Indústria teme que lei paulista gere nova guerra fiscal – 17/11/2010

Ambiente: Fiesp critica meta obrigatória de redução de emissões
As leis estaduais sobre mudança climática podem criar uma guerra ambiental entre Estados, atraindo ou afastando indústrias. Empresários paulistas temem que a lei do Estado de São Paulo, a única entre as nove existentes hoje que coloca uma meta obrigatória de corte de emissões de CO2, possa repetir a guerra fiscal em molde ambiental.
“Aquilo que nos motivou, e foi feito de forma bem-intencionada, pode no futuro próximo se reverter contra os interesses do Estado de São Paulo”, disse Carlos Cavalcanti, diretor titular do departamento de infraestrutura e energia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ontem, durante seminário. “Pode ocorrer uma guerra entre Estados baseada na legislação climática”, reforçou o executivo, durante o seminário “Mudança do Clima e Competitividade na Indústria”, promovido pela Fiesp na capital paulista.
Cavalcanti se referia à Política Estadual de Mudanças Climáticas, a Lei nº 13.798, de novembro de 2009, regulamentada por decreto em junho. Foi a primeira e única a estabelecer metas obrigatórias de corte do dióxido de carbono em 20% em 2020 em relação a 2005. Ele também se queixou de falta de participação do empresariado no processo e de que ainda não há inventário oficial das emissões do Estado – que deve sair este mês. “Fizeram a lei antes de conhecer o problema”, reclama. “É como se um médico dissesse ao paciente que ele tem que emagrecer 20 quilos sem pesá-lo antes.”
“Não precisa conhecer as emissões do Estado até a terceira casa decimal para que se façam políticas públicas”, rebate Oswaldo Lucon, assessor para questões de mudança climática do gabinete do secretário de Meio Ambiente. Tanto Lucon quanto Cavalcanti concordam que o setor energético é o maior responsável pelas emissões paulistas, aqui incluídos transporte, indústria, residências, comércio e serviços. Segundo Lucon, em 2006 a Secretaria de Energia do Estado publicou as emissões do setor referentes a 2005 (cerca de 70 milhões de toneladas de CO2 equivalente), e o dado, embora possa ser superior agora, não fugirá muito desse valor. “Quando o Protocolo de Kyoto foi assinado, as emissões dos países desenvolvidos não eram conhecidas”, exemplificou. Mas ele diz que “é legítimo” o temor da indústria de que as metas de São Paulo sejam setoriais. “A lei abre essa possibilidade, mas isto não está em estudos”, adianta.
Os empresários poderiam temer a forma como os cortes setoriais poderiam ser definidos – atingindo, por exemplo, indústrias enxutas, que não têm onde reduzir. Lucon lembra que o momento é de governo de transição e que ele fala apenas como um dos técnicos mais envolvidos no tema. “O argumento da guerra ambiental é recorrente”, prossegue. “A indústria tem toda a liberdade de ir para onde for melhor. Se houver paraísos lenientes em relação às emissões, é decisão de cada empresário.” Ele lembra que a Califórnia tem leis ambientais rigorosas e indústrias de ponta e de inovação. “Queremos atrair para São Paulo investimentos de alto valor agregado e baixas emissões.”
Na interface entre o comércio internacional e as negociações climáticas, Carlos Márcio Bicalho Cozendey, diretor do Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores alertou a plateia para uma “questão subjacente”. Explicou: “Por trás da maior parte das medidas há uma importante discussão de metodologia”. Ou seja, quando se fala qual a taxa de carbono de um produto agrícola, ou do sequestro de carbono de um pasto, por exemplo, utilizam-se metodologias desenvolvidas nos países industrializados, com bancos de dados de agricultura em zonas temperadas, “que é muito diferente de um pasto que cresceu em zona tropical.” Para corrigir as distorções, só há uma saída, recomendou: investir no banco de dados, nas metodologias, e acompanhar o que está ocorrendo no exterior.
Rodrigo Lima, gerente-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), lembrou que, no caso das emissões nacionais, se o Brasil conseguir controlar o desmatamento, a bola da vez fica com a agricultura, setor que responde por 18,9% das emissões nacionais. O uso de fertilizantes, por exemplo, provoca a emissão de gás metano e óxido nitroso, dois poderosos gases-estufa. “Há uma discussão técnica, de reavaliação do peso desses dois gases-estufa, que é preciso acompanhar”, aconselhou. Pela metodologia atual adotada internacionalmente, o metano é 21 vezes mais agressivo que o CO2 e o óxido nitroso, 310 vezes. A revisão desses dados coloca o metano como 5 vezes mais danoso e o outro, 270 vezes. Isso significa que as emissões do setor deixariam de representar 18,9% das emissões do Brasil e, pelo artifício contábil, seriam 10,2%.
Os empresários temem que o tratado climático internacional que as Nações Unidas procuram costurar tenha medidas protecionistas embutidas. A Fiesp lançou ontem suas posições para a próxima rodada de negociações, este mês, em Cancún, no México.
Daniela Chiaretti | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico