DA POSSIBILIDADE DE PARCELAMENTO DE DÉBITOS EM SEDE DE EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL

Não raras são as ocasiões em que um contribuinte – pessoa física ou pessoa jurídica – se encontre diante da obrigação de ter que, ao fim do trâmite de uma demanda judicial (como uma Ação Anulatória de Débitos Fiscais, por exemplo), realizar o pagamento de débitos, seja em relação ao próprio tributo debatido, seja em relação à sucumbência processual (como custas e honorários).

No caso de um Título Executivo Extrajudicial, aquele que pretende cobrar valores devidos por uma outra parte, pode já ingressar, no Judiciário, com uma Ação de Execução de Título Extrajudicial (indo diretamente para a Fase de Execução).

No caso de um Título Executivo Judicial, estando a lide já solucionada devido à conclusão de uma Ação anterior (com prévia Fase de Conhecimento), a Fase de Execução se iniciará, então, por meio do processo de Cumprimento de Sentença, que é a Execução de Título Judicial.

Desta feita, é certo que a promoção da cobrança de um Título Extrajudicial e de um Título Judicial guarda semelhanças, na medida em que – em ambos os casos – o credor possui um Título Executivo que representa, ao menos em tese, o direito ao cumprimento de uma obrigação certa, líquida e exigível.

Tanto é verdade, que a própria legislação processual prevê, ao regulamentar “o procedimento da execução fundada em título extrajudicial”, que tais disposições também se aplicam “aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento de sentença”, vide artigo 771, Lei 13.105/2015, CPC – Código de Processo Civil.

Há, portanto, expressa disposição sobre a aplicabilidade das regras da Execução de Título Extrajudicial à Execução de Título Judicial/Cumprimento de Sentença, o que possibilita, por sua vez, a aplicação do artigo 916, CPC, a tais casos.

Em suma, referido artigo autoriza, em Execução de Título Extrajudicial, a possibilidade de o executado requerer o parcelamento do débito em cobro, desde que – de imediato – comprove o depósito de 30% do valor cobrado, acrescido de custas e de honorários, podendo adimplir o restante em até 6 prestações mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de 1% ao mês.

Ocorre que o mesmo artigo 916, em seu §7º, prevê uma espécie de “vedação” quanto ao parcelamento em casos de Execução de Título Judicial/Cumprimento de Sentença.

Não obstante, tal obstáculo é discutível e não induz, de pronto, à total impossibilidade de aplicação do artigo 916, CPC, aos casos de Execução de Título Judicial/Cumprimento de Sentença, uma vez que sua interpretação pode – e deve – ser realizada de forma sistemática, isto é, em conjunto com outros dispositivos legais.

Em verdade, a interpretação literal deste §7º conduziria a uma configuração que destoa, em muito, do teor de outros vários pontos do ordenamento jurídico, incluindo artigos do próprio CPC.

Apenas para ilustrar, pode-se mencionar: o artigo 4º, CPC, que trata da razoável duração do processo; o artigo 6º, CPC, que trata do princípio da cooperação processual; o artigo 8º, CPC, que trata do dever do magistrado de aplicar as disposições do ordenamento com observância aos fins sociais, preservação do bem comum, de forma proporcional e razoável; e o artigo 805, CPC, que determina que a execução deverá ser promovida da forma menos prejudicial/gravosa à parte executada.

Todas essas prescrições acompanham um dos inaugurais dispositivos da nossa Constituição Federal, qual seja, artigo 1º, inciso III, vez que prestigiam a dignidade da pessoa humana, revelando a preocupação do legislador processual em criar um ambiente onde, mesmo diante da obrigação de se cobrar/pagar um débito, não se extrapolem os limites do razoável.

Assim, se observará, em cada caso, uma espécie de análise bastante semelhante ao binômio “necessidade vs. possibilidade”, onde deverá ser ponderada a possibilidade de o executado cumprir a obrigação contra si imposta, preservando-se, ao mesmo tempo, os fins sociais e a manutenção do bem comum.

Ora, a partir do momento em que a parte pleiteia o parcelamento da quantia executada, ainda que no âmbito de uma Execução de Título Judicial/Cumprimento de Sentença, é certo que este se traduz como meio mais eficaz e menos gravoso para o adimplemento da obrigação.

Nesse sentido, em estrita observância ao que determinam os artigos 8º e 805, ambos do CPC, bem como em respeito a CF, caberá ao julgador atender o requerimento da parte executada, estimulando a efetivação do cumprimento da obrigação, satisfazendo o credor/exequente, e respeitando as particularidade e possibilidade do devedor/executado, de forma razoável e proporcional.

Atesta-se o fato de que a aplicação de tal parcelamento se consubstancia em relativização da norma que em nada prejudica quaisquer das partes. Pelo contrário, os direitos de ambos os lados serão harmonizados.

Nas palavras do eminente professor Daniel Amorim Assumpção Neves, “deve-se compreender que os fins sociais do processo são a concretização do acesso à ordem jurídica justa, enquanto o bem comum deve ser compreendido como a preservação do direito por meio do processo”. E arremata, ao contextualizar que “admissível será um acordo no cumprimento de sentença, nos moldes do artigo 916 do Novo CPC, ao menos no tocante às condições de pagamento, mas nesse caso não haverá uma moratória legal, mas uma mera transação à respeito da forma de pagamento da dívida”.

Há que se mencionar, ainda, o teor do artigo 190, CPC, que prescreve a possibilidade de realização do NJP – Negócio Jurídico Processual entre as partes envolvidas em um processo, admitindo ser “lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os sus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”.

Por esses motivos, tem sido cada vez mais comum encontrar posicionamentos, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, pela aplicabilidade do artigo 916, CPC, aos casos de Execução de Título Judicial/Cumprimento de Sentença, mormente quando se verifica a anuência do credor/exequente, entendimento esse já há muito sedimentado, vide REsp 1.264.272, STJ; AI 1641807, TJPR; e AI 1580095-4, TJPR. Inclusive, em muitos processos estaduais o MPSP – Ministério Público do Estado de são Paulo tem se posicionado a favor deste tipo de parcelamento.

O que se tem notado, portanto, é uma sadia movimentação tendente a admitir a realização de um Negócio Jurídico Processual, de uma composição entre as partes, onde o credor/exequente da Execução de Título Judicial/Cumprimento de Sentença pode aceitar o parcelamento, que não lhe trará qualquer tipo de prejuízo, facilitando o pagamento pelo executado que não pode realizar o adimplemento à vista, mas que deseja efetivar o cumprimento de sua obrigação.

Resta clara, assim, a possibilidade da aplicação do parcelamento em Execução de Título Judicial/Cumprimento de Sentença. Corrobora o entendimento a ponderação do parcelamento com os já mencionados princípios da razoável duração do processo e da cooperação processual, com vistas a efetivação da tutela e ao resultado útil do processo, de modo que, em caso de eventual cenário desse gênero, o contribuinte pode – ao menos – realizar o pagamento que lhe foi imposto de forma menos prejudicial, sem colocar em risco o bom andamento de seus negócios e sua saúde financeira.

João Pedro Campanharo Marans, é advogado na Jorge Gomes Advogados, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente. Pós-graduado em Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Estudos Tributário – IBET.