, permitir que ele permaneça com a compradora sem a contrapartida provocaria a decretação da falência da empresa.”
Já para o especialista André Moraes, sócio do escritório Antonelli Advogados, a única hipótese para o desfazimento da venda de ativos seria por meio de um controle de legalidade exercido pelo juiz. “Submeter isso à assembleia de credores é uma anomalia”, afirma. “Os credores são soberanos para decidir a venda, as condições do negócio e o preço. Ponto. Uma vez decidido e homologado, eles não podem voltar atrás”, completa.
Permitir que isso ocorra, segundo Moraes, abriria um “precedente terrível” no mercado. Ele acrescenta que para evitar esse tipo de discussão, o comprador, em caso de dúvida em relação ao pagamento, deveria consignar o valor em juízo. “Porque, nesse caso, vira um problema do administrador judicial e do juiz. Eles é quem vão decidir a quem pagar e como pagar”.
Fonte: Valor Econômico