A emenda saiu pior que o soneto. É mais ou menos dessa forma que o jurista Ives Gandra Martins interpreta a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que vem sendo desenhada no Congresso Nacional. Integrante do Conselho Superior da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Ives Gandra Martins previu o acirramento da guerra fiscal entre os estados caso sejam aprovadas as três alíquotas interestaduais previstas no relatório do senador Delcídio do Amaral (PT/MS ), aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no início de maio. Em princípio, a ideia era unificar a alíquota como forma de desestimular os estados a concederem benefícios fiscais ilegais. “É preferível ficar com o sistema atual, que é ruim, mas melhor do que propõe o relatório”, resumiu, ontem, durante reunião do Conselho de Altos Estudos em Finanças e Tributação (Caeft), da ACSP, coordenado pelo advogado tributarista Luis Eduardo Schoueri. Para Ives Gandra, a Constituição Federal determina três tipos de autonomia aos entes federativos: política, administrativa e financeira. Quando um Estado concede um incentivo fiscal ilegal para atrair investimentos, impactando a arrecadação de outro Estado que perde competitividade, fere sua autonomia financeira. “A guerra fiscal é a desconstrução da federação, que afeta a concorrência entre as empresas”, disse, ao lembrar que a briga entre os Estados passou a ser exacerbada a partir de 1988, quando a União – que detém quase 70% do bolo da arrecadação de impostos – deixou de fazer políticas de desenvolvimento regionais. O jurista é um dos 13 integrantes da chamada Comissão de Notáveis, nomeada pelo ex-presidente do Senado, José Sarney, com o objetivo de elaborar sugestões para um novo pacto federativo tributário. Os vários meses consumidos para estudar o assunto se resumem a um relatório de 70 páginas, guardado nas gavetas do Senado. De acordo com o jurista, quase nada foi aproveitado nas propostas legislativas que se atropelam no Congresso Nacional. “Há uma desfiguração dos projetos apresentados pela comissão de especialistas”, criticou. Uma das sugestões apresentadas pelo grupo era a de alterar a unanimidade de quórum do Confaz em apenas quatro hipóteses, por exemplo. O ex-secretário da Receita Federal e membro do Caeft, Everardo Maciel, também não poupou críticas às propostas em discussão no Congresso. Na sua opinião, a guerra fiscal não ocorre somente por falta de uma política de desenvolvimento regional. O problema maior é que não existe sanção aos Estados que concedem benefícios sem a permissão do Confaz. Everardo Maciel também integrou a Comissão de Notáveis e lembrou que umas das sugestões apresentadas no documento entregue ao senador José Sarney era a de criminalizar agentes públicos que descumprirem as regras. Essa sanção não é discutida em nenhum dos projetos legislativos. Presente à reunião, o secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Andrea Calabi, se mostrou preocupado com os rumos da reforma do ICMS. Pelas estimativas do fisco paulista, as perdas para o Estado paulista geradas com a versão do projeto aprovado no Senado somam R$ 7 bilhões ao ano. Na opinião de Calabi, a falta de um projeto de política de desenvolvimento regional é o principal motivo para a guerra fiscal entre os estados. “É inacreditável que o Brasil não tenha essa política de desenvolvimento”, afirmou. Segundo o secretário, em vez de um consenso, há no Congresso Nacional uma disputa intensa de emendas e destaques. “O mais provável é que a discussão volte a ser feita no âmbito do Confaz”, previu.
Fonte: Diário do Comércio