A recente decisão do Supremo Tribunal Federal em torno da obrigatoriedade de instituições financeiras fornecerem dados de clientes aos Fiscos estaduais é de suma relevância. O STF declarou que o compartilhamento de informações bancárias com as autoridades fiscais, no âmbito das operações de recolhimento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) por meios eletrônicos, como PIX, cartões de crédito e débito, é constitucional.
Essa medida foi decidida no julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Consif (Conselho Nacional do Sistema Financeiro), que questionava a obrigatoriedade desse repasse de dados financeiros, conforme um convênio do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). Por maioria de seis votos a cinco, o Supremo concluiu que a medida não viola o sigilo bancário nem os direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como a privacidade e a intimidade (artigo 5º, X).
Segundo a relatora do caso, ministra Carmen Lúcia, o compartilhamento de informações com os Fiscos não constitui quebra de sigilo bancário, uma vez que os dados permanecem protegidos no âmbito da administração tributária, sendo usados apenas para fins de fiscalização e controle. A decisão segue o previsto no artigo 198 do CTN (Código Tributário Nacional), que veda a divulgação de informações fiscais. Essa interpretação reitera que o sigilo bancário pode ser flexibilizado em situações em que há o interesse público de garantir a fiscalização tributária.
A decisão está alinhada com a jurisprudência do STF, como no Recurso Extraordinário 601.314, que firmou a tese de que a administração tributária, ao acessar dados bancários dos contribuintes, exerce seu poder de polícia, desde que respeitados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A decisão não implica o fim do sigilo bancário. Ela apenas estabelece que o Fisco pode acessar informações financeiras, exclusivamente para fins de fiscalização tributária, como o recolhimento do ICMS em transações eletrônicas.
O sigilo bancário permanece resguardado, com as informações estando protegidas dentro da administração tributária e sujeitas à legislação vigente, como o artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001, que permite o acesso dos Fiscos aos dados bancários, desde que observadas as formalidades legais e garantias de sigilo.
Essa decisão segue a linha já consolidada pela Suprema Corte, onde o direito à privacidade e ao sigilo bancário pode ser relativizado em nome do interesse público, quando há finalidades fiscais justificadas. No entanto, tal flexibilização não se traduz em uma abolição do direito ao sigilo bancário. O acesso às informações pelos Fiscos estaduais é controlado e limitado ao cumprimento das obrigações tributárias, preservando-se o sigilo fiscal previsto pelo Código Tributário Nacional.
Os estados têm um interesse legítimo em fiscalizar o pagamento do ICMS, um dos principais tributos de sua competência, previsto no artigo 155, II, da Constituição. Com o crescimento das transações eletrônicas, como o uso de Pix e cartões, a complexidade da fiscalização aumentou, tornando necessária a obtenção de dados financeiros para assegurar o correto recolhimento do imposto. A prerrogativa dos estados de solicitar essas informações está amparada na Constituição e na legislação infraconstitucional, como a Lei Complementar nº 105/2001 e o Código Tributário Nacional. Ambas as leis conferem aos Fiscos o direito de acessar dados bancários para fins de fiscalização tributária.
Esse entendimento foi reforçado pelo STF, que reconheceu que o acesso aos dados financeiros dos contribuintes pelo Fisco é uma medida necessária para garantir a efetividade da arrecadação tributária, desde que respeitados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Apesar das garantias legais oferecidas pela decisão, o compartilhamento de informações financeiras com os Fiscos estaduais levanta preocupações quanto ao risco de vazamentos de dados e à possível redução da privacidade.
No entanto, a legislação brasileira, incluindo a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), assegura que o tratamento de dados pessoais, incluindo os financeiros, seja regido por princípios de segurança, finalidade e necessidade. O artigo 198 do CTN e a LC nº 105/2001 também impõem obrigações de sigilo e responsabilidade aos agentes públicos que manuseiam essas informações. Além disso, o Supremo, ao permitir a flexibilização do sigilo bancário, enfatizou a necessidade de observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Portanto, embora haja riscos de uso indevido das informações, os órgãos públicos têm a obrigação de adotar medidas rigorosas de proteção de dados, sendo responsabilizados por eventuais vazamentos ou abuso de poder.
O conceito de “transferência do dever de sigilo” refere-se à situação em que o sigilo bancário, uma vez repassado à administração tributária, continua sendo mantido, mas sob a responsabilidade do órgão público. As instituições financeiras transferem os dados ao fisco, que assume o dever de preservar o sigilo fiscal, utilizando as informações apenas para fins de fiscalização. A Lei Complementar nº 105/2001 e o CTN estabelecem claramente que esses dados não podem ser divulgados ou utilizados para finalidades diferentes daquelas previstas pela lei.
Portanto, a decisão autoriza o compartilhamento de dados bancários para fins fiscais, mas não extingue o direito ao sigilo. O acesso aos dados pelo Fisco é controlado e limitado à função de fiscalização tributária, sendo vedado qualquer uso indevido das informações. Em casos de abuso, os agentes públicos envolvidos podem ser responsabilizados administrativa, civil e penalmente. Esse entendimento permite o acesso de Fiscos estaduais a dados bancários para fins de fiscalização tributária, especialmente no recolhimento do ICMS em transações eletrônicas, reafirma a possibilidade de flexibilização do sigilo bancário em situações de interesse público.
Embora essa medida levanta preocupações quanto à privacidade e ao risco de vazamento de dados, as legislações vigentes e a jurisprudência do STF garantem a proteção das informações, impondo obrigações rigorosas de sigilo fiscal às autoridades fiscais.
Fonte: Consultor Jurídico (CONJUR)